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Conversas à Mesa

Irra que já chega

A Comissão Europeia e os governos europeus resolveram que o cidadão é destituído de bom senso. Uma espécie de criança a quem têm de educar e, de vez em quando, dar umas palmadas. E também perceberam quão fácil é tirar-lhes o chupa-chupa da boca, lançando mão a aumentos de impostos, redução de reformas e pensões e por aí fora.. Cada vez nos dão menos, liberalizam muito, privatizam tudo mas ingerem-se cada vez mais.

Primeiro meteram-se com o tabaco. Dizem-nos onde e quando se pode fumar, tratam o fumador como um leproso, mas não têm pejo em recolher os elevadíssimos impostos provenientes desse veneno. Depois as touradas e a caça. Agora começam a controlar aquilo que comemos, em termos até de quantidade. A Comissão Europeia vai regulamentar o tamanho dos crepes bretões. Em vez dos tradicionais 50 cm, a partir de Julho de 2014 não poderão ter mais de 20 cm. Parece-lhe uma paródia? Pois, mas não é. O comissário europeu Joachim Bramheuld, que está a frente deste projecto dos crepes, disse: « É preciso  termos em linha de conta novos factores como a obesidade e a necessidade de economizar as matérias primas». Segundo este senhor, a redução dos crepes para metade economizará centenas de milhares de toneladas de trigo, de chocolate e de rum. A menos que, com a raiva, nos apeteça comer 3 em vez de um. Será que perante estas directivas, os vendedores de crepes vão continuar a cobrar o mesmo preço?

Em Portugal, aí vamos nós ser mais papistas que a UE. Um pastel de bacalhau? Fica por metade, corta-se a metade do bacalhau, fica só a da batata, e poupamos milhões em divisas. Os doces conventuais, cheios de gemas e açúcar, causadores de AVC que saem caríssimos ao estado? Usa-se a outra metade do ovo, faz-se tudo com claras em vez de gemas, e até fica mais bonito, tudo branquinho. A lista é infinita.

 

Será que nós cidadãos europeus ainda conseguimos ter algum bom senso para parar toda esta ingerência orwelliana?

 

Nota: a fotografia é tirada daqui.

APRENDER A COZINHAR COM NUNO DINIZ

A turma com o professor Nuno Diniz

Pelo exemplo da disciplina Culinary Arts, leccionada em inglês na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa pelo chef Nuno Diniz, o ensino da cozinha parece estar de boa saúde. Há bastante tempo que tinha planeado ir a um dos almoços das quartas-feiras totalmente concebido e confeccionado pelos alunos e finalmente consegui vaga nesta semana.

A turma é heterogénea em idades e em nacionalidades, incluindo, por exemplo,  um americano e duas tailandesas. Cheguei mais cedo para, com a concordância do Nuno, poder assistir ao trabalho dos alunos. Gostei de os ver muito calmos e autónomos, a trabalharem em equipa, tarefas distribuídas como se de uma verdadeira brigada de cozinha se tratasse. Gostei ainda mais de ver que todos dominavam as técnicas clássicas.

Em seguida, gostei muito da refeição. Foi equilibrada no seu seguimento e sobretudo toda ela feita com recurso a produtos vulgares. O único luxo foi a carne usada ser Barrosã. A carne com nome ainda continua infelizmente a ser um luxo em Portugal, quando temos magníficas raças autóctones de gado vacum, suíno e caprino.

No almoço foram usados raízes e tubérculos, tão ao gosto do Nuno Diniz. que muito os tem promovido. Cozidos, grelhados em purés ou salteados, os legumes brilharam na refeição. Correctíssimo foi o ratio legumes-proteína, com grande vantagem dos primeiros, como deve ser numa dieta mediterrânea.

O preço da refeição é de 15 euros, uma belíssima relação preço-qualidade. Não admira que o restaurante da escola esteja sempre cheio às quartas. Infelizmente, as aulas vão acabar daqui a 15 dias, e os almoços também.

Parabéns ao Nuno Duniz, à turma que dirige e à Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa.

Obrigada à Suzana Parreira, do belíssimo blog Gourmets Amadores (http://gourmets-amadores.blogspot.pt), que fez todas as fotos.

 

 

 

 

 Ovo, creme queimado de cogumelos, parmesão

 

 

Parfait de cebola, crumble de coentros, camarões em açafrão e polme de batata-doce
Morcela grelhada, puré de couve-flor, maçã e migas de brioche
Xerovia, romã, choucroute e peito de vitela barrosã
Bolo de mousse de chocolate e amendoim com gelado de tangerina e gengibre

O Dom Sebastião da cozinha portuguesa

Conheci ontem pessoalmente Joaquim Figueiredo, a quem costumo chamar do D. Sebastião da nossa cozinha. Um dos nossos chefs mais carismáticos dos finais dos anos 90, foi, juntamente com Vítor Sobral, um dos pioneiros da moderna cozinha portuguesa. Poucos anos depois, voltou para a Fran ça, quando ainda tinha tudo para dar, tornando-se naquele que ficou para sempre o Desejado. Hoje vive em França, perto de Tarbes, onde abriu há pouco mais de um ano um pequeno hotel com restaurante onde serve cozinha de inspiração portuguesa. Deles darei em breve notícia. Continua a usar com paixão os produtos portugueses e contou-me como os franceses continuam, infelizmente, a ignorar a nossa cozinha. Falou sobre os velhos tempos aqui passados, os restaurantes e as nossas escolas de hotelaria. À pergunta se gostaria de regressar a Portugal, responde que para já seria impossível. É casado com uma francesa e tem dois filhos lá nascidos e criados. Aqui fica um pouco da história deste cozinheiro exemplar na defesa dos nossos produtos enquanto esteve por terras lusas. E uma receita do seu único livro, acabadinha de sair do forno.

 

 

 Durante o almoço de ontem em que se comeu linguado, um peixe que está na sua época e, portanto, no seu melhor.

 

 

Em 1998, a Expo é responsável pela abertura de Portugal ao mundo. Os restaurantes começam a multiplicar-se, assim como os cozinheiros, cuja profissão vai sendo «dignificada» e mediatizada.

No fim da década de 90, os sócios do Pap’Açorda abrem o Bica do Sapato, no Cais da Pedra. A primeira proposta de localização do Bica foi no Jardim do Tabaco, mas o porto de Lisboa acabou por não dar luz verde a este projecto. Joaquim Figueiredo estava a trabalhar no Café da Lapa quando foi convidado para chefiar a cozinha deste restaurante. Beirão de Fornos de Algodres, emigra em 1970 para França com os pais, ainda muito menino, e por lá se afrancesa. Descobre a cozinha num programa de televisão e entra para a escola profissional no departamento da Charente. Trabalha um tempo em França, alguns meses em Inglaterra e decide regressar às origens. Fica quatro anos no Ritz, com o chef Ziebell, ao longo dos quais faz também estágios na Suíça e no Egipto. Nestas andanças, aprende a apreciar a verdade dos produtos e a sua multiplicidade: a boa manteiga e natas em França, as especiarias no Egipto. Trabalha catorze meses no Consenso, na R. Da Academia das Ciências, onde é elogiosamente saudado por José Quitério em Novembro de 1994, no Expresso: «...tenho todo o gosto em dar fé da esmerada qualidade da técnica culinária, com originalidades combinatórias que não afectam as harmonias palatais, dos rigores do complementos que nem sequer descuram os jogos cromáticos, da belamente executada arte de empratar»; e David Lopes Ramos intitulou o Consenso de «bom, sem restrições» e apontou a existência de «matérias-primas de qualidade, talento e um toque de fantasia». Pouco tempo depois, o Consenso fechava portas. Em Julho de 1996, nova crítica de José Quitério, desta vez já JF está no Café da Lapa, que gere com a sua irmã, Silvina. Apelida-o de «cozinheiro excelso» e chama a atenção para «Matérias-primas de impecável frescor e qualidade. Técnica culinária de alto gabarito.» E acrescenta: «Inspirado no que a nouvelle cuisine teve de melhor, sem esquecer as raízes, Joaquim Figueiredo revela-se autor de uma cozinha inventiva, perfumada, subtil, de grande equilíbrio e sageza.»

Às raízes, JF vai buscar os produtos: caracóis (em trouxa com guisado de tomate e manteiga de alho), morcela da Guarda e muitos peixes. Bacalhau fresco, peixe-galo, ruivo e robalo, vieiras, ostras, lavagantes, caranguejos e minúsculos polvinhos e lulinhas povoam e valorizam as suas ementas em combinações tão inesperadas como harmoniosas. Contudo, lá estão também os desnecessários salmão e douradas de criação. Numa entrevista a David Lopes Ramos, confessa as suas dificuldades com os fornecedores de carne e de legumes. Sobretudo porque o seu sonho é fazer «cozinha de mercado», abolir a carta e transformar os produtos nossos de cada dia. Entretanto, trabalhara como consultor para as Pousadas e dera aulas na Escola Hoteleira.

Joaquim Figueiredo muda para o Tavares no princípio de 2004, convidado pelo advogado José Pereira dos Santos, cuja primeira escolha, Miguel Castro e Silva, não se chegou a concretizar. A sua estadia aqui é muito curta. Passados  uns escassos três meses, JF regressa a França, por razões do coração há quem diga.

 

 

 

 

Folhadinho de abóbora e amêndoas

O folhadinho é uma verdadeira delícia. Muito leve, ideal para complementar um prato pesado, permeia-se do sabor da raspa de laranja. Não ralei a amêndoa, antes a deixei em pedacinhos crocantes. Tem ainda a vantagem de ser muito rápido e pouco trabalhoso, se usar a massa folhada de compra. pode optar pelos quadrados de massa pré-cortados e manter o tamanho e a forma.

Esta receita foi extraída do livro O Prazer de Cozinhar, As Minhas Receitas, de Joaquim Figueiredo, Colares Editora, 2002, p. 141. Para maior facilidade de leitura, adaptei algumas partes da escrita.

 

No prefácio, Maria de Lourdes Modesto refere este livro como "um excelente trabalho teórico e prático e uma arma contra a monotonia do paladar.". É, de facto, um dos melhores livros de cozinha editado nos últimos anos.  

 

300 g de abóbora

120 g de amêndoas sem pele

120 g de açúcar

30 g de zestes (raspa) de laranja

300 g de massa folhada (ver receita base)

1 gema de ovo

açúcar em pó

 

 

Cortar a abóbora em pedaços e cozê-la num tacho com 3 colheres de sopa de água, tapada, em lume brando, até ficar completamente mole. Triturar a abóbora em puré no copo liqüidificador.

 

Torrar as amêndoas e picá-las em pedacinhos. Transferir para o copo, juntar os zestese laranja e o açúcar e triturar. Juntar o purê de abóbora e misturar. Tender a massa com 3 mm de espessura e cortar em seis discos. [Eu usei massa folhada de compra e cortei os discos com a ajuda de um prato pequeno e uma faca afiada.]

Pincelar 0,5 cm das bordas da massa com a gema diluída num pouco de água. Enrolar a borda com os dedos, fazendo uma espécie de rebordo canelado.

Com uma espátula, espalhar o recheio de abóbora pelos discos. Com o excesso de massa cortar pequenas tiras à medida e fazer um quadriculado. Pincelar os rebordos e as tiras com a gema.

Levar ao frigorífico durante 20 minutos.

Pré-aquecer o forno a 220*C e cozer os folhadinhos durante 15 minutos, vigiando a partir dos 10.

Servir sem espera, polvilhados com açúcar em pó.

 

 

Pincelar cerca de 0,5 cm da borda com gema 

 Dar forma ao rebordo das tartes

 

 

A tarte pronta para ir para o forno 

 

 

Acabadas de sair do forno

Tendências 2014

 

2013 chegou ao fim, um ano  difícil para todos e também para a nossa restauração, devido à crise do consumo e ao aumento do IVA. Aqui ficam os meus votos de um Bom Ano para todos.

 

Está na altura das habituais previsões gastronómicas para 2014. Estas previsões são um género do boletim meteorológico: se retomarmos as tendências anteriores nunca falhamos totalmente!

Vamos então a elas e, para melhor organização e leitura, seriadas em número de 10. A ordem é ao acaso. Algumas delas constituem porventura mais wishful thinking, um desejo de que assim comece a acontecer, do que fortes tendências.

 

1)     A proveniência dos produtos continua a ser importante. Conhecê-la, criar com eles a intimidade da proximidade, ter acesso à história que os trouxe até nós é fundamental. É o reverso da medalha dos Monsantos deste mundo, da grande indústria. Os OGM serão particularmente atingidos.  Cada vez mais, os chefs trabalham com os pequenos produtores, esperando-se que da sua mútua cooperação surja uma melhoria dos produtos. Em Portugal, por exemplo, abriu no mercado de Cascais, uma Loja do Produtor, pela mão de Joaquim Arnaud, ele próprio produtor de azeite e enchidos. Ou a cooperação entre os produtores de citrinos Ann e Jean-Paul Brigand e o chef Vincent Farges. Desta forma, o pequeno produtor pode vender quase directamente ao consumidor.   O tema da origem dos alimentos ganha finalmente relevância no nosso país, sobretudo no capítulo das carnes. As raças bovinas, caprinas, suínas e ovinas vão finalmente começar timidamente a serem referidas pelo nome. O porco será o bísaro ou o de raça alentejana e assim por diante. Lá fora as carnes maturadas ganham terreno, com os restaurantes a exibirem cada vez mais frigoríficos recheados de lindíssimas peças marmoreadas. Por cá, seria muito bom que melhorássemos a qualidade da nossa carne

 

 

2)     Continuarão na moda a fruta e os legumes "feios", não standardizados e sem as camadas de verniz que os alindam e fazem rebrilhar, independentemente da sua proveniência biológica. No nosso país irão multiplicar-se as empresas de venda de produtos regionais, das quais a Origem Transmontana foi uma pioneira.

 

 

3)     A tendência para a moda dos países do Sudeste Asiático e da Coreia persiste há alguns anos. Está tendência traduz-se, por exemplo, na procura de fermentados (kimchi). O Peru e a Espanha continuam a dar cartas, mas penso que iremos começar a assistir à crescente influência do continente africano, quer directamente quer directamente quer através da sua herança no Nordeste do Brasil.  Espero que Portugal possa reforçar essa influência através de cooperação com os países da CPLP.

 

 

4)     2014 será forte no tema da importância da alimentação na saúde, nomeadamente na prevenção da doença. O facto de a alimentação mediterrânica ter sido considerada Património Imaterial da Humanidade e Portugal ter sido um dos países subscritores da candidatura pode ser uma mais-valia para o nosso país, se soubermos enquadrar-nos neste projecto. A valorização, dentro e fora das nossas fronteiras, dos nossos magníficos legumes, fruta, peixe, azeite, vinho e pão devem estar no horizonte dos nossos projectos mais próximos. Por influência da dieta mediterrânea, devemos diminuir a quantidade de proteína no prato e aumentar a de legumes. As ementas dos restaurantes integrarão cada vez mais pratos para diabéticos e isentos de glúten, para a doença celíaca.

 

 

5)     Dentro do tema da saúde, a obesidade, sobretudo infantil, estará na ordem do dia. A Fast Food irá finalmente adaptar-se a essas questões.

 

 

6)      Depois da onda das cervejas locais, irão surgir chás e cafés de proveniências bem identificadas e com selos de qualidade que começarão por encontrar o seu caminho em casamento com as sobremesas.

 

 

7)     Sustentabilidade continua na ordem do dia, deixando progressivamente de ser uma moda para se tornar uma realidade. Em termos de mar, o consumo de peixe da época permite variar as espécies e protegê-las. Depois da preponderância dos peixes gordos, serão as espécies da época que iremos querer no nosso prato: são mais baratas, mais saborosas e favorecem a sustentabilidade. As algas, esse alimento extraordinário, estará na ribalta.

 

 

8)     Os menus terão mais pratos pequenos, a combinar entre si, e deixarão de ser tão hierarquizados. Os menus de degustação permanecem, sendo, muitas vezes, as únicas opções dos restaurantes topo de gama.

 

 

9)     Permanece a tendência da polivalência dos restaurantes, que ganham bares, fumeiros e frigoríficos de carnes em maturação.  No nosso país, o consumo de enchidos irá ter um grande incremento.

 

 

10) Será moda as viagens turísticas que incluam refeições de topo de comida tradicional, ou até familiar, em casas particulares, que começam a substituir os pop-up. As refeições complementam-se com vinhos de topo.