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Conversas à Mesa

A FRUTA QUE É PÃO

 

São Tomé tem uma vegetação luxuriante que cobre praticamente as duas ilhas, não deixando qualquer pedaço de solo à vista. As árvores elevam-se no ar obrigando-nos a dobrar o pescoço para lhes conseguir ver o fim. Os imbondeiros, que na savana angolana, parecem gigantes, aqui ficam rasteiros ao pé das jaqueiras e das árvores de fruta-pão, por exemplo. Os próprios frutos costumam também ter um tamanho fora do comum.

Mas o que me pareceu mais fora do comum foi a sua utilização. É costume utilizarem-se como acompanhamento do peixe ou da carne, como se fossem legumes. Um bom exemplo deste uso, é a banana. Há cerca de sete variedades de banana em São Tomé, na maioria semelhantes às variedades do Brasil. Mas há uma muito especial, a banana-pão, muito comum em África e que se come unicamente depois de cozinhada. Aqui fazem-na frita, em pedaços ou em chips, ou assada. Tal como esta banana serve de pão, de hidrato de carbono para acompanhar a proteína, também a fruta-pão cumpre a função que o nome indica. Assada inteira até a pele ficar chamuscada, ou cortada em pedaços, é comum em todas as vendas de comida de rua, surgindo nos fogões a carvão juntamente com o polvo, o choco ou o peixe. A jaca, outro grande fruto com ar pré-histórico, também serve o mesmo propósito.

Mas vejam o filme em que Ismael Olivares, chef do hotel Pestana São Tomé, nos explica tudo sobre os frutos de São Tomé. Foi feito pelo Mário Cerdeira, a quem agradeço.

 

SÃO TOMÉ, A PÉ NA CIDADE

 

 

 

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São Tomé pode ser muita coisa diferente para quem visita. Tudo depende do espírito com que abordamos este arquipélago, um mar verde no meio do oceano de cambiantes azuis.

Para mim a ilha de São Tomé foi sempre divagação. Inicia-se a viagem com um determinado rumo, mas de repente alguma coisa nos capta a atenção e aí vamos nós. É viver leve-leve, como aqui se diz, mas com a intensidade que uma pequena ilha permite condensar. Por isso, o meu conselho é que não faça grandes planos, mas deixe-se levar pela ocasião. E, sobretudo, dedique uma boa parte do seu tempo à população. Visitar as comunidades das roças, dos portos pesqueiros ou as que simplesmente bordejam as estradas e falar com as pessoas será o maior tesouro que pode levar desta ilha. Escutar o que eles têm para ensinar, andar de mão dada com as crianças, aprender a lavar uma panela com a folha sabão ou a apanhar a pedra certa para os pisos de malagueta, sal e ervas ou simplesmente para lixar a pele.

Os próximos posts são dedicados a quem gostaria de visitar São Tomé saindo um pouco dos habituais circuitos turísticos. Apesar de termos, eu e o Mário Cerdeira, aqui vindo em trabalho de pesquisa e fotografia para o nosso próximo livro sobre cacau, aproveitámos para conhecer melhor a gastronomia, o povo e a identidade santomense.

 

 

Clima

À semelhança da maior parte de África, há duas estações, a das chuvas (entre Setembro e Junho) e a seca, a gravana (entre Junho e Setembro). Pode achar que 27ºC não é muito calor, mas os 80% de humidade vão mudar a sua opinião. Traga roupa leve e solta, tipo djellaba marroquina.

 

Alojamento

 

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A piscina do hotel, com um fantastico pontão para os cocktails ao pôr-do-sol

 

 

 

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Depois de gravarmos um vídeoa sobre frutas com a colaboração do hotel. O meu agradecimento pelo bom trabalho ao director José Castilho e ao Dr. Pedro Martins. 

 

 

 

 

Como não queríamos ficar longe da cidade, onde eu tinha de passar alguns dias em consultas no Arquivo Histórico de São Tomé, a melhor opção para alojamento foi o Pestana São Tomé. Situado numa ponta da cidade, suficientemente perto para lá ir a pé, mas suficientemente afastado para nos podermos sentir despaisados, o hotel oferece quartos confortáveis e zonas sociais muito agradáveis. A piscina infinita coloca-nos no meio do Atlântico, careless. Tudo isto sem o ambiente despersonalizado do resort e em pequena dimensão. O meu obrigada a todo o pessoal, sobretudo da recepção e do restaurante, nomeadamente ao director, José Castilho, e ao chef de cozinha Ismael Olivares pela paciência que teve para todas as minhas perguntas.

 

Dinheiro

 

Dá jeito trocar algum dinheiro, mas não é preciso muito, porque em todo o lado recebem euros. Não se esqueça é de trazer muitas notas pequenas. A moeda local é a dobra (1 euro – 24500 dobras). Se trocar cem euros vai ficar milionário em dobras, com a carteira a abarrotar de notas. Um táxi para a cidade custa cerca de 50 000 dobras. Não se deixe impressionar pelos zeros, são apenas 2 euros.

 

 

 

 

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OTuc-tuc

 

 

Transportes

O tuc-tuc é um óptimo transporte para a cidade. É prático para entrar e sair, sem pôr os pés nas sempre presentes lamas da época das chuvas. Os táxis que andam pelas ruas são os mais velhos, sem nenhumas condições. Os que os hotéis proporcionam são bem mais compostos e os preços para o turista não variam muito. Para os passeios na ilha, sempre jeeps, sempre tracção às 4 rodas, nem hesite. Nós alugámos um dos jeeps mais baratos e, à parte, um motorista que também é guia, o Jô, que recomendamos vivamente. Grande parte do que podemos experienciar ficou a dever-se a ele. Aqui fica a minha gratidão e o número de telefone dele (+2399937220).

 

 

 

 

 

IMG_2417.JPGNa entrada do Museu Nacional foram colocadas as estátuas de navegadores portugueses, nomeadamente Pero Escobar, que estavam espalhadas pela cidade. 

 

 

 

 

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Casa da cidade

 

 

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O prédio 

 

 

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Muitos anos depois

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Prédio com o omnipresente canis famelicus

 

 

 

 

 

 

 

Dia 1 – Visita à cidade

O primeiro dia é ideal para sair do hotel a pé, pequena mochila às costas, e ir tranquilamente até à cidade. Aproveite para falar com os vendedores de bolos secos que estão sempre a passar, levando-os à cabeça, em caixas de plástico, ou em pequenos carrinhos de madeira.

 

 

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Embaixada de Portugal

 

Irá passar do seu lado esquerdo no Ministério dos Negócios Estrangeiros e na Embaixada de Portugal, duas das mais bonitas casas da capital. Depois espreite o Palácio Presidencial, antigo Palácio do Governo de Portugal, e a Sé. Em seguida, tome as ruas interiores onde estava concentrado o comércio. Aqui, ainda encontra algumas lojas. Entre numa alfaiataria, onde pode mandar fazer um vestido ou uma camisa de homem com os tecidos de lindíssimos padrões importados do continente. Porém, se estiver mesmo interessado, não deixe de visitar uma cooperativa apoiada pelos brasileiros, a Ué Théla, mesmo ao lado do Arquivo Histórico De São Tomé. Comprei lá todas as prendinhas para trazer para a família e ainda um tecido africano bordado, lindo como nunca tinha visto.

 

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Comprando pau de pimenta e ossam para o calulu

 

 

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 Do mar: andala e peixe agulha

 

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E peixinho: serve quase como tempero para os guisados

 

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Ao lado da rainha do mercado

 

 

 

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 Da terra: Carne de porco fresca e salgada

 

A visitar também, para os mais curiosos, o mercado velho. É uma colmeia de vendedores de produtos da terra e um pouco de artesanato ligado à comida (tábuas, pratos e colheres em madeira, mandolinas para cortar chips) e até curiosos grelhadores a carvão. O peixe vende-se fresco, bem arrumadinho em grandes tigelas de plástico. Costuma haver sempre andala, cortado em pedaços por ser um peixe grande, atuns pequenos, peixe agulha e peixe voador, e uma chusma de peixitos para fritar. Mesmo os que estão fresquíssimos têm auréolas de moscas e estão envolvidos pelo cheiro intenso do peixe seco e por outros menos agradáveis aos quais nos vamos habituando. Num dos extremos da praça, vende-se carne de porco fresca, em cortes irreconhecíveis, e salgada, assim como frango congelado que constantemente alguém mutila com um facão.

A parte dos frescos é a mais interessante, sobretudo pela quantidade e variedade das frutas e dos temperos. Mais do que os legumes, são as frutas que servem de acompanhamento à proteína. Variedades de banana são algumas dez. Há as para cozer , das quais se destaca a banana-pão, e as de comer. Destas últimas, a ouro, com a sua casca cor de fogo, é a mais rara e doce. A prata é a mais vulgar e dela se fazem também chips. Eu adorei a banana-maçã, uma mini de textura menos mole e com sabor mais ácido, mas há também a gramichel (Gros Michel). E muitas outras. Atenção às fotografias no mercado, porque os vendedores querem por vezes cobrar e, em geral, não gostam de aparecer nelas. Vá preparado de roupa e psicologicamente porque lá dentro faz um calor dos diabos e a taxa de ocupação deve ser de 6 pessoas por metro quadrado.

Para os Portugueses é de rigueur visitar o Museu Nacional, alojado numa antiga fortaleza. Apesar do estado de degradação geral, é de apreciar o esforço que o país fez para preservar a história da época colonial. Logo na entrada, reuniram as mega estátuas dos navegadores que descobriram as ilhas. Depois, há uma parte dedicada à arte sacra, constituída em geral pelas imagens retiradas das roças e todas elas a gritar por restauro. O mais interessante é a reconstituição da casa de jantar da roça Rio do Ouro, actual Agostinho Neto. Com tudo por junto, gastam-se 20 minutos e 50000 dobras de entrada.

Se ainda tiver tempo e disposição, entre na lindíssima igreja de Nossa Senhora da Conceição, notável pelos azuis que a decoram. O altar mor é lindíssimo de simplicidade e cor.

 

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O altar mor da igreja de Nossa Senhora da Conceição

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e a Senhora da Conceição

 

 

 

Em seguida, regresse ao hotel, seque no ar condicionado e mergulhe na piscina.

O jantar do primeiro dia, pode fazê-lo no Pestana, que tem um óptimo buffet. Jante cedo, durma cedo e acorde cedo. Em África é assim e os pequenos-almoços do hotel já costumam estar abertos às sete horas. Amanhã é outro dia.

 

 

 

 

 

ONDE ESTÁ A DIETA MEDITERRÂNICA?

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Foi uma criação de um norte-americano, Ancel Keyes, que disse tê-la encontrado na Europa das costa mediterrânica, nomeadamente na ilha de Creta, onde parecia ter atingido a perfeição.

Definiu-a como uma forma de alimentação que incluía certos produtos existentes há mais ou menos tempo nestas regiões, nomeadamente o azeite, o vinho e o pão; por outro lado, caracterizava-se pelo uso escasso de proteína, sobretudo das

carnes, pela riqueza em legumes. Essencial era também a forma como se comia, sendo a convivialidade em torno da mesa muito importante para os seus bons resultados no campo da saúde.

Estávamos no pós-guerra, na década de 50, e a abundância caracterizava a alimentação. Os americanos começavam a ter problemas de obesidade e vergavam-se ao império da fast food. A Keyes pareceu idílica a frugalidade mediterrânica, um pouco mais tarde, pareceu proveitosa esta ideia aos povos o Sul da Europa que conseguiram recentemente transformar a dieta mediterrânica em património imaterial da humanidade. Portugal foi um dos países signatários, um dos que se assumiu como praticante desse código alimentar.

Por estes dias, com os novos dados estatísticos resultantes do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física, constatámos um pouco brutalmente aquilo que já há muito sabíamos, sem querer saber. Defendíamo-nos com a convivialidade e com a sopa e o peixe, com o vinho e o azeite. Ficámos a saber que a dieta mediterrânica não mora aqui. Em primeiro lugar, comemos proteína em excesso, e da pior: carne em excesso. Alheada durante muitos anos da mesa dos mais pobres, a carne ganhou tal prestígio que, assim que o seu preço a tornou acessível (sobretudo sob a forma moída: veja-se que o hambúrguer é um “bife”) passou a presença assídua no prato. O bom peixe atlântico desapareceu desse mesmo prato, levado por uma carestia insustetável. Hoje, mesmo uma bolsa média só alcança peixe de aquicultura que não é nosso, mas sim de más proveniências, com muitas gorduras e poucos benefícios para os malefícios que traz. Legumes não comemos, dão trabalho a arranjar e custam muito dinheiro e tempo, do qual hoje o cozinheiro doméstico não dispõe, são pouco saciantes e deles estão ausentes os sabores básicos (salgados e doces). Ainda comemos sopa, sim, é verdade, mas salgamo-la tanto que acabamos por torná-la contraproducente para a saúde. Ah, mas usamos o azeite, uma gordura que há pouco tempo foi considerada saudável, depois de ter ganho a batalha às margarinas defendidas pela indústria e seus sequazes. Mas também abusamos dele. O pão, tão mediterrânico, é bom, mas consumido sem gorduras e proteínas no seu interior. E sem a quantidade de sal que lhe colocamos. Há hoje um louvável esforço em curso para reduzir a quantidade do sal no pão. Infelizmente, o pão anda mau, feito com maus cereais e muito processado, recheado de melhorantes. Se lhe tirarmos o sal, fica sem qualquer sabor.

O que vemos à nossa volta é que o sabor de muitos produtos está ausente, por isso tem de ser compensado pelo excesso de sal.

A obesidade ronda-nos, não já no escuro, mas às claras e descaradamente. E o pior de tudo é que uma das zonas do país com maior grau de obesidade é justamente o Alentejo, a região da dieta mediterrânica por excelência.

Nada disto acontece porque o nosso povo tenha perdido o gosto pela boa comida, mas sim porque simplesmente não tem poder de compra para comer bem. Com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho deixou de haver disponibilidade para alguém cozinhar em casa, com produtos não processados. A indústria alimentar consegue fornecer refeições prontas ou semiprontas mais baratas do que as feitas a partir de produtos frescos. O facto de a nossa alimentação ser, desde tempos imemoriais, baseada em produtos de conservação, provenientes da salga, ou da salga, da salmoura e do fumo, como enchidos, bacalhau e outros peixes salgados e secos, predispôs-nos para o uso dos novos produtos processados com muito sal, que serve para mascarar a falta de qualidade e sabor.

Para revertermos todo este caminho não basta a tarefa árdua de reeducar mentalidades. Também é preciso poder de compra. Porque a alimentação saudável, mesmo a mediterrânica, é dispendiosa em tempo e em dinheiro. A convivialidade fica para outra ocasião.

 

EM CIMA NA IMAGEM, DESCUBRA O PÃO; O AZEITE E O VINHO

 

O DIA DAS MULHERES SÍRIAS

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Hoje ainda não é dia das mulheres como Fatima, Mouna e Reem. Estas sírias com o estatuto de refugiadas em Portugal aguardam ainda o seu dia, que será no fim do crowdfunding que está a decorrer na pplataforma PPL para financiar o seu restaurante, que será no mercado de Arroios.

Vai chamar-se Mezze, o nome que no Médio Oriente se dá a uma série de pratos usados como entradas ou até ao pequeno-almoço. Alguns deles estavam em cima da mesa quando entrei no Apartamento da Plataform-a, para um evento de comunicação deste projecto. Provei e adorei todos: Baba ganoush (à base de beringela assada), hummus (puré de grão-de-bico), fatayer (pastéis triangulares com diversos recheios como queijo, tomate ou espinafres), falafel e o sempre presente e mediterrânico pão. Tudo feito por estas três mulheres como forma generosa de se darem a conhecer e darem a conhecer o seu projecto que está à distância da nossa generosidade individual. Gostei imenso de as conhecer às três. São mulheres alegres e sem medos. A Mouna está cá há seis meses com os 5 filhos. A Fatima, está há um ano, juntamente com quatro dos seus cinco filhos, lutando por trazer o quinto, que entrou pela Turquia e lá ficou. A Reem é filha da Fátima. Com outras mulheres, estão a montar o conceito do restaurante e a receber formação ajudadas pelo Pão a Pão, um projecto de integração de refugiados constituído por gente generosa.

As contribuições têm recompensas: face a uma doação de 30 euros, O Mezze retribui com uma refeição oferecida.

Uma boa forma de concretizar o Dia da Mulher é ajudando estas mulheres.

Pode fazê-lo aqui: https://ppl.com.pt/pt/fundacao-edp/restaurante-refugiados

 

mesa

Pão, hummus, falafel, baba ganoush e fatayer de espinafres

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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