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Conversas à Mesa

GRÃO A GRÃO SE CONSTRÓI O BAGOS

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Há hoje uma moda em redor de restaurantes que estrelam um determinado produto, sejam eles de fast food ou de topo. Há-os de ostras, de ovos, de caviar, de aves ou de lagosta.

Cá pela nossa terra, fazia todo o sentido escolher o arroz como produto base deste conceito, já que somos um povo de arrozeiros. Com um consumo médio de 17 kg anuais, ultrapassamos até a Itália, porque o usamos como prato principal e como acompanhamento. Adoramos os nossos típicos e únicos arrozes malandros, a quem carinhosamente chamamos pelo diminutivo malandrinhos. Juramos pelo arroz-doce e pelo bolo de arroz. Não dispensamos os conúbios do arroz com o tomate, os grelos ou o feijão. Herdámos esse gosto dos árabes, responsáveis pela sua introdução na península Ibérica. Por outro lado, o arroz tem a vantagem de ser um hidrato sem glúten, portanto adequado a todos aqueles que são intolerantes a esta mistura de proteínas.

 

 

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Fitas de massa de arroz da ementa de almoço

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Um fantástico arroz a acompanhar a carne de porco da ementa do almoço

 

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Entrada: Aveludado de galinha com amêndoas torradas

 

 

 

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Entrada: niguiri de bacalhau

 

 

 

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A sobremesa: arroz-doce em cheesecake com um magnifico licor de arroz dos Açores 

 

 

Foi o que afortunadamente fez Henrique Mouro no seu novo restaurante, Bagos, no Chiado (where else!!!). Toda os pratos da carta, das entradas às sobremesas, contêm arroz. Após um jantar e um almoço no Bagos o que me tocou mais foi o modo inteligente, deliciosamente variado e harmónico como o Henrique introduz o arroz em todos estes pratos, sejam eles um elegante aveludado de galinha com amêndoas torradas espessado com farinha de arroz, numa orientalizante massa de fios, um equilibrado niguiri de bacalhauou num soufflé. Ao longo de uma refeição de 3 ou 4 pratos, o arroz aparece de modos tão criativos que a sua presença nunca se torna repetitiva. O que recordo, e muito bem, das duas refeições é o extraordinário sabor e a complexidade. Camadas de sabores que se sobrepõem e combinam sem se anularem. Na minha memória ficaram todos gravados, sobretudo o de cabidela.

Os diversos pratos com o omnipresente arroz recebem influências de diversas partes do mundo e casam com produtos exógenos, mas por todos eles perpassa o espírito português, porque é essa a inspiração da cozinha do Henrique Mouro. Este chef caracteriza a sua cozinha como simples, mas todos os pratos que provei são de uma grande complexidade e profundidade de sabores.

Depois de ter saído do Assinatura e de ter estado fora de cena durante algum tempo, é bom ver este grande cozinheiro à frente deste original restaurante cujo tema, o arroz, tem um grande significado emocional para nós portugueses.

Ah, e há outra boa notícia: duas ementas de almoço, uma a 12 euros (entrada ou sobremesa e prato principal) e a outra a 15 euros (entrada, prato principal e sobremesa). Ao jantar, os pratos principais andam entre os 16 e os 22 euros. Um palavra elogiosa para uma boa lista de vinhos, muito bem elaborada.

O Bagos é o Henrique Mouro na sua melhor forma. E que forma...

 

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Pera com cozida em vinho branco com creme de arroz 

 

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Bagos 

Rua Antonio Maria Cardoso, 15B, Chiado, Lisboa 

Telefone: 213420802

 

(Quem quiser saber mais sobre arroz, veja aqui no blog).

 

 

 

 

HISTÓRIAS DE COZINHEIROS II: SALA E COZINHA

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Se a nossa cozinha se tem vindo a modernizar, a nossa sala não tem, infelizmente, acompanhado com o profissionalismo que estaria à altura das mudanças, salvo honrosas excepções. Os mais velhos ainda se lembram do nosso antigo serviço dos restaurantes médios, em geral feito por autodidactas de camisas de terilene e laços pretos, cuja mais valia era a aparente humildade, que os levava a fazer um serviço passável passando despercebidos. Porém, nos melhores restaurantes, o serviço de sala era muito activo, uma vez que a finalização dos pratos era feita à mesa. Trinchar, flamejar, despinhar, fazer um tártaro ou uma salada, tudo isto era levado a cabo pelo pessoal da sala. O ex libris dos empregados de mesa era o guéridon, uma mesinha dotada de uma placa e um bico de gás onde se realizavam uma longa série de operações frente ao cliente. Ali, e não na cozinha, estava o teatro e a emoção. Ali estava a transformação do que vinha da cozinha ainda em estado pré-cliente.

A velha rivalidade entre cozinha, os queima cebolas, e mesa, os gamelas, era constante, com vantagem para a mesa, a única face visível da restauração, já que os cozinheiros nem sequer sonhavam em sair das cozinhas e muito menos em entrar na sala.

A carreira da sala era longa e começava geralmente na juventude, com ou sem formação profissional, traduzindo-se numa longa aprendizagem laboral e numa carreira que poderia culminar no almejado posto de maître d’hôtel ou chefe de sala.

 

Hotel-Aviz.65.jpgServiço de guéridon no antigo hotel Aviz 

 

Estava o serviço de sala organizado em torno de uma forte hierarquia, no topo da qual oficiava o gerente, responsável por sala e cozinha. Tão intensa era essa hierarquia, que, no princípio do século XX, cada um tinha o seu lugar, até na hora da refeição. O maître d’hôtel, ou chef de sala, comia em sala à parte, servido por empregados de mesa aprendizes e com talheres de prata. Segue-se-lhe na hierarquia o chef de cozinha, que jantava na cozinha na sua própria mesa, sendo servido por um aprendiz de cozinha, os restantes cozinheiros, os empregados de mesa e, no fim da lista, os plongeurs.

Nessa época, uma das poucas vitórias pessoais da cozinha sobre a mesa tinha a ver com bigodes: como na sala eram interditos, os cozinheiros envergavam-nos todos orgulhosamente, para marcarem a diferença e fazerem pirraça. Veja-se a bigodaça do maior de todos eles, o grande Escoffier. Ou do nosso restaurateur João da Mata (na foto em cima), que abriu diversos hotéis em Lisboa, nomeadamente o famoso Grande Hotel que ostentava o seu nome e residia no antigo palácio Sobral (e não no vizinho palácio do Calhariz como já vi escrito). O edifício deste hotel, que encerrou em 1879, situava-se no largo do Calhariz e fora já quartel general de Wellington em 1811, tendo sido vendido em 1887 para sede da Caixa Geral de Depósitos.

 

 

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É apenas com o nascimento da nova cozinha francesa, a Nouvelle Cuisine, no fim dos anos 60, princípio dos anos 70, que a equipa de mesa perde importância para a cozinha. Esta verdadeira revolução torna desnecessárias as preparações feitas na sala, uma vez que os pratos já vêm completamente prontos da cozinha. É o triunfo do prato e da vertente visual, da cozinha sobre a sala, onde passam a aparecer regularmente os cozinheiros para interagirem com os clientes. Nasciam novas estrelas mediáticas.

Em 1998, Fredy Girardet, o célebre chef suíço do restaurante de 3 estrelas com o mesmo nome, afirmava que a Nouvelle Cuisine tinha transformado o pessoal da sala em “ simples transportadores de pratos, cuja actividade se limita a levantar em conjunto as cloches em prata.”

 

 

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Paul Bocuse, Freddy Girardet e Robuchon 

 

Não é desejável nem verdadeiro que assim seja. Todos sabemos que o serviço de sala continua hoje a ser extremamente importante. Mal feito, pode destruir completamente um restaurante, ainda que este seja dotado de uma óptima cozinha.

Sabemos ainda como é importante o serviço num restaurante de topo e como este deve estar casado com a cozinha na criação do mise-en-scène que o cliente tanto aprecia. Nele, o empregado de mesa é uma espécie de representante do cozinheiro no teatro da sala. Por outro lado, ele é o transmissor das «mensagens do chef». Nada pior que ir a um bom restaurante e ser brindado com uma má ou incompleta descrição dos pratos. Num restaurante com estrela Michelin ou com pretensões a esta, é obrigatório que o serviço nunca seja pedido, mas sempre adivinhado e antecipado. O melhor empregado de mesa tem artes de psicólogo e interpreta as necessidades de comunicação do cliente, sem nunca se esquivar a elas mas também nunca as impondo.

 

Com a crescente importância do vinho na gastronomia, o sommelier ou escanção veio valorizar imensamente o contacto com o cliente, sendo responsável pelo seu aconselhamento directo em matérias vinícolas e pelas harmonizações com menus de degustação e pratos. A sua função é muito importante, sabendo todos nós o peso económico que o vinho tem hoje na restauração.

 

 

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Um grande escanção, Inácio Loureiro, do Fortaleza do Guincho, recebe o prémio da Academia Internacional de Gastronomia 

Finalmente também não é fácil trabalhar nas salas dos restaurantes que constituem o novo trend: aqueles que não são apenas uma pretty face, mas onde tudo o que vem da cozinha é bom. Aqueles onde se pode ter tudo, um bom ambiente e bons produtos. Aqui é preciso também um grande equilíbrio na sala para se poder manter o ambiente informal, sem nunca deixar de ter serviço. Não se pense que é fácil. Para ser moderno não basta vestir um avental de bistro ou uma t-shirt preta. Contudo, também aqui é muitas vezes o serviço que faz a diferença.

O que nunca podemos esquecer é que sala e cozinha são uma só equipa. Só o trabalho conjunto das duas pode tornar um restaurante bem sucedido.

 

Continua com o tema: Cozinheiros, os novos proprietários

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAFÉ ESTIVAL

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 gentes de chá e há gentes de café, como as há de cães e as há de gatos. Eu sou pelo cão e pelo café, sempre. No Verão, gosto de beber café gelado, mas sempre proveniente de uma extracção a frio, que o torna muito especial: mais suave e mais doce. Quando é extraído a frio, o café tem menos acidez e cafeína, além das vantagens de se conservar no frigorífico durante muito tempo (entre 8 e 15 dias) e de ser ideal para bebidas frias. Os baixos níveis de acidez tornam-no indicado para cozinhar e para quem sofra de problemas gástricos.

 

Este processo de extrair café sem recorrer a elevadas temperaturas ou a pressã deverá ter sido trazido de Java para o Japão por comerciantes holandeses. O responsável pela actual popularidade da extracção a frio foi um engenheiro químico norte-americano, Todd Simpson que, após uma viagem ao Peru, desenvolveu este sistema, carinhosamente baptizado de Toddy. A filosofia da extracção a frio consiste em substituir o calor pelo tempo. Ao longo de um período de 12 horas, o café moído grosso fica em infusão na água fria, sendo seguidamente filtrado para retirar o pó.

 

 

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No entanto, basta ter em casa um frasco com tampa de enroscar e um filtro de papel para poder fazer café extraído a frio. É facílimo. Coque o café moído grosso, junte a água fria e mexa com colher de pau ou de plástico. Deixe 12 horas em infusão à temperatura ambiente, ou no frigorífico se estiver muito calor. Passe o café por um filtro de papel colocado sobre um passador de rede.

Uma outra alternativa é fazê-lo na prensa francesa (quando empurrar o êmbolo, fica logo coado).

 

Faça o café à noite e delicie-se nas manhãs quentes de Verão.

 

1 porção de café de Moagem Grossa para 4 porções de água

Neste caso usei o famoso Tarrazu, da Costa Rica, um magnífico café com bastante corpo e acidez e muito aroma, comprado na Casa Carioca, da R. da Misericórdia

 

 

 

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COMO CHEGAR AO CORAÇÂO DE UM HOMEM

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Se é minha leitora e quer chegar ao coração de um homem, este post é para si. Hoje ensino-lhe como fazê-lo de forma muito fácil segundo um anúncio da Revista Banquete, de 1970, era sua directora Maria Emília Cancella de Abreu.

É muito simples, basta dar regularmente ao homem que elegeu umas pitadas de Ajinomoto, um produto japonês cujo nome significa «essência do sabor». Trata-se tão só do Glutamato de Sódio (MSG ou MSG), um aminoácido não essencial que realça o sabor dos alimentos. É muito usado na cozinha oriental, mas também pela indústria ocidental. Sabemos hoje que o MSG provoca vários efeitos nocivos, nomeadamente uma despropositada produção de insulina pelo pâncreas, o desequilíbrio dos neurotransmissores, dor de cabeça e náuseas. Dizem que faz mal a tudo, podendo causar cancro a alergias e problemas de visão, embora nada esteja preto no branco.

 

Mas veja a leitora na fotografia a insídia com que a senhora que quer chegar ao coração (diz ela) daquele senhor o ataca por trás, polvilhando-lhe a comida com um monte de pó branco, qual antraz. Esconde-se ela atrás da inocência dos nos 70? O homem, incauto, sorri na perspectiva do consolo estomacal deste viciante tempero, enquanto o ajinomoto lhe vai directo ao coração, qual flecha envenenada. Aliás na segunda foto, vê-se já a senhora a tirar-lhe o pulso, certificando-se de que o ajinomoto lhe tenha já chegado ao coração. Para o conquistar? Para o aniquilar?

Nem ela sabe, coitada. Em termos alimentares nada é certo. A margarina já foi considerada a melhor gordura, contra o azeite e a manteiga, e hoje é diabolizada. Já tivemos de imiscuir farelo em todas as sopas e bebidas, hoje dizem que nos retira o ferro. A lista é interminável. Um dia, quem sabe, vamos voltar a acreditar que o MSG é mesmo mágico e vai mesmo directo ao coração de qualquer homem.

 

 

 

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