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Conversas à Mesa

SIOPA, CASAL DE SANTA MARIA E TÁGIDE

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O Tágide tem vindo a promover diversos jantares vínicos, ou seja, refeições em que a comida é confeccionada em função dos vinhos. O vinho é a estrela à mesa, sendo os ingredientes dos pratos e a sua combinação pensados para fazer brilhar o vinho.

 

A ementa deste foi criada por Francisco Siopa, o nosso famoso chocolatier, autor de parcerias improváveis para o chocolate que resultam em magníficas e originais combinações. Os vinhos ficaram a cargo do Casal de Santa Maria, de Colares, uma região muito especial junto ao mar. A actual tendência destes vinhos é para a aceitação plena das características que lhes empresta o terroir, nomeadamente uma acidez e salinidade muito especiais. As vinhas são plantadas nas arribas, enraizando-se nos solos arenosos. Estas suas características únicas valeram-lhe em 1908 uma Denominação de Origem concedida pelo nosso ultimo rei, Dom Manuel II.

 

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O palco deste encontro foi o Tágide, situado no Largo da Escola das Belas Artes, com as suas vistas privilegiadas, faça dia faça noite. A clássica decoração interior está mais bonita que nunca, destacando-se as grandes figuras de azulejos, em harmonias de brancos, azuis e discretos dourados. Tudo o resto é bom, desde as cadeiras, aos panos e às loiças.

 

Nestes jantares é costume ficarem juntas pessoas que não se conhecem. Desta vez tive a felicidade de ficar numa mesa recheada de gente desconhecida interessante e simpática. Tive o prazer de conhecer um jovem casal de arquitectos apaixonados por vinho e comida. A sua atitude de curiosidade e de vontade de aprender deu-me fé no futuro. Só quando a juventude se começa a interessar pela boa cozinha portuguesa moderna, podemos ter massa crítica suficiente para encher restaurantes e formar a base necessária à mudança.

 

 

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De entre os pratos servidos gostava de destacar o carpaccio de vieiras com yuzu (em cima) e, sobretudo, a sobremesa «Natal» com uma minirabanada, um pudim abade de Priscos e arroz doce. Combinei-o com um tinto de casta Ramisco (Casal de Santa Maria, Colares, ramisco – 28,5 euros), cujas uvas são apanhadas à mão. Gostei da acidez, do iodo que lhe vem da proximidade do mar e dos sabores a floresta. Tive a sensação de estar junto ao pinheiro de Natal a comer as melhores sobremesas natalícias. Francisco Siopa mostrou aqui todos os seus dotes de pasteleiro, que o é muito bom. Parabéns ao Francisco.

 

 

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Obrigada ao Tágide, ao Casal de Santa Maria e ao Francisco Siopa pelas fotos.

 

AS ESTRELAS

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Saiu mais um guia MIchelin para a Península Ibérica. Há quem diga que as estrelas não valem nada, que os inspectores não conhecem a realidade portuguesa, são todos estrangeiros, que o jogo não é limpo, etc. Ouve-se toda a sorte de comentários. Mas o que é certo é que as estrelas trazem negócio, muito negócio. Há muita gente que só viaja com o livrinho vermelho na mão. 

No meu entender, é a classificação de restaurantes que faz mais sentido e continua a ser a mais respeitada, embora toda a gente adore rankings, como os da revsta Restaurant. Os rankings tiram-nos trabalho de cima, já vêm feitos, é só adoptá-los. 

Mas vamos ao assunto. Estamos de parabéns. a nossa gastronomia vai subindo de nível pouco a pouco, com segurança. As estrelas são como as medalhas de ouro. Raramente resultam de um mero acaso, como foi com o Carlos Lopes. Habitualmente, só surgem os topos quando há bases. E é isso que está a acontecer com a gastronomia portuguesa. Cada vez há mais restaurantes bons na base e esse processo trará inevitavelmente boas elites e muitas estrelas. 

Os meus parabéns aos que mantiveram as estrelas, não se pense que é fácil. Os meus parabéns aos que ganharam mais estrelas. Ao José Avillez, que agora se confronta com a ciclópica tarefa da terceira, os meus parabéns. Ao Leonel Pereira, que estava mesmo a ver-se, os meus parabéns. E ao primeiro restaurante do Porto, ha muitos anos, a ser estrelado (que Gaia não é Porto), ao Pedro Lemos, os meus parabéns. 

E os meus parabéns a todos os restaurantes que trabalham na base da pirâmide. Porque só com boas bases se conseguem boas elites. 

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 foto de Paulo Barata do site de José Avillez

SE HÁ-DE IR PR'OS PORCOS, FICA JÁ AQUI

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Beterraba-forrageira

Beta vulgaris Subespécie Conditiva

Em Vinhais, o campo estava cheio delas. Junto aos chiqueiros, acumulam-se aos montes, vizinhas das abóboras e das castanhas, tudo para dar aos porquinhos que vão encorpando, enchouriçando e empresuntando à sua conta.

Mas a beterraba-forrageira, da família da beterraba e da acelga, também faria boa figura à nossa mesa e poderia até ser a próxima coqueluche dos chefs, assim acabe a febre da cherovia.

É uma raiz de polpa amarela-alaranjada. Tem sabor meio doce meio a terra. Crua e ralada fica bem numa salada. E é um belíssimo dois em um.

Cozinhe a raiz como a beterraba e a rama como a acelga.

O meu conselho: faça um puré ou use-a para um caril vegetariano, com leite de coco e um pouco de gengibre fresco ralado. Estou à espera que me mandem umas de Trás-os-Montes, senão tenho de ir lá buscá-las.

 

 

 

PORTUGAL-BRASIL NO VIA GRAÇA

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Até 23 de Novembro, o restaurante Via Graça apresenta um menu de degustação, o Encontro Atlântico de Sabores, composto por 8 pratos e resultante de uma parceria luso-brasileira. É uma aposta muito interessante, uma espécie de mano-a-mano entre o chef residente, João Bandeira, e o chef brasileiro, Pablo Oazen, de origens mineiras. Pablo está em Lisboa como convidado.

 

 

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A equipa luso-brasileira. Na frente Pablo Oazen e João Bandeira.

 

 

Esta ementa permite-nos ficar a conhecer um pouco da actual cozinha e produtos do Brasil. O que sobressai sempre na actual cozinha do país irmão é a paixão pelos produtos e pelas tradições locais, sempre coloridas pelo espírito de narrativa. Cada prato, cada produto tem sempre uma história. Cada cozinheiro agarra as suas raízes. Raízes que são mesmo as dele, emocionais e vivenciais e não apenas intelectuais, uma vez que a grande maioria continua a não ser urbana. Do lado português, João Bandeira conseguiu dar uma volta aos nossos produtos e pratos, com novas combinações interessantes, como o bacalhau confitado em azeite, citrinos e cognac, que ficou com óptimos sabor e textura. A recuperação da xerovia, o esfarelado de morcela com a vieira e as algas, e a combinação dos picles com a empada de caça (faisão, perdiz e lebre) foram pontos atraentes do lado tuga.

Do lado brasuca, gostei da combinação tradicional caiçara (palavra que designa o povo ribeirinho de algumas regiões) do peixe e da banana, e ainda do caviar de quiabos e do pato no tucupi, muito na moda no Brasil. O tucupi é um caldo de mandioca brava a que se junta o jambu (uma folhagem que provoca mini choques eléctricos e adormecimento da língua). Gostei da combinação original com o milho, em vez da mandioca, sob a forma de canjiquinha, uma especialidade mineira à base de milho partido.

Deixo-vos as convidativas fotos do almoço. Até 23 de Novembro, recomendo.

 

 

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Para entrar, uma nitrocapirinha, quadradinhos de tapioca com queijo da ilha e ketchup de goiabada, asinhas de frango e cavaiar de quiabos

 

 

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Vieiras coradasar de caril e crumble de morcelas

 

 

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Terrina de rabada, castanhas brasileiras e espuma de tubérculos. Um dos meus favoritos.

 

 

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Garoupa, puré de bananas caramelizadas e quiabos tostados

A tal combinação caiçara. A hóstia é de quiabo.

 

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Bacalhau confitado em azeite, cognac e tangerina com puré de cenoura e xerovia e pó de azeitona. 

 

 

 

 

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Pato, cuscuz de canjiquinha e tucupi. O meu prato favorito da refeição.

 

 

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Empada de caça com picles. Uma combinação muito feliz. O chef João Bandeira diz que o herói do prato é a gressividade dos picles. A empada come-se para descansar do sabor avinagrado. Muito boa, a empada.

 

 

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Contou o chef Pablo Oazen que esta sobremesa é um desafio ao antiga preceito do tempo esclavagista segundo o qual manga e leite não se devem comer juntos. Segundo reza a história, para que os senhores não precisassem de dar leite aos escravos. Aqui o leite está representado pela coalhada.

 

 

 

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