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Conversas à Mesa

O MOLHO FRIM FRAM E O CASTA 85

 

 

A canção Frim Fram Sauce é um verdadeiro achado em termos musicais, mas sobretudo em termos gastronómicos. Foi escrita em 1945 por Redd Evans (letra) e por Joe Ricardel (música) para Nat King Cole. Foi interpretada por vários artistas, mas as minhas versões preferidas são a original e duas outras, a de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong (esta) e a de Diana Krall (e esta).

 

Diz esta extraordinária canção, cuja letra segue no fim: «Não quero costeletas de porco com bacon», «que não me despertam o apetite», quero sim « frim fram sauce with the Ausen fay with chafafa on the side». É um recitar de ingredientes sem nexo, como os que algumas vezes se encontram nos nossos pratos em certos restaurantes. Cada vez mais escasseia boa comida de conforto que faça sentido, mas que tenha uma abordagem contemporânea, mas sem frim frams nem ausen fay. É assim a comida de dois restaurantes onde estive recentemente: o Estória (veja aqui) e o Casta 85. Curiosamente, ambos são propriedade dos chefs, respectivamente o Vítor Areias e o João Simões. Hoje vou falar do Casta 85, de Alenquer, onde fiz, com mais duas pessoas, uma refeição de que muito gostei. Sem frim fram sauce e chafafa on the side, mas com uma apreciável criatividade na combinação e transformação de bons produtos, todos reconhecíveis e de qualidade, uma bonita apresentação e uma vertente bem acentuada de comida de conforto. Os preços são acessíveis e o ambiente muito agradável baseado numa mistura kitschesca de mobiliário antigo, por vezes um pouco excessiva. O restaurante situa-se num primeiro andar com vista para o rio Alenquer e uma simpática cozinha à vista, onde habitualmente encontra o chef. João Simões ainda é jovem, mas já tem um carreira longa de trabalho em vários restaurantes famosos. Se Alenquer fosse mais perto, certamente lá iria todas as semanas, até porque os preços não mordem.

Ficam aqui as escolhas do almoço, que foi farto.

 

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Torricado de presunto

 

 

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Choco frito 

 

 

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Caldo de perdiz (fantástica)

 

 

 

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Vieira corada com espuma de batata, chips e trufa 

 

 

 

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Solha frita com arroz de tomate e camarão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Massada de garoupa, camarão e mexilhão

 

 

 

 

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Garoupa corada com açorda cremosa e salada de tomate

 

 

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Osso buco com puré de batata e cogumelos

 

 

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Farófias

 

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Morangos com mascarpone (a não perder)

 

 

 

 

Nat King Cole Frim Fram Sauce

 

https://www.youtube.com/watch?v=2B8FR6xMFRo

 

I don't want French fried potatoes,

Red ripe tomatoes,

I'm never satisfied.

I want the frim fram sauce with the Ausen fay

With chafafa on the side.

 

I don't want pork chops and bacon,

That won't awaken

My appetite inside.

I want the frim fram sauce with the Ausen fay

With chafafa on the side.

 

A fella really got to eat

And a fella should eat right.

Five will get you ten

I'm gonna feed myself right tonight.

 

I don't want fish cakes and rye bread,

You heard what I said.

Waiter, please serve mine fried

I want the frim fram sauce with the Ausen fay

With chafafa on the side.

 

A fella really got to eat

And a fella should eat right.

Five will get you ten

I'm gonna feed myself right tonight.

 

I don't want fish cakes and rye bread,

You heard what I said.

Waiter, please serve mine fried

I want the frim fram sauce with the Ausen fay

With chafafa on the side.

 

 

 

Casta 85

Largo do Espírito Santo - 31

2580 Alenquer

Tel. 915 761 911

 

 

 

 

Viajando nos Açores

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Antes de mais, uma boa notícia: vai poder saborear a gastronomia dos Açores em Lisboa. De 18 a 27 de Fevereiro, as ilhas são convidadas do restaurante Terraço, Tivoli da Avenida da Liberdade, evento integrado no Portugal de Norte a Sul, de que sou organizadora. As ilhas estarão representadas pelo restaurante Anfiteatro, da Escola de Formação Turística e Hoteleira de Ponta Delgada, com os chefs Sandro Meireles, Pedro Oliveira, Cláudio Pontes e Nuno Santos.

 

Para vos abrir o apetite para a magnífica gastronomia açoriana (que varia bastante de ilha para ilha) deixo-vos aqui um roteiro da ilha de São Miguel, porque tenho a certeza de que, depois a provar no Tivoli, irão querer conhecê-la in loco.

Já há mais de vinte anos que não ia aos Açores, nomeadamente à micaelense Ponta Delgada. Recordava-me de uma natureza belíssima, luxuriante e de um centro histórico riquíssimo. Mas desta vez o que mais me impressionou foi ter achado um ambiente tropical na ilha. Não é apenas a vegetação que cresce à custa da elevada humidade, é a semelhança das casas, dos restaurantes, dos impérios, das cargas de água que caem de repente. Tanta coisa que me lembra por vezes o Brasil, por vezes África, mas uns trópicos arrumados, limpos, organizados, uma espécie de trópicos «suíços».

 

 

Um tour gastronómico de São Miguel

VISITAS ESSENCIAIS

Proponho-vos aqui meia dúzia de visitas, todas elas perto de Ponta Delgada e que podem ser combinadas ao longo de um dia. Para melhor compreensão, estão todas localizadas no mapa. Tudo é muito perto e as estradas são óptimas.

 

 

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O Sr. Vítor vende aqui os araçás vermelhos e amarelos das suas árvores.

 

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Os minhotes são os inhames mais pequenos (à esquerda)

 

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A moreia salta-nos à vista,

 

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mas é o peixe-cão quem nos enche o olho.

 

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Até as plântulas são um prazer para a vista, vestidas para agradar. 

 

 

 

 

 

 

 

 

O mercado de Ponta Delgada

É uma visita curiosa e pedagógica, mas sobretudo vibrante de cor. É delicioso ver tanto produto da época reunido numa pequena superfície.  As bancas de peixe estão mais ou menos recheadas em função da época e do tempo que faz. São uma boa forma de perceber a tropicalidade das ilhas através da presença de vários peixes multicoloridos, como o lindíssimo e saboroso peixe-cão e o bodião. Nas bancas de legumes, reinam as caprichosas formas do inhame, o araçá (óptimo para doces e sumos), o omnipresente ananás e o maracujá. O Sr. Vítor, que tem banca logo na entrada principal, vende polpa de araçá e de maracujá congelada por encomenda. O maracujá açoriano tem um perfume e um sabor do outro mundo. Mas repare também nos citrinos, se for de inverno: o limão-galego, por exemplo. À saída não falhe a loja de O Rei dos Queijos. O meu conselho? Queijo Morro, do Faial, sobretudo em versão mini (como o Azeitão), queijo de São Jorge o mais curado que encontrar, bolos lêvedos, biscoitos de cerveja, malassadas (se estiverem acabadas de fazer). Os meus sacos vieram carregados de pimenta-da-terra sob todas as formas, sobretudo de conserva em vinagre.

 

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O porto de Rabo de Peixe

 

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Em cima, a obra de Vihls, em baixo outras duas intervenções 

 

 

 

 

 

A Quinta dos Sabores (1)

A não perder a Quinta dos Sabores, ou oficina agroalimentar, de Paulo Decq, perto de Rabo de peixe. A ideia é marcar um almoço no pequeno restaurante da quinta onde pode desfrutar dos produtos biológicos e lançar o desafio ao Paulo para lhe mostrar as plantas todas. A quinta, que já foi um enorme pomar de laranjas, tem um ar completamente selvagem, mas Paulo conhece cada plantinha, por muito incipiente que seja. Quando passar em Rabo de Peixe (2), aproveite para ver os grafitti/retratos/esculturas de caras de gentes locais feitas pelo português Vihls, que tem obra um pouco por todo o mundo.

 

 

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O simpático Sr. Adelino nas suas instalações, as formas das queijadas e as mesmas.

 

 

As queijadas de Vila Franca do Campo (3)

A ida a Vila Franca do Campo, As queijadas Morgado, para comer duas queijadas (o mínimo...), dar dois dedos de conversa ao Sr. Adelino, o proprietário, é fundamental. As queijadas têm recheio fino, com suave sabor a queijo, e uma casquinha de extraordinária finura, mas com presença. Vendem-se em caixinhas de 6, ideais para presentear quem ficou no Continente.

 

 

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A massa sovada (4)

Depois é passar em Ponta Garça, na Dona Isabel que, com as duas filhas, faz uma massa sovada, amassada à mão e cozida em forno de lenha. Vende-se em bolos grandes que, cortados em fatias e torrados (ou não) são uma base deliciosa para um doce de araçá ou para puxar a um licor de maracujá.

 

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Uma das salas da produção de chá (em cima) e a mesma sala com a mesa posta para um jantar de degustação (Projecto Às Cegas, promovido pelo restaurante Anfiteatro, da EFTH).

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As plantações de chá

 

 

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Os chás da Gorreana (5)

A plantação e a localização são de ficar de boca aberta. A fábrica é curiosa porque não é apenas artesanal, parou no século XIX, perto da Revolução Industrial, mais precisamenye em 1883, data da fundação. Apesar de as instalações (bar, WC) estarem muito velhas, a fábrica tem muito potencial. Uma mudança no visual da marca seria muito aconselhável, mas penso que a nova geração que dirige a empresa há pouco tempo (duas jovens senhoras), já está a proceder a essas mudanças. Vende-se chá preto e verde, bergamota e jasmim.

 

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Um jantar de degustação (Projecto Às Cegas, promovido pelo restaurante Anfiteatro, da EFTH) numa estufa de ananases da Arruda

 

 

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Os ananases (6)

Hoje é o primeiro produto que associamos ao arquipélago, embora o ananás só tenha sugido nos Açores no século XIX, a fim de compensar o desastre do antiquíssimo cultivo da laranja, atingida pela gomosa, doença fatal. O seu cultivo foi incentivado pela família Bensaúde, que criou as primeiras estufas em vidro. É uma visita obrigatória e interessante, até sob o ponto de vista estético. As estufas são lindas, assim como a planta, que ficamos a conhecer em várias fases de desenvolvimento, e certas peculiaridades do seu cultivo. É importante que haja um guia, falante ou escrito, que nos permita apreciar a visita na sua plenitude. Eu visitei as Plantações de ananases A. Arruda, que têm o bónus de uma interessante loja de produtos e artesanato açorianos.

 

 

 

 

 

 

 

TABERNA BAY EM PONTA DELGADA

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Álvaro Lopes é um homem com uma missão, assim como os restantes membros da Tertúlia do Petisco, de Ponta Delgada, entre eles o chef Paulo Mota: estudar e divulgar a genuína gastronomia das ilhas antes que esta nova vaga de turismo possa destrui-la ou adulterá-la. Por trás de cada petiscada está uma profunda investigação da cozinha das ilhas. Entre garfadas, discute-se o papel do feijão-arroz, os vários nomes do limão galego ou o aproveitamento do pão duro. Foi um prazer imenso partilhar com eles uma dessas petiscadas, que me deixou em silêncio, as orelhas bem esticadas para aprender, e a boca aberta para provar tudo o que vem à mesa. Álvaro resolveu trabalhar pelo exemplo e abrir um espaço onde pudesse partilhar com o público todos estas receitas tradicionais Trata-se da Taberna Bay, o novo e precioso espaço de Álvaro Lopes e da sua mulher Nélia em Ponta Delgada. Situa-se num vivenda mesmo sobre o mar, num local de nome peculiar: Rosto de Cão, na freguesia de São Roque. Nos dias menos ventosos ou frios, é de sentar na varanda/esplanada, e espalhar a maresia no pão.

 

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Alheira de Santa Maria e mel em massa folhada

 

 

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Fatias de pão com queijo de São Jorge, natas e pimenta de moinho gratinados

 

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Queijo branco embrulhado em folha de conteira, uma especie invasora originária dos  Himalaias

 

 

 

 

 

Álvaro e Nélia estão na sala e na cozinha. Das suas mãos sai comida tradicional e genuína dos Açores. É uma época de encruzilhada a que se vive neste momento no arquipélago com o crescente aumento do turismo, em que a gastronomia pode degenerar ou, pelo contrário, seguir o caminho certo alicerçando-se nas tradições, para se ir modernizando ao ritmo adequado. Restaurantes como a Taberna Bay, e restauradores como o Álvaro Lemos, são preciosos nesta altura.

E as preciosidades que eu experimentei provam que esse é o bom caminho.

 

 

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O pão é tentador 

 

 

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Pé de torresmo, uma conserva feita à base de fígado de porco, carnes magras e gordas e vinagre. um dos melhores derivados do porco que conheço.

 

Para começar e deitar abaixo um ou dois meiozinhos, uns pequeníssimos copos de vinho surgiram fatias de pão com queijo de São Jorge, natas e pimenta de moinho gratinados; morcela com ananás embrulhados em massa filo (embora recente, esta combinação de dois ingredientes açorianos resulta na perfeição) e alheira de Santa Maria e mel em massa folhada (indispensável provar estas belíssimas alheiras produzidas na ilha de Santa Maria).

 

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Arroz de lapas 

 

A escolha dos pratos principais da ementa é vasta, embora haja sempre um prato do dia: do cozido das caldeiras, aos pezinhos de coentrada, das bochechas de porco aos torresmos (semelhantes aos rojões do Alentejo). Mas também encontra um magnífico arroz de lapas, de que gostei muito (em que as lapas não secam porque só entram no fim) ou o feijão assado do Faial (uma versão pobre da feijoada, que leva chouriço, toucinho, canela e pimenta-da-jamaica, sendo feita num tabuleiro de barro e regada com melaço antes de ir ao forno).

De prato principal, comi uma magnífica caldeirada de abrótea, batata, pimentos e pimenta da terra. A batata açoriana é muito saborosa, tão saborosa que trouxe uma sacada dela para casa.

 

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Caldeirada de abrótea 

 

 

Curiosamente, os açorianos não comem muito peixe, preferem a carne, de vaca ou de porco. Foi uma constatação difícil de perceber para mim, mas é um facto. Do mar, chegam à mesa sobretudo os chicharros e o polvo, sendo o atum muito apreciado.

 

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Queijada de limão-galego com gelado de figo-da-índia

 


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Os saborosíssimos biscoitos de limão servidos como o café.

 

 

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Rodeada pelo Álvaro Lopes e pela Nélia, os proprietários do Taberna Bay e acompanhada por outros membros da Tertúlia do Petisco.

 

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O mar que se avista da varanda 

 

 

De sobremesa, experimentei pastel de limão-galego (um citrino pequeno semelhante a uma tangerina, mas muito ácido) com gelado de figo-da-índia, uma combinação deliciosa. Mas fiquei com pena de não ter provado o pudim de inhame.

Este é o restaurante perfeito para quem gosta de comida saborosa e genuinamente tradicional. Uma morada a não perder em Ponta Delgada. Hoje, com o preço baixo das passagens aéreas, os Açores são para os continentais um destino turístico de eleição.

 

 

 

 

 

 

 

Taberna Bay – Avenida do Mar

São Roque

Ponta Delgada

Tel. 917 192 256

 

 

 

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