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Conversas à Mesa

PÃO DA GLEBA

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Hoje vou contra-vos a história do Diogo e da Margarida, um casal corajoso que com pouco mais de vinte anos abriu uma padaria ali para as bandas das Janelas Verdes que se chama Gleba. Fui lá, entusiasmei-me a vê-los fazer o pão, comprei dois, um de farinha de centeio e outro de trigo Almansor com queijo de cabra transmontano. Cheguei a casa a correr, para os cortar em fatias grossas e experimentar. O de centeio comido sem nada é uma refeição; com um naquito de manteiga em cima, é o céu. Hoje em dia, só utilizamos praticamente o pão para sanduíches, satisfazendo-nos um tipo sem sabor, uma espécie de moldura e enchimento neutros. Esquecemo-nos do uso que dele antigamente se fazia, enquanto alimento autónomo que se pretendia cheio de sabor, por ser, frequentemente o principal. Uma semana depois, o pão que guardei para fazer a experiência da longevidade, continua impecável, um pouco mais seco, mas saboroso e sem qualquer vestígio de bolor.

A Gleba é uma padaria muito especial, daquelas que só vendem mesmo pão e 100% português e onde se passa todo o processo de fabrico. Ah, só que este processo já começou muito antes, com o Diogo a correr o país à procura das melhores variedades de trigo, milho ou cevada. Priveligia as variedades mais tradicionais, como o barbela, um trigo muito cultivado em Trás-os-Montes por gerar muita palha para a cama do gado e de onde se faziam os cuscos. Ou o trigo morto vivo, que encontrou na região de Torres. O que ele pretende é arranjar cereais com sabores diferentes para os seus pães.

Depois de encontrados os melhores cereais, é necessário assegurar-lhes a melhor moagem, em mó de pedra. A vantagem desta sobre o metal é que este gera calor que destrói parte dos bons nutrientes dos cereais. No fundo da loja, um moinho cujo enorme e generoso coração consiste em 2 enormes mós de pedra. Por cima, entra o cereal, por baixo sai a farinha com a gradação que o Diogo acha adequada. Segue-se a peneiração da farinha, também em modo mecânico.

Depois vem a feitura do pão, do modo que Diogo aprendeu em Inglaterra, no restaurante Fat Duck, do famoso Heston Blummenthal (3 estrelas Michelin) onde estagiou. A massa madre (o surdough), um fermento natural e não químico que provoca um processo de levedação muito longo e que dá ao pão um sabor e uma qualidade incríveis.

Por vezes, estes pães complementam-se com outros ingredientes de produção artesanal portuguesa, como o já referido queijo de cabra transmontano, avelãs ou figos. E é uma festa.

A Gleba só faz pães grandes, por questões de qualidade. Feitas as contas ao quilo, o preço é muito semelhante ao daquelas hediondas carcaças pré-fabricadas iguais em todo o lado. Um pão que, indubitavelmente, deveria estar nas mesas dos nossos melhores restaurantes.

Quem tem saudades de pão, passe na R. Prior do Crato 14, ali perto das Janelas Verdes. Por um euro compre uma mochila de pano, traga um abastecimento dele da GLEBA e vá directo a casa!!

Gleba Moagem & Padaria

Rua Prior Crato, nº 14, 16 e 18

1350-352, Estrela, Lisboa

(+351) 966064697

geral@gleba-nossa.pt

 

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O Diogo na Gleba

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Centeio

 

 

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Milho branco

 

 

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Prontos para o forno

 

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O moinho eléctrico. Dentro da estrutura circular metálica estão as mós de pedra.

 

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A Margarida retira pão do forno.

 

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VOLTA SEMPRE, RODRIGO

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O Leopoldo, ex Sociedade e actual Café Garrett, está a promover uma série de jantares com cozinheiros de mão-cheia de todo o país e a trazer a felicidade a quem não tem ocasião de os visitar nos seus locais de origem. Dia 31 de Janeiro é a vez de José Júlio Vintém, jantar que vos recomendo vivamente que reservem desde já (211 933 532). O anterior foi com o Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, Santarém. É desse que lhes vou falar agora.

 

 

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O Leopoldo, Café Garrett

 

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O Rodrigo, Taberna Ó Balcão

 

 

 

 

 

A primeira vez que comi pela mão do Rodrigo fiquei tão encantada que não descansei enquanto não o trouxe a Lisboa, ao Portugal de Norte a Sul, no Tivoli. Foram dez dias de mesa farta e gostosa. O meu encanto com o Rodrigo Castelo não só permanece como também se vai tornando cada vez mais complexo.

Porque ele não se limita a maximizar o sabor de tudo o que traz à mesa, seja o prato tradicional, renovado ou novo, e a estudar os produtos que o rodeiam. Ele tornou-se um mestre na exploração das texturas. E quando um cozinheiro como o Rodrigo se distingue por estas duas facetas ninguém escapa ao seu encanto.

O evento do café Garrett foi uma lição de sabores e texturas na cozinha portuguesa e das boas práticas na renovação dos pratos tradicionais. Um bom exemplo foi o bode capado que depoius cozinhado horas a fio, fica com um sabor e uma textura que põe os tradicionais pratos de cabra num chinelo.

Gostei da irreverência dos pastéis de massa tenra recheados com uma jardineira de caracoletas e das finas fatias de moreia fritas desagoniadas com um escabeche de ovas de lampreia, reunindo o sável frito com o torresmo. A sopa de peixe do rio com ovas de barbo estava extraordinária como sempre. O prato “Cornos e tentáculo” foi uma das boas combinações de mar e terra que já provei, o toiro e a lula respeitando-se mutuamente.

Rodrigo, volta sempre a Lisboa para nos dar estas alegrias.

Obrigada ao Leopoldo e ao Café Garrett, de quem vos irei falar muito em breve.

Aqui ficam os pratos do evento, um a um.

 

 

 

 

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À MÃO, À MÃO, À MÃO

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Pastéis de massa tenra com jardineira de caracoletas - glosando os pastéis do Café Garrett

 

 

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Croquetes de rabo de boi com mostarda

 

moreia com ovas de lampreia

 

Moreia com ovas de lampreia 

 

 

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RIO E MAR (fataça e atum marinados)

 

 

 

 

 

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Peixe do rio e ovas de barbo

 

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Bacalhau, grão e saramagos (da família das crucíferas, silvestres)

 

 

 

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Cornos e tentáculos (vazia de toiro e lulas)

 

 

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... (Bode velho capado com puré de túberas)

 

 

 

 

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Feijão cabra(sob a forma de queijo) e javali

 

 

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O Celeste a a Joana (celeste do Ribatejo, Joana, da família do Leopoldo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EDGARDO COM OS AZEITES

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Levou o seu tempo a ser considerado uma gordura nobre e saudável. Quem ajudou nesta tarefa de nobilitação do azeite foi, curiosamente, um fisiologista norte-americano, Angel Keyes. Depois de ter relacionado doenças cardiovasculares e colesterol, estudou a alimentação em Nápoles, onde encontrou um grande número de pessoas com mais de 100 anos. Depois de ter investigado a alimentação em vários países da bacia mediterrânica, Keyes concluiu que a «dieta mediterrânica» era a forma de alimentação mais saudável por excluir o consumo de gorduras saturadas. Não tardou a que a American Heart Association as condenasse. Assim nasceu a diabolização da manteiga e da banha, o negócio das margarinas e finalmente a valorização do azeite.

Por cá consumia-se azeite, mas do mau. Ainda me lembro do terror da minha mãe nos anos 60 quando alguém nos trazia azeite da terra. O garrafão era oferecido como se fosse um tesouro e incansavelmente gabado. Tratava-se geralmente do lampante, obtido a quente de azeitonas que já tinham apodrecido enquanto esperavam a sua vez na fila do lagar, e sabia às ceiras.

Hoje o azeite segue o exemplo do vinho. Começamos a distinguir os monocastas e os blends; a perceber que a azeitona tem variedades e a identificar os respectivos sabores; a procurar os azeites DOP das nossas várias regiões; a perceber que a acidez não modifica o sabor. E, sobretudo, a aprender a colocar mais-valia em cada garrafa de azeite. Infelizmente, o azeite português ainda continua ausente da maioria dos mercados internacionais, onde continuam a imperar os espanhóis, os gregos e os italianos, quantas vezes de qualidade tão inferior aos nossos.

Tudo isto e muito mais vem explicado na tão esperada publicação de Edgardo Pacheco, Os 100 melhores azeites de Portugal Ed. Lua de Papel). Neste livro, que se espera venha ser um guia anual (faz todo o sentido, uma vez que refere os melhores azeites do ano), o conhecido, sabedor e muito amado jornalista do Correio da Manhã jornal e TV conta-nos histórias e ajuda-nos a perceber os melhores casamentos entre os azeites e as comidas.

É um livro que nos vai fazer perceber como afinal sabemos tão pouco de azeite. Mas também vai por fim a essa lacuna de uma forma sempre sabedora mas também agradável e leve.

Fico muito feliz por Edgardo Pacheco finalmente partilhar connosco todo o seu saber e logo através de um tema tão interessante e candente.

A completar o livro, 25 receitas de chefs portugueses, em que o azeite faz toda a diferença, e as magníficas fotografias de Jorge Simão.

 

Obrigada Edgardo

 

 

 

(Sobre azeite, veja também aqui no blog )

 

 

2017

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Para acabar bem o ano, tive a boa notícia de ter sido uma das quatro nomeações para personalidade do Ano da Gastronomia da revista Wine. Os meus três companheiros nomeados são todos fantásticose eu estou muito orgulhosa pelo reconhecimento do meu trabalho que esta nomeação representa. A entrega do prémio será a 27 de Janeiro, no Porto. 

A todos os leitores do meu blog e dos meus livros obrigada por estarem comigo. Como, por vezes, a caminhada é um pouco solitária, é muito importante o vosso feedback, saber que não estou sozinha, apesar de os números indicarem a vossa presença.

Mas digo-vos já que a mehor notícia chegou também no fim deste ano: o nascimento da minha primeira neta, a Diana, que é a minha alegria, Passou a ser em torno dela e da minha querida filha Ana que toda a minha vida se desenrola. Tento o mais possível ser uma avó que mima, mas também educa. Como vêm, 2016 não me tratou nada mal. 

Desta vez, o meu post de ano novo é muito pessoal. Não há listas dos 5, 10 ou 1000 melhores pratos, chefs ou restaurantes (cada vez detesto mais listas), nem há previsões gastronómicas. 

Para todos vós fica aqui o meu desejo de um novo ano muito feliz. Espero poder continuar com a vossa companhia em 2017.