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Conversas à Mesa

SOLAR BRAGANÇANO NO TIVOLI

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Até ao dia 8 de Fevereiro, almoçar ou jantar no restaurante Terraço do Tivoli será como ir ao Solar Bragançano, só que sem as quase 5 horas de caminho. Na cozinha, está a Ana Maria, de cujas mãos saem há quase trinta anos a canja de pombo torcaz, o creme de castanhas, as perdizes no seu ninho com esparregado de nabiças, o javali com cuscos de repolgas, a truta com presunto de bísaro, as bolinhas de butelo e casulas, o bacalhau com batata transmontana, a abóbora dourada (magnífica sobremesa, com a moganga a apresentar os seus fios dourados) ou o pudim abade de Baçal. Claro que não falta também a posta e o naco de vitela mirandesa, uma carne magnífica que muitos lisboetas nunca provaram.

 

 

019-AntónioDesidério&AnaMaria_SolarBragançano.jO casal Ana Maria e Desidério

 

 

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Enchidos e bolinhas de casulas 

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Creme de castanhas

 

 

 

 

 

 

 

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Truta com presunto de bísaro 

 

 

 

De Trás-os-Montes vieram os nossos parceiros, com praticamente todos os produtos a utilizar neste evento. Além do duriense MAPA, os vinhos servidos com a refeição são os Valle Pradinhos (Macedo de Cavaleiros) e da Quinta do Escairo (Vinhais). Em matéria de enchidos, está muito bem representada a zona de Vinhais. Sede da associação dos criadores do porco bísaro e da Confraria Gastronómica do bísaro e dos enchidos, Vinhais tem vindo a criar todas as condições para o desenvolvimento deste porco que estava praticamente extinto, e para que não se perca o saber fazer da salsicharia, dando as melhores condições aos produtores artesanais. Carla Alves, presidente e grão-mestre respectivamente da associação e da confraria, tem sido a grande responsável por esse excelente trabalho. Essas razões aliadas à extrema qualidade dos produtos, levou-nos a escolher os enchidos da região de Vinhais para todas as confecções do Solar, aos quais se juntou o já muito prestigiado presunto de bísaro da Bísaro, uma empresa que está no top das nossas exportações. Os avios da salsicharia assim como o pão (todo ele vindo da aldeia de Coropos, no concelho de Vinhais), os cuscos, os queijos (Terrincho velho e queijo de cabra) e diversos produtos são escolhidos a dedo por Luís Portugal (que se destacou no concurso Masterchef) que conhece os produtores da região como os dedos da sua mão.

 

 

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No evento do lançamento do Solar Bragançano, com o Alberto Fernandes, da Bísaro e um presunto de bísaro de grande qualidade.

 

 

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 Azeites da Origem Transmontana, de Luís Portugal

 

De Vila Real veio uma embaixada doceira, a da Casa Lapão, que herdou receituário do Convento de Santa Clara da terra e o tem vindo a perpetuar. Quem beber o café no fim da refeição provará uma crista, um pastel de fina massa de banha com recheio de ovos.

 

 

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 O Pudim, as cristas e os pastéis de Santa Clara da Casa Lapão. Ao fundo, a abóbora dourada, do Solar Bragançano.

 

 

Se juntar a todas estas razões uma vista única das Colinas de Lisboa, não vai deixar de almoçar ou jantar no Tivoli. Aconselha-se reserva (+ 351 213 198 934).

 

 

 

EMBUSTE

MLM

 

 

Em 1995, no Brasil, Maria de Lourdes Modesto publicou, com a Professora Beatriz Berrini, o livro Comer e Beber com Eça de Queiroz, baseado nas citações alimentares das obras deste escritor. Maria de Lourdes Modesto elaborou as receitas e os pratos e a Professora Berrini, especialista neste autor, fez os textos contemplando a parte literária. O livro foi uma edição luxuosa, encapado em seda verde, patrocinada por um banco brasileiro. As duas autoras ofereceram os respectivos textos à Fundação Eça de Queiroz, com sede em Baião.

Em 2014, é publicado Comer e Beber com Eça de Queirós pela editora Aletheia, um livro com os nomes de Maria de Lourdes Modesto e da Professora Berrini na capa, como autoras. Nenhuma delas foi autora do livro e Maria de Lourdes Modesto sente-se alvo de embuste por parte da Aletheia. O caso já foi noticiado nos jornais e na televisão (Sábado, dia 24, este tema será tratado no telejornal das oito da SIC).

Maria de Lourdes Modesto contou-me como tudo se passou:

«No verão passado, recebi da responsável pela Fundação Eça de Queirós um telefonema em que me participavam que iria ser feita uma segunda edição do livro …. Dei-lhes os parabéns e não pensei mais no assunto embora me orgulhe muito daquele trabalho.

Recentemente, recebi um telefonema de um homem de quem só fixei o apelido, Cabral, pedindo-me autorização para as receitas do livro serem feitas em diversos restaurantes de Baião, numa promoção da Fundação. Achei graça a esta iniciativa e agradeci a amabilidade da comunicação. Passado algum tempo, novo telefonema do mesmo senhor, a dizer-me que tencionavam fazer um livro, simples, com as receitas que os restaurantes tinham tido nas suas cartas. Isto acontece-me pelo menos uma vez por mês. Se as receitas estavam publicadas, porque me oporia? Não fiquei sem sono. Terceiro telefonema do mesmo senhor pedindo-me a minha morada para me enviarem o livro. Agradeci a amabilidade e o senhor deixou cair: é o mínimo. Continuei a pensar que estas iniciativas partiam da Fundação, ou de alguém a esta ligado. Recebido o livro , junto com muitos outros, perto do Natal, não tive oportunidade de me debruçar sobre ele, tendo-o posto e parte, para ver quando tivesse tempo. E não pensei mais no assunto.

Por mero acaso, fiquei a saber que o livro estava à venda nas livrarias. Chegada a casa, fui buscá-lo à prateleira, e qual não é o meu espanto quando vejo que não se tratava do livro para o qual tinha escrito as receitas. Era bem diferente. E o tal senhor era afinal de uma editora de Lisboa, embora nunca o tenha mencionado. O livro, uma sombra do outro, ostenta na capa, como autoras, o nome da Prof Berrini e o meu.»

 

O jornal Público, pela mão de Alexandra Prado Coelho, fez uma matéria sobre este caso, tendo ouvido Maria De Lourdes Modesto e Zita Seabra, da editora Athleia, a tal que publicou o livro também chamado Comer e Beber com Eça de Queirós, com as pretensas autorias. Segundo Zita Seabra, Maria de Lourdes Modesto teria seguido todo o processo e até terias visto as provas, uma afirmação que Maria de Lourdes Modesto reputa como sendo completamente falsa. Não há qualquer documentação trocada entre Maria de Lourdes Modesto e a editora.

 

 

 

Segundo Maria de Lourdes Modesto “Aquele não é o livro de que sou coautora e que por isso não sou sua autora. O meu nome e o da Professora Berrini deveriam vir no interior e não na capa, informando-se os leitores de que aqueles textos tinham sido escritos para o livro de 1995 e que os direitos de autor tinham sido cedido todos os à Fundação Eça de Queiroz.»

 

Aqui fica como aviso «para os autores imprudentes ou de boa fé».

Sociedade de Valor Ilimitado

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Sem dúvida uma excelente Sociedade a que abriu recentemente na sede da Sociedade da Parede. Uma sociedade entre a simpatia de quem nos acolhe e serve, a desejável comida de raiz alentejana e o lindíssimo e acolhedor espaço.

Leopoldo, o omnipresente proprietário, dá um mão na cozinha e depressa vem à sala espalhar a sua simpatia. Tem raízes alentejanas por parte de pai e mãe e deixou a profissão de arquitecto para abrir esta casa onde no prato se sente o carinho posto na cozinha. Cozinha essa que está à vista do cliente que, se for curioso como eu, se apercebe do bom trabalho da equipa.

A sociedade nada te a ver com estas casas de petiscos que proliferarm ultimamente a torto e a direito, e onde se repetem nauseadamente as contrafacções de tradições alentejanas. Aqui encontram-se bons produtos e pratos que neles se inspiram, que por eles se deixam guiar. A Sociedade é um restaurante que vos aconselho e que passou a fazer parte frequente do meu roteiro.

Para vos abrir o apetite, as fotos dos pratos que já experimentei. O bacalhau de muito boa qualidade com o grau de cozedura ideal e a lascar como manda a lei. A açorda com o bom sabor do poejo, sem exageros. No prato de bochechas, o puré de boa batata transformou-se com a acidez e doçura do marmelo. A açorda de camarão baseada em finíssimas fatias de pão alentejano é diferente e muito bem conseguida. A acabar a refeição, duas sobremesas extrardinárias. Gostei do pormenor da Sericaia sem ameixa, conforme consta da carta. acho a ameixa dispensável. a sericais estav com a textura ideal, atestada pelas características fendas à superfície. Para terminar: não fosse tudo o que foi dito, valeria a pena ir ao Sociedade só pelo pudim de noz. Feito com as nozes das nogueiras da família de Leopoldo, sai das abençoadas mãos da mãe do Leopoldo. Não percam.

 

 

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Migas de bacalhau com poejos 

 

 

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Provolone com tomate

 

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Cogumelos porcini, portobelo e paris com alheira

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Pato com pimenta rosa

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Açorda de camarão em camadas de finíssimas fatias de pão

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 Bochechas de porco com puré de batata e marmelo

 

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Pudim de noz e sericaia sem ameixa

 

 

Fecha aos Domingos (ao jantar) e às Segundas 

Rua Marquês do Pombal 319
2775 265 PAREDE

 Tel: 215936722

www.facebook.com/SociedadeCafeRestaurante

 

 

José Quitério

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Fechou-se um ciclo. Há já uns meses que deixei de abrir a revista do Expresso na antecipação de ler a crónica de José Quitério, de que era leitora quase desde o início.

As curiosidades históricas ou literárias com que dava início às suas famosas crónicas e críticas gastronómicas tinham sempre a mais-valia das referências sociais ou políticas. O vocabulário quiteriano (ou quiteriesco?) carregado de neologismos fez escola e foi imitado por todo o lado, embora só a sua pena lhes desse o sentido e a graça.

Visitou um número incalculável de restaurantes, alguns deles por diversas vezes. Nunca descurou o rigor, nem nos mais humildes, nem nos mais sofisticados. Nunca lhe faltou a sageza de destrinçar critérios e objectivos para cada categoria deles. Quando se sentava à mesa, assumia-se como o cliente típico daquele restaurante em particular.

A reserva era sempre feita em nome de José Sousa. Tão discreta quanto a sua actuação de crítico é a sua pantagruélica cultura literária e histórica, que apenas perpassa pela conversa quando a propósito e de forma natural, nunca com laivos de superioridade erudita. Generoso, emprestou-me livros vezes sem conta e nunca deixou de me ajudar com referências sempre que solicitadas. Conversar à mesa com José Quitério é um dos meus prazeres favoritos. Fala mas também escuta e valoriza. E não foram poucas as vezes em que, pelo país fora, tive o privilégio de o acompanhar como amiga nas suas incursões «restaurativas».

 

Tem empreendimentos. Com a ausência de “toalha, individual ou toalhete”, que considera retrocesso civilizacional. Com os guardanapos de papel em restaurantes com pretensões. Com o tratamento por «você» e com o «boa continuação». Com as fusões e as «misturas espúrias». Com os telemóveis à mesa. Dá preferência à comida com mais transformação, raramente visitando restaurantes onde só servem grelhados. Porém, no geral, é tolerante e bem mais moderno do que conservador.

 

Porém, para lá da crítica gastronómica, o que distingue verdadeiramente José Quitério são os diversos livros que escreveu sobre a alimentação em Portugal. São dos raros livros que contêm informação relevante e fiável sobre alimentação no nosso país. Podemos ter a certeza de que tudo quanto ali se encontra é fruto de pesquisa rigorosíssima. A caminho, está um novo livro da sua autoria.

 

O que seria desejável era que José Quitério não deixasse de contribuir para a nossa gastronomia, das formas que a ele melhor lhe conviessem e aprouvessem. Numa área tão pobre de valores quanto esta, não nos podemos dar ao luxo de perder as suas contribuições.

 

 

Ao Fortunato da Câmara, desejo as maiores felicidades nesta dura tarefa de substituir José Quitério no Expresso. Que afirme o seu estilo próprio para que os leitores continuem a abrir a revista na expectativa de ler a crítica gastronómica.

 

Foto de Mário Cerdeira, em Vila Real