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Conversas à Mesa

Almoço de várias gerações de mulheres na cozinha

O grupo almoçadeiro, da esq. para a dir.: Manuela Cruz, Susana Parreira, Maria de Lourdes Modesto, eu, Isabel Lacerda e Isabel Rafael.

 

Foi um almoço de alegria, superdivertido e com muitos enchidos. Foi um almoço ara reunir várias gerações de mulheres com diferentes contributos para a cozinha portuguesa.

 

Uma das tábuas de enchidos: Vinhais e Portalegre, composta pelo João Fernandes.

 

O pretexto era provar os enchidos de todo o país que tenho vindo a recolher ao longo dos meses nas minhas viagens com o Mário Cerdeira que, claro, também não podia estar ausente do almoço. O pivot foi um cozido de cascas com butelo, receita dada pela Justa Nobre. As meninas trouxeram entradas, saladas, sobremesas.

 

As pataniscas da isabel Rafael. Estavam perfeitas no volume e altura e no ratio de ingredientes e secas e lindas no aspecto.

 

As saborosas azeitonas recheadas com amêndoa da Manuela Cruz. Lindas.

 

A fresquíssima salada de endívias com laranja da Susana Parreira.

 

Tenho uma enorme admiração por quem todos os dias consegue dedicar uma boa fatia do seu tempo à escrita de um blog, quantas vezes depois de uma jornada completa de trabalho. Pessoas como a Isabel Rafael (Cinco Quartos de Laranja), a Manuela Cruz (Tertúlia de Sabores da Moira), a Isabel Lacerda (Three Fat Ladies) ou a Susana Parreira (Gourmets Amadores) partilham diária ou quase diariamente o seu esforço e o seu gosto por cozinhar, fazer boa comida em casa, que possa reunir a família em torno de uma bonita e bem posta mesa. São elas que mantêm a tradição viva ao adaptarem-na, no terreno, às condicionantes dos dias de hoje. Achei que seria uma óptima ideia juntá-las à mesma mesa com a senhora que sempre foi a paladina da cozinha da família e da tradição e que continua a ter a mente mais moderna e aberta que eu conheço, a Maria de Lourdes Modesto. Todas saíram mesmerizadas com o encanto da Maria de Lourdes que, linda e elegante como sempre, autografou resmas de livros, alguns já bem marcados pelo uso. 

 

Sessão de autógrafos na Grande Enciclopédia da Cozinha, de 1959, que já era da minha mãe.

 

o João Fernandes do Manifesto encarregou-se de gerir a cozinha. Obrigada João, ficou tudo óptimo.

 

O João Fernandes a cortar um enchido.

 

No post a seguir vou falar do menu do almoço e de como a cozinha tradicional portuguesa é tão boa e tão rica. 

 

Pãezinhos com chouriça de carne de Vinhais.

Best 50

 

Falta apenas 1 dia para sabermos os resultados de uma das mais populares classificações de restaurantes: a da célebre revista inglesa Restaurant. A votação resulta dos pontos dados por uma Academia de mais de 800 pessoas representando 27 regiões e que votam sobretudo na sua região mas que também têm direito de voto fora dela. Faço parte da lista de 2011. Pode encontrar-me nesta página - Maria de Fátima Moura - (http://www.theworlds50best.com/the-academy/). É uma emoção participar nestes eventos. Portugal alinha com a Espanha, sob a supervisão de Don Rafael Anson. 

Vai sair um guia com estes restaurantes logo após o anúncio dos ganhadores. Elena Arzak ganhou já o prémio de Melhor Chef mulher e Thomas Keller, Per Se e Franch laundry, o de carreira. 

Pastéis I: os folhados de Chaves

Não se consegue comer só um.

 

Adoro pastéis do que quer que sejam, mas babo-me com folhados de Chaves dos verdadeiros. Os melhores que comi foram, claro, em Chaves, na Pastelaria Princesa (Rua 1º Dezembro 21 5400-013 CHAVES. Fazem-nos aos tabuleiros e devem ser comidos ainda mornos. A massa folhada é extremamente fina e o recheio de carne (nunca percebi por que razão os pastéis e as empadas são sempre de vitela, nunca de vaca!) muito saboroso e na proporção certa. A massa folhada tem muita gordura, mas está tão bem espalhada entre as ventosidades de massa que nem se sente. Trincar um pastel de Chaves e senti-lo desfazer na boca é um prazer poucas vezes reptido em matéria das pequenas criaturas pastelares. 

 

Mas também não exageremos.

 

Junto duas versões doces de folhados da Princesa.

 

Cobertas de açúcar e com recheio de ovos.

 

E as empadas à moda das empanadas gallegas. Estas não me agradam muito.

 

 

As empadas, grandes e pequenas.

Elena Arzak:a Melhor Chef (mulher) do Mundo

No restaurante Arzak com Elena.

 

Elena é chef do 8ª melhor restaurante do mundo, é mãe, é empresária e investgadora. Mas quando a conheci, conversou comigo com uma simplicidade extrema e como se tivesse todo o tempo do mundo, contando-me histórias dos filhos e como consegue conciliar todas estas facetas. Nas suas comunicações em público, e já assisiti a várias, além da sua segurança e saber, o que ressalta é a sua extrema humildade e simpatia. Foi com enorme orgulho que a vi conquistar o prémio Veuve Clicquot, outra extraordinária mulher, para a Melhor Chef do mundo, atraibuida pela revista Restaurant, que também promove a classificação de restaurantes. O prémio será entregue na gala S.Pellegrino World's 50 Best Restaurants Award, a 30 de Abril, na Guildhall de Londres.

Tal como o restaurante Arzak, Elene reúne a tradição e a modernidade com muito equilíbrio. Parabéns Elena. 

Tagines

Tagine de cabrito do Ahmed.

 

 

 

No Sul de Marrocos, mas não em terras sauris, as tagines têm também esta forma arredondada na parte superior, continuando a ser em barro. Câmpanulas como estas são comuns no Museu de Mértola, encontradas e estudadas em grande parte pelo Professor Claudio Torres. esta forma arredondada lembra mais a da nossa cataplana, mas não é possível fazer extrapolações. 

 

A tagine de campânula arredondada do Sul de Marrocos distingue-se das clássicas.

 

Para a tagine ficar com um aspecto mais bonito, pedi no talho que cortassem em cubos o lombo do cabrito e partissem em pedaços o pescoço. As partes com osso, podem ser retiradas no fim da confecção.

 

 

 

 

 

Tagine de cabrito - fácil

Para 4 pessoas ou 1 tagine grande

 

1 dl de óleo vegetal ou de azeite

1 cebola grande picada

600 g de carne de cabrito (perna, lombo, pescoço)

1 colher de sopa de salsa e de coentros, picados

gengibre em pó (1 colher de chá rasa ou a gosto)

1 colher de café de açafrão em pó

1 colher de café de estames de açafrão

1 tomate grande sem pele e sem sementes e cortado em quadradinhos

sal

 

Frutos secos

 

1 colher de sopa de açúcar de confeiteiro

canela

8 ameixas pretas descaroçadas

8 alperces

amêndoas torradas

sementes de sésamo

 

 

 

1) Em lume alto, aquecer bem o óleo vegetal (ou azeite) e alourar a cebola. Selar bem a carne em lume esperto (pode a carne juntar-se por várias vezes, para não baixar demasiado a temperatura). Misturar a salsa e os coentros picados e o gengibre em pó.

2) Em seguida, juntar as especiarias, o açafrão em pó e em estames e o sal.

Quando o óleo tiver começado a desaparecer, adicionar o tomate e, passado pouco tempo, água a ferver quase a cobrir

3) Tapar a tagine, reduzir o lume e deixar cozinhar durante cerca de 40 minutos. De 10 em 10 minutos, juntar mais água a ferver.

 

4) Num tacho, misturar 3 colheres de sopa de molho da tagine ou 2 colheres de sopa manteiga, o açúcar de confeiteiro e canela. Levar 2 ou 3 minutos ao lume e juntar as frutas secas. Ferver durante mais 2 ou 3 minutos.

5) Quando a carne estiver no ponto desejado (não deixar passar demais), misturar as frutas secas. Na altura de servir, enfeitar com as amêndoas torradas e as sementes de sésamo.

Peixe em Lisboa: Angel Léon, o Júlio Verne da cozinha

Com o Angel no fim da demonstração no Peixe em Lisboa.

 

 

Assistir à demonstração de cozinha de Angel Léon foi um privilégio que sorvi com atenção total desde o princípio ao fim. Este chef e proprietário do restaurante Aponiente, em Puerto de Santa Maria, levou-me numa viagem de mais vinte mil léguas submarinas através de todas as espécies de criaturas marinhas e só lhe faltou fazer molho de Adamastor.

Angel pretende cozinhar o mar, sendo um acérrimo defensor da sua sustentabilidade, estudando as espécies ao mais ínfimo pormenor, desde o plâncton marinho até algumas completamente desconhecidas nas nossas mesas. A ideia é usar peixes e mariscos de sabores e texturas mais dispiciendas, baratos e sem problemas de sustentabilidade, acrescentando-lhes esses mesmos sabor e textura através de outras criaturas marinhas, como o plâncton, ou através de técnicas criadas por ele, como as marinadas em lactose ou em sumo de beterraba. “A mim não me emociona cozinhar um lavagante ou uma lagosta, mas sim peixes que não chegam a terra, que não têm nome”. 

 

A esponja do mar recriada por Léon e um dos 22 pratos do menu do Aponiente.

 

O menu de 22 pratos todos do mar conta a história dos oceanos e dos respectivos ecossistemas. O chef pega num molusco sem valor sápido, mas com a textura da ostra, e instila-lhe o sabor do plâncton. Melhor dizendo de um dos plânctons, porque só ali de repente falou de três espécies, o Isocrisys, o Tetraselmis e o Nannochloropsis. Estes dois últimos tive oportunidade de provar e confirmar que têm uma diferença abissal de sabor. O último, verde mais claro e de nuances mais vegetais, o segundo de acentuado sabor marinho e cor verde escuro. 

 

Os dois plânctons com sabor completamente diferente.

 

O Aponiente serve ainda chouriços do mar, usando como gordura a retirada da barriga do atum ou de outros peixes, da qual faz a “manteiga” marinha, a única que usa.

Os fígados dos moluscos e dos peixes dão a nota cárnica na sua cozinha, como foi exemplificado no prato de “peito de robalo” marinado em fígados. 

 

O "peito" de robalo marinado em fígados.

 

Através de uma parceria com uma universidade, Angel Léon estuda, por exemplo, a modificação dos sabores nos moluscos em função da época do ano e do seu habitat. 

 

Aproveitamento da tinta de moluscos, alguns deles desconhecidos nos nossos pratos.

 

Um dos seus temas favoritos são os peixes achatados, procurando substituir os clássicos linguado, pregado e rodovalho por outros menos conhecidos.

 

Um peixe achatado desconhecido ganha sabor com algas e um puré de batata e plâncton.

 

Para terminar, este chef também é mestre nas emoções, tendo criado um prato que provoca numa sopa o efeito das ondas do mar. Diz ele que não resiste a vir á sala sempre que uma destas sopas é servida para ver a surpresa estampada na cara do cliente. Mas não fico por aqui em relação ao Júlio Verne da cozinha. Tenho mesmo de fazer outro post, tantas são as coisas fabulosas que ele contou.

Aponiente

Calle Puerto Escondido 6

Puerto de Santa Maria, Cádiz

+34 956 851870

info@aponiente.com

Abre a 15 de Março e fecha a 15 de Dezembro

 

Não deixem de ver o site, é fantástico.

 

 

O prato de sopa que imita as ondas do mar.

Enotria de Joachim Koerper

 

O meu querido Joachim inaugura hoje na Barra da Tijuca, Rio de janeiro, um novo restaurante chamado Enotria. Comidas leves com cores e inspiração mediterrânicas, com recurso a muitos ingredientes portugueses.

O chef afirma que não nos vai abandonar. Boa sorte Joachim nessas novas aventuras além-mar para onde parecem estar a sumir-se os nossos cozinheiros. 

Folar de carnes da Avó Albertina

 

 

 

 

 

 

Este é o folar sem o qual a Páscoa não é Páscoa. Aprendi a fazê-lo desde sempre com esta minha avó transmontana de Macedo de Cavaleiros. É muito simples de fazer, nada receiem. 

 

80 g de fermento de padeiro

1 colher de chá de açúcar

1 copinho de leite morno

200 g de manteiga derretida

1 fio de azeite

12 ovos inteiros

1 colher de café de sal fino

1 kg de farinha de trigo

muitas e diversas carnes: toucinho salgado (mas não bacon) cortado em fatias, presunto, chouriço e outros enchidos a seu gosto

 

 

 

1) Numa tigela média, esmague o fermento com um garfo e acrescente um pouco de leite morno e o açúcar. Desfaça o fermento no leite. Cubra a tigela com um pano e leve ao forno previamente aquecido a 50ºC, mas desligado. Reserve enquanto leveda (até aumentar muito de volume). Como alternativa, coloque a tigela do fermento dentro de outra com água morna. Este processo leva mais ou menos 1 hora.

 

 

 

O fermento a levedar

 

 

 

 

2) Quando o fermento tiver levedado, misture-lhe a manteiga derretida e o fio de azeite e bata com uma colher de pau. Junte os ovos previamente batidos e o resto do copinho de leite. Em seguida, incorpore a farinha batendo na máquina com o batedor das massas até a massa ficar elástica. Pode ter de levar mais um pouco de farinha.

 

3) Ponha a massa a levedar na tigela tapada com um cobertor em sítio quente. Para esta fase conte com mais 1 hora. Quando tiver crescido, deite a massa sobre a bancada da cozinha e amasse-a à mão como se estivesse a lavar roupa.

 

 

 

 

 

 

A massa levedada

 

4) Unte uma forma redonda alta ou um tabuleiro com manteiga ou azeite. Espalhe um terço da massa em camada fina no fundo e cubra com metade das carnes. Espalhe mais um terço da massa, o resto das carnes e novamente a massa. Pincela-se com gema de ovo e vai ao lume a 170ºC. Meta um palito comprido no centro até ao fundo para verificar se já está cozido. O tempo de forno ronda os 45 minutos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A primeira camada de massa só com o toucinho

 

 

 

 

Pronto para ser pincelado com ovo e forno

 

 

 

 

Acabado de sair do forno

 

 

 

Ole, o norueguês que fuma salmão

Ole junto da sua imagem de marca. Dentro de pouco tempo será possível comprar impermeáveis e botas de todas as cores no seu site.

 

Ole tem quase 2 metros e tem uma maneira só sua de usar a roupa. Quando o conheci trazia uma lindíssimo fato olho de perdiz, meias pelo joelho sobre as calças e ténis bota all-star. É daquelas pessoas a quem tudo fica bem. Uma simpatia contagiante, já vinha a falar português quando chegou a minha casa para passar uma semana de férias. Nas mãos trazia uma caixa com uma prenda: um magnífico salmão fumado por ele em Londres. 

 

Os salmões arranjados e preparados para o fumo.

 

A marca tem o nome de família.

 

Ole nasceu e cresceu neste ramo de negócio que já era dos avós desde 1923. Aprendeu e bem.

 

Ole com os irmãos e avô na Noruega (ao lado do avô, a agarrar o salmão).

 

Resolveu estabelecer-se em Londres, onde já é famoso e abastece restaurantes de topo, como o Viajante, do português Nuno Mendes. O salmão de Ole provém de fontes sustentáveis, é fumado a partir do estado de fresco vindo das ilhas Faroe e arranjado, curado e fumado por ele em instalações com túneis de vento e fumo. 

 

Ole com um salmão fresco que ele próprio arranja.

 

A sua oficina de fumo.

 

O salmão de Ole nunca está em contacto com plástico, sendo belamente embrulhado em papel. Não tem corantes nem conservantes e é fumado com uma mistura de madeira aperfeiçoada pela família à base de madeira de zimbro.

 

O salmão como é entregue: magnificamente embrulhado.

 

Ole ensinou-me a cortar o salmão de uma maneira diferente. Ele defende que deve ser cortado da grossura do sashimi e na vertical, para que cada fatia tenha toda a gradação de sabores, desde a parte de cima com mais sabor a fumo até à parte de baixo, mais fresca. Com a parte que fica agarrada à pele fiz um patê à base de queijo Philadelphia, sumo de limão e temperos. A pele pode fritar-se e usar-se como acompanhamento. 

 

Ole com o salmão que me trouxe de presente em minha casa.

 

Uma metade do "meu" salmão".

 

http://hansen-lydersen.com/ é a morada do site de Ole. Ele está à procura de quem o queira representar aqui no nosso país.

Ole é um exemplo que devíamos seguir com os nossos produtos. Melhorar a qualidade faz toda a diferença. 

As classificações de restaurantes

 

Antigamente, havia uma e era sagrada: a Michelin. Depois, com a Nouvelle Cuisine surgiu outra classificação mais vanguadista, a Gault Millau. Ultimamente, tinha aparecido a da revista Restaurant, de que fui jurada o ano passado, com um figurino diferente de classificação. Este ano há mais uma, a da Elite, uma revista de luxos ligada à Netjet (http://www.elitetraveler.com/restaurants.html). Em primeiro lugar está o Alinea de Grant Achatz, em segundo o Fat Duck, de Heston Blummenthal e em terceiro, o Per Se, de Thomas Keller (ver post sobre este restaurante aqui no Conversas à Mesa). Vá-se lá saber...

Fortaleza do Guincho: chez Mr. Vincent Farges

Mariniére de bivalves, comida das bonecas das sereias.

 

Há muitos anos que frequento o bar do Fortaleza do Guincho, mas só desde que Vincent Farges está na cozinha comecei a comer no restaurante, em geral ao almoço, porque a sua localização só pode ser plenamente aproveitada de dia.

Mas a vista não é a principal razão que me lá leva. Vou mas é pela comida, que a vista come-se, mas é só com os olhos.

Antes de me ocupar do almoço, tenho que desabafar. Que dó a decoração achinesada que espalharam pelo hotel e que veio substituir o clássico estilo inglês que sempre ali existiu. Que dó aquela passadeira que nos encara escada acima com roxos e lilazes. Que dó aquelas mesichas de vidrinhos do pátio. Que dó. Mas encho-me de coragem, entro na casa de jantar, viro as costas a tudo e fixo-me no mar.

 

A melhor companhia.

 

Acontece-me uma coisa curiosa quando vou ao Fortaleza: não tenho a sensação de ir ao restaurante, mas sim de ter sido convidada para comer em casa do cozinheiro, o chef francês Vincent Farges. Tenho até vontade de lhe levar um pequeno presente, como fazemos quando somos convidados por amigos, e de entrar na cozinha para o cumprimentar antes de me sentar à mesa. Confesso que nunca tive coragem de o fazer, mas nunca lá vou que não me lembre disso.

A razão é simples, a razão é a comida que o Vincent prepara. Os pratos são aparentemente simples, com combinações que não nos obrigam a esforço intelectual para as compreender. Podemos comer e conversar, sem precisarmos de nos lembrar da nossa infância nem de perguntar por onde devemos começar. Contudo, é evidente que esse equilíbrio que parece simples resulta de um trabalho complexo de escolha e combinação de produtos e de técnicas não visíveis no prato, mas muito bem executadas. O serviço educado e espontâneo também ajuda a esta sensação de nos sentirmos em casa.

 

Os entreténs, cortesia do chef.

 

O menu de Primavera é um hino aos “Primeurs”. Os primeiros e tenros legumes acompanham as carnes de animais jovens, ainda com sabores muito suaves.

Os entreténs oferecidos pelo chef já nos transmitem o espírito primaveril, sobretudo o pequenino pastel, que mais parecia um mini-canteiro cheio de rebentos.

Passemos então às entradas. Uma delas foi o “Filete de rascasso salteado com funcho do mar, legumes e batata-primor da Quinta do Poial em vinagrete de bottarga”. O rascasso é um peixe de linha que habita as rochas e cujo sabor delicado é, neste caso, acentuado e mediterranizado pelo molho de bottarga, uma preparação de ovas salgadas e secas. O funcho do mar costuma ser apanhado pelo próprio Vincent perto do restaurante. Um prato a não deixar de experimentar nesta ementa.

 

O rascasso, magnífico peixe.

 

A segunda entrada, “Mariniére de bivalves, polvos e chocos da nossa costa, salada iodada”, é também um primor, uma discreta salada em miniatura que mais parece a comidinha de bonecas das sereias. Do ponto de vista estético é muito bem conseguida, só acho destoante a cabecita do camarão. 

 

Eis que chegam os pratos principais, todos eles escolhidos no lado das carnes.

Dois são de carnes jovens, cheias de vida primaveril. Gosto muito de pombo e este “Peito de pombo de Anjou assado, guisado de legumes e tâmaras, coxa em pastilla com sultanas” tinha para mim a mais-valia do piscar de olhos a Marrocos. O peito estava incólume a esta influência marroquina, que se traduzia na graça da adaptação da pastilla, um pastel de massa brick que costuma encerrar carne de pombo e é polvilhada com açúcar de confeiteiro e canela, mais parecendo uma receita do Arte de Cozinha do Domingos Rodrigues, e ainda no guisadinho de legumes e tâmaras. O peito da avezita, simplicíssimo como convém, estava de textura, ponto e sabor perfeitos e deixou-se complementar muito bem pela companhia magrebina.

 

O pombo "marroquino".

 

Em “O borrego de leite assado, entrecosto refogado com favas de primavera, alcachofras e funcho em barigoule anisado, migas de crumble”, o jovem ovino, talvez demasiado leitoso, ficou um pouco obnubilado pelo anisado do funcho. 

 

O borrego.

 

O terceiro principal, o “Porco preto de raça alentejana assado, espargos brancos e puré de cebolas novas com bacon, gnochhi de batata glaceados com molho do assado” muito bem como sempre, que o Vincent é mestre a cozinhar este nosso porco. Muito bem a designação de “porco de raça alentejana”, escusado o preto, que tem de cair. Preto é cor, não é raça. Há porcos bísaros pretos, por exemplo. Quem melhor para dar o exemplo na correcção da terminologia que os prórpios chefs?

 

O porco de raça alentejana.

 

Capítulo das sobremesas: após uma pré de coco, a “Guloseima de chocolate quente e frio, com crocante de grué de cacau, compota de pêra perfumada com pimenta maniguette, sorvete de chocolate amargo”. Uma clássica combinação vencedora: o chocolate e a pêra. Tudo tranquilo, o gelado, servido à parte, era mesmo  parte fria, nada aqui de surpresas blumenthalianas. 

 

Os chocolates.

 

Igualmente bem a “Crosta de coco com ananás marinado com lima, geleia de frutos tropicais, sorvete de coco-lima, embora com apresentação mais pobre.” 

Obrigada Vincent, por me ter recebido em sua casa. Gostei do almoço que preparou para mim.

 

Coco e ananás.

 

Lindo, o remate final das mignardises.

 

Fortaleza do Guincho

Estrada do Guincho Cascais

+351214870431

Restaurante com 1 estrela Michelin

 

Ao almoço, menu especial com pratos da carta principal (excluindo marisco e pouco mais) 50 euros por entrada e prato principal ou prato principal e sobremesa. Entrada, prato principal e sobremesa, 60 euros. Entrada, prato de peixe, prato de carne e sobremesa, 80 euros.

Périplo alentejano: Barrancos

Estremoz foi a primeira paragem do périplo alentejano, com esta magnífica luz de fim de tarde.

 

No nosso segundo dia de viagem chegámos cedo a Barrancos, para tomar conhecimento da tradição dos enchidos raianos recriada por uma grande empresa, a Barrancarnes, que comercializa com o nome de Casa do Porco Preto.

 

Preto é cor não é raça. Este porco é de raça alentejana.

 

Enquanto os enchidos das Beiras e Norte são fumados, os desta região são curados ao ar. Por outro lado, em Barrancos não se usa massa de pimentão nos presuntos e na maioria dos enchidos. Consequentemente, os sabores são muito naturais, dispensando-se os processos de conservação tradicionais, tornados desnecessários.

Em instalações industriais exemplares, a Barrancarnes tem centenas de presuntos em salga e em cura. Todo o processo se inicia com a perfilagem dos presuntos, isto é, o seu corte ainda em fresco, ao qual se segue a salga em gigantescas câmaras. Em seguida, os presuntos voltam a ser perfilados, para uniformizar a espessura e os processos de salga e cura. Depois de estarem em sal, os presuntos são arrefecidos em câmaras de frio e só depois curados ao ar nos secadeiros naturais, durante 36, 48 e até 60 meses. São 3, 4 ou 5 Verões de calores barranquenhos, que infiltram os saudáveis ácidos oleicos no interior da carne. 

 

Os presuntos prontos para consumo.

 

O produto final é completamente diferente dos clássicos presuntos transmontanos de bísaro que, com um tempo de cura mais curto, não deixam secar tanto a carne, permitindo que sejam comidos cortados em nacos ou cubos. É desejável a coexistência destes diversos tipos de presunto, apoiados nas respectivas tradições da região. O porco de raça alentejana tem uma carne extremamente marmoreada, com muita gordura infiltrada, pelo que aguenta bem um maior tempo de cura e pede fatiagem bem fina.

 

Magnífico marmoreado do presunto de Barrancos, classificado com DOP.

 

Outros dois produtos baranquenhos muito saborosos e que aconselho são o paio do lombo e sobretudo a copita. Provas irrefutáveis de que a indústria é perfeitamente capaz de perpetuar a tradição e manter a qualidade.

 

A copita (em baixo), a minha favorita, e o paio do lombo ou lombo de Barrancos.

A Deolinda, cozinheira-chefe do Deolinda

A Deolinda é uma mulher de armas. Com 15 anos fugiu de casa para se casar com o que ainda hoje é seu marido e co-trabalhador no novo restaurante Deolinda, mesmo às portas de Santiago do Cacém. Mas o que nos interessa verdadeiramente na Dona Deolinda, devidamente identificada com um crachá que diz "Deolinda, cozinheira-chefe", é que ela sabe mesmo cozinhar. Todos os pratos que experimentei estavam bem confeccionados. A língua foi talvez o que mais me desapontou por estar à espera dela em grossas fatias em que se pode apreciar a textura gelatinosa e ela, afinal, aparaceu em pedaços pequenos e muito finos, cuja gelatonisidade tinha passado para o molho. 

 

 

A língua.

 

O cabrito no pão muito bom em termos de carne e muito gulosa aquela parte em que escavamos o miolo ensopado no molho. A não perder.

 

O cabrito no pão.

 

Para quem gosta de pimentos, a galinha é um pedido irrecusável. Como tudo é feito em separado, não há contaminação de sabores e cada coisa ao que sabe.

 

A galinha com pimentos.

 

Mas o que é mais extraordinário são as migas. Simples, só com pão, água e azeite. como é possível com dois ingredientes mediterrânicos tão "pobres", já que a água não conta, fazer um prato de sabor tão limpo e complexo. 

 

O Deolinda até tem quartos, para quem queira fazer a sesta ou pernoitar depois de uma refeição de arromba. Em Santiago do Cacém. A lista é variada e há pratos por encomenda. Ligue a confirmar.

 

A Dona Deolinda é de uma simpatia contagiante e espontânea. Sabe perfeitamente o que é Serviço.

Adriá abre o terceiro

 

Os planos de Ferran Adriá abrir a FundaçãoElBulli em 2014, um Centro Expositivo (museu culinário) em Las Roses, em 2016, e uma elBullipedia, uma enciclopédia de cozinha grátis on line. 

Mas os manos Adriá continuam na restauração: depois do Tickets (tapas) e do 41º (actualmente restaurante até à meia noite e depois bar de cocktails), vão abrir um restaurante mxicano. O mano Alberto adora comida mexicana e pretende que este restaurante seja um porta-bandeira da cozinha mexicana. O que não se sabe ainda se irão contar com a colaboraçao de Carmen Titita Ramírez, famosa cozinheira e proprietária de uma cadeia de restaurantes El Bajío no México.

Angel Léon, ou a magia do mar

O chef Angel Léon é um criativo e estudioso do peixe e do marisco. A não perder no Peixe em Lisboa..

 

Dia 17 de Abril às 18h30 deixe tudo, esteja onde estiver, e vá até ao Terreiro do Paço, ao Peixe em Lisboa, ver Angel Léon cozinhar ao vivo. Além de carismático, este chef do restaurante Aponiente, de Puerto de Santa Maria (Cádiz), é um profundo conhecedor do peixe e do marisco e um mágico a cozinhá-los. Aqui fica mais um fabuloso prato da sua autoria, o carré do mar.

 

O bom pastel de bacalhau, aquele que todos cobiçam mas raramente aparece

 



Que responsabilidade escrever sobre o pastel de bacalhau perfeito, um ícone da nossa cozinha nacional, reclamado de Norte a Sul, de Leste a Oeste, mas infelizmente desaparecido. Valha-me que antes de mim, já vários o fizeram, a começar pelo José Quitério que, já em 1987, comparava a sua extinção à do lince da serra da Malcata.

Segundo este autor, a primeira referência ao pastel de bacalhau surgiu pela mão de Carlos bento da Maia, no seu Tratado de Cozinha e de Copa, em 1904, sendo referidos como ”Bacalhau em bolos enfolados”, numa receita muito semelhante à actual.

Ao contrário da maioria dos pratos transversais ao nosso país, poucas são as divergências em redor deste pastel que triunfa incontestavelmente sobre croquetes (muito mundanos), rissóis (muito burgueses) e até sobre os pastéis de massa tenra (aqui, a luta já é mais renhida). Porém, ao contrário dos citados que se "comem" bons ou assim-assim, um mau pastel de bacalhau é intragável e  um verdadeiro ultraje à nossa portugalidade.

Há muitas divergências na sua confecção e delas dá conta o mesmo imprescindível José Quitério: com ou sem cebola, com ou sem alho, com ou sem claras batidas em castelo. Quanto à forma, há quem os prefira arredondados e quem gosta de os ver trifacetados, com três lados achatados. No Sul chamam-lhes pastéis de bacalhau, no Norte, bolos ou bolinhos de bacalhau.

 São muitos os defeitos que podem manchar a reputações deste pastel mandando-o de imediato para a valeta. Qualquer um dos defeitos graves que enumero em primeiro lugar são, no meu caso, suficientes, para, à primeira dentada, o abandonar irremediavelmente.

 

Defeitos graves

Má fritura

Mais do que um método de confecção, a fritura é uma espécie de mãe que protege o alimento. Ao introduzirmos o pastel na gordura muito quente, o calor rouba a humidade do seu exterior e forma uma capa que preserva a suculência no seu coração. Quando a gordura está pouco quente, o pastel não forma essa capa protectora e esta acaba por penetrar no seu âmago, arruinando completamente sabor e textura.

 

Espinhas

Para mim, uma espinha no pastel de bacalhau é um NO NO. Primeiro, porque a minha boca, estando preparada para uma textura macia, rejeita liminarmente o pastel quando aparece a dureza de uma espinha. Depois, porque é raro o pastel de bacalhau que tem espinhas, mas é bom: a presença da espinha revela que houve pouco cuidado na sua confecção.

 

Massa muito aguada

A batata era inadequada para cozer ou foi mal escorrida.

 

O pastel até levou bastante bacalhau, mas este não foi desfiado da maneira correcta. Para os pastéis é indispensável que este seja desfiado num pano, onde ao mesmo tempo que ganha a textura correcta também vai secando."

 

Textura muito abatatada, tipo puré

Temos pastel de batata em vez de pastel de bacalhau. Que o bacalhau está caro.

 

 

Defeitos menores

Muito grande, muito pequeno

O pastel de bacalhau deve ter o tamanho certo, que traduz a razão entre a capa e a massa e que permite o ponto certo de fritura no seu interior. Se for demasiado grande, o interior fica pastoso, demasiado pequeno, seco.

 

 

Muito verde

Demasiada salsa. A evitar. A salsa é apenas um apontamento.

 

Muita cebola

Em geral, o pastel que leva muita cebola fica com dois defeitos: o sabor aliáceo em demasia e a massa aguada.

 

Sabor a alho

O pastel de bacalhau, como o nome indica, não sabe a batata, nem a cebola, nem a alho nem a salsa, mas sim ao fiel amigo.

 

 

Para terminar numa nota de esperança.. Comi recentemente um pastel de bacalhau perfeito, pena que raramente o tenham na carta. Onde? De Lisboa a Vila Real é um instantinho quando se trata de um pastel de bacalhau com todos os requisitos. Foi no Museu dos Presuntos. E aproveite para fazer o resto da refeição, porque é casa muito recomendável. Um senão - em pleno Trás-os-Montes, o Museu dos Presuntos só tem presuntos espanhóis. Um caso para pensarmos bem na realidade dos nossos produtos regionais.

PER SE, as essências do fine dining

 

 

 

A célebre porta azul do Per Se, igual à do French Laundry, na Califórnia.

 

Escrevi este texto há cerca de 1 ano para o Fugas. Reproduzo-o hoje para nos refrescarmos todos um pouco de tanta fartura de fumeiro e de chouriças. O Per SE é o 10º restaurante melhor do mundo na classificação da revista Restaurant.

 

PER SE

A porta do Per Se é de madeira cor de lavanda, geminada com a do californiano French Laundry, o «primeiro» restaurante de Thomas Keller, mas a entrada faz-se por duas portas deslizantes em vidro que nos conduzem ao enorme e confortável salão/bar/garrafeira de onde se avista a estátua de Cristóvão Colombo que dá o nome ao local (Columbus Circle). Do lado esquerdo, os olhos repousam na escuridão do Central Park, onde se adivinha esteja algures a velhota das pombas do Sozinho em Casa, enquanto do direito se vislumbram as brilhantes luzes do Downtown sempre desperto. No asfalto estão 35ºC húmidos, lá dentro, para cortar o frio do ar condicionado arde uma lareira a gás e os empregados distribuem pashminas em caixas de madeira pelas senhoras de ombros desnudos. Estamos no topo do fine dining estado-unidense: entre o Per Se e o French Laundry somam-se seis estrelas Michelin seis. A sala moderna, sem ser minimalista, distribui-se por dois níveis. A posição das dezasseis mesas para duas, quatro pessoas e seis pessoas permite que todos os comensais estejam virados para as rasgadas janelas. Ao fundo da sala há ainda um reservado para dez pessoas. Predominam os castanhos das madeiras e os beiges e os brancos dos atoalhados.

 

Das rasgadas janelas vê-se o Columbus Circle.

 

A cozinha do chef Thomas Keller é orientada para uma meta: a perfeição, uma espécie de Ideia ou Essência platónica, valor absoluto que deve ser procurado, apesar de inalcançável. Para perseguir a perfeição, Keller baseia-se nos dois termos de uma equação: os melhores produtos e as técnicas da cozinha francesa que muito admira (ele trabalhou em França, nomeadamente no Pré Catelan). No que diz respeito aos produtos, a constante menção à sua proveniência atesta a excelente relação do chef com os pequenos fornecedores, bem patente no menu de degustação de nove pratos, cada dia diferente com pequenas excepções: as ostras são de Island Creek, o caranguejo de Chesapeake Bay, os pêssegos da quinta Pearson, o poussin da Four Story Hills e a carne da Snake River. No outro membro da equação, o das técnicas, afirma-se indiscutivelmente a sua obsessão com a perfeição. Os sabores são depurados até serem atingidas as essências.

 

Ao longo do jantar, estes pratos «essências» vão alternando com outros em que a manipulação do produto se reduz à expressão mínima e em que se valorizam os sabores intrínsecos. O caso das duas manteigas pode ser usado para caracterizar a força dos produtos versus a influência francesa. Na mesa são colocados dois tipos de manteiga de vaca: uma, proveniente de um rebanho de meia dúzia de vacas de uma criadora que apenas abastece os restaurantes de Keller; a outra, uma manteiga francesa do Loire, com flor de sal.

 

 

Decoração impessoal, mas calorosa. Acolhimento e serviço como seria de esperar. Chef de mesa acima do esperado.

 

O primeiro prato do menu, o «Caldo de legumes em geleia com bottarga», é um leve piscar de olho à cozinha tecno-emocional, a que Keller chama cozinha progressiva, uma vez que o caldo é servido num prato de sopa, mas gelificado. Como acompanhamento, microlegumes do quintal do French Laundry. Mas por aqui ficamos em termos progressivos. Como se pode ler no site do Per Se: «Não queremos impressioná-lo. Queremos apenas cozinhar para si e fazê-lo feliz.» E, indubitavelmente, Keller e Kaimeh, o chef residente, fazem a nossa felicidade.

«Ostras e pérolas», o prato emblemático originário do French Laundry e presente em todos os menus de degustação, é uma espécie de mar cremoso, em que umas pequeníssimas ostras se aninham numa cama de cremosas pérolas de tapioca e se escondem sob o caviar osetra. Ali está a Ideia platónica de ostra, a sua essência: sabor a mar ao mesmo tempo que a boca se deleita em cremosidade.

Seguem-se-lhe o tártaro de atum com pannacotta de ouriço-do-mar, o caranguejo de casca mole e a codorniz recheada com foie gras. De sabor quase intoleravelmente concentrado, e típico exemplo do prato «essência», a custarda de trufas brancas é servida numa casca de ovo (do vizinho Colombo?) e encimada por um «ragôut» de trufas pretas.

 

 

O emblemático Ostras e Pérolas que nunca sai da carta.

 

Para descansar o palato destas emoções fortes intercalam-se os pratos com produtos de sabores naturais, nomeadamente os de peixe. Thomas Keller não dispensa o peixe português, sobretudo o salmonete, exportado pela Pescaviva, uma empresa portuguesa que trabalha principalmente com o estrangeiro. Detalhe curioso, o peixe vinha acompanhado da respectiva pele frita e supercrocante, pendurada num pequeno estendal de prata, como se estivesse a secar. A lagosta da Nova Scotia é escalfada em manteiga que lhe concede textura firme, mas ao mesmo tempo macia, e lhe reforça o sabor, nada adocicado como por vezes é costume na América do Norte. Em matéria de carnes, chega primeiro um poussin, alimentado a milho e lacticínios, do tamanho de um punho, que vem exibir-se à mesa inteiro antes de ser cortado. Cada pessoa recebe um peito e uma perna, sendo que ao osso desta vem agarrado um extensor em prata, criação de Escoffier, que permite comê-la à mão. A «calotte de boeuf» tem tudo o que se pode desejar na carne e o sabor é reforçado pela sauce bordelaise. Aliás, quase todos estes pratos vêm acompanhados com molhos, adaptações de clássicos franceses, que revelam a grande técnica de Keller e a paixão que sempre dedicou a este capítulo culinário. Foi exactamente através da preparação de uma hollandaise que o chef se apaixonou pela cozinha, quando começou a trabalhar no restaurante da mãe onde fazia diariamente este molho. Porém, cada dia procurava aperfeiçoá-lo, aproximar-se mais da Ideia absoluta da hollandaise. É esta a sua maneira de estar na cozinha: fazer cada dia melhor, depurar para guardar apenas o essencial.

As sobremesas começam com o revivalismo da root beer, a salsaparrilha, inócua para nós a nível emocional, e prosseguem com variações em torno do morango e do chocolate. Para terminar, vêm catadupas de mignardises com uma apresentação muito original.

A carta de vinhos é imensa, como seria de esperar. A copo (o mais barato ronda os 16 euros) e uma extensíssima lista de meias garrafas que permitem variar o vinho ao longo da refeição. Para quem gosta de beber água, uma surpresa. O restaurante tem máquinas de tratamento próprias e serve versões lisa e gaseificada em jarro. O pessoal da sala, naturalmente simpático e prestável, está sempre pronto para ser interrogado e aconselhar.

Outra nota muito interessante no Per Se é a utensilagem de mesa. Os talheres são em prata Ecuis e os pratos em porcelana branca, alguns vintage. Para fugir à imagem da «ervilha» no meio do prato, somos confrontados com uma sobreposição de pratos iguais mas de tamanhos diferentes, quais matrioshkas, por vezes dispostos em cinco ou seis camadas concêntricas, até culminarem num micro-prato raso ou de sopa, num copo ou numa taça. O resultado destes zigurates é esteticamente perfeito.

Para terminar, deixo um conselho. Jante cedo, para não ser prejudicado pelo jet lag, uma vez que a refeição não dura menos de 3 horas e meia.

 

 

 

 

 

 

PER SE

Reservas (com dois meses de antecedência) em www.opentable.com ou pelo telefone 001.212.823.9335

10, Columbus Circle, 4° andar (edifício Time Warner) Nova Iorque (a entrada é mesmo através do centro comercial)

Jantar: todas as noites

Almoço: sextas, sábados e domingos

Dois menus de degustação, sendo um vegetariano (275 dólares por menu). O serviço está incluído.

O Melhor Peixe do Mundo

Portugal o Melhor Peixe do Mundo já está à venda nas livrarias. Aqui vão umas fotos para aguçar o apetite.

 

 

Joan Roca, 3 estrelas Michelin no Celler de Can Roca.

 

 

O prato com que Joan Roca colabora no livro.

 

 

A receita de Roca.

A versatilidade da alheira em Mirandela

Os animadores da festa. À direita o bombo, ao meio a caixa e depois a gaita de foles.

 

O capítulo de Inverno da Confraria dos Enólogos e Gastrónomos de Trás-os-Montes e Alto Douro foi uma homenagem à alheira, neste momento de longe o nosso enchido mais popular.

 

O rio Tua visto do Flor de Sal.

 

O local não poderia ser outro senão Mirandela, que o grão-mestre da CEGTAD reclama como a pátria da alheira, já que, segundo António Monteiro, no resto da região apenas exisitiram enchidos similares, como as tabafeias, os azedos, os vilões, as larotas ou as laronas.

 

A admissão de um novo confrade durante o almoço.

 

Porém, se nas grandes cidades retivemos no ouvido o nome de Mirandela para as alheiras, ou o de Chaves, para os presuntos, talvez fosse por estes serem os entrepostos ferroviários onde se concentravam os produtos das regiões circundantes para serem enviadas para os outros pontos do país, devidamente etiquetados com estes topónimos.

 

O Flor de Sal tem uma localização privilegiada e bons produtos. Volto a falar nele a propósito dos cuscos.

 

O almoço teve lugar no lindíssimo Flor de Sal, agarrado à margem do Tua. O menu começou com 3 entradinhas: rebuçado de alheira, massa tenra, recheio de alheira (a massa deveria ser mais fina para se notar mais a alheira e a maçã), pudim de alheira e salsa, agradável, sem grande história, e uma deliciosa sandinha com recheio de azedo. 

 

As entradas, a sandinha em primeiro plano. Gostei do nome.

 

As sopas de alheiras estavam irresistíveis. Prato típico da matança, consistem nos ingredientes das alheiras, antes de serem amassados, e devidamente regados com o caldo da cozedura das carnes. Alho e colorau inteligentemente à parte, uma verdadeira delícia que teve ainda o mimo de ser servida em terrina. No intervalo, como limpa-palatos, uma xurunfada de laranja, cujo nome é suficientemente elucidativo para carecer de explicação.

 

As sopas em terrina, como sabem bem.

 

As sopas polvilhadas com o colorau doce.

 

E o caldinho.

 

A seguir, como prato principal, a própria em todo o seu esplendor: grelos e batatas cozidas. Ai os grelos transmontanos, cozidos a preceito e de verde correctíssimo, ai as batatas transmontanas, regadas com azeite, sempre com muito azeite, tanto quanto dê para sugar com pão até à  última gota e ainda dar mais uma voltinha no prato quando só já quase sobra um brilho. 

 

Não podendo ser assada nas brasas, a alheira pode ser grelhada numa frigideira sem gordura em lume brando.

 

A sobremesa, muito bem concebida: chouriça de sarrabulho doce com mel e com chocolate e morango e torrão de amêndoa. O morango desagonia, o torrão fala com a amêndoa que está sempre presente nesta chouriça de sangue. O bombom de sarrabulho com cobertura de chocolate e recheio de morango estava genial.

 

 

Parabéns ao João Paulo, à Sónia Carvalho, que também forneceu as alheiras (Angelina) e ao António Monteiro.

 

A sobremesa estava primorosa e muito bem concebida.


Estas são as chouriças de sarrabulho doces.


Preto

Este porco é preto, de cor, que a raça é bísara, um tronco do celta.

 

Preto não é raça é cor, falando dos porcos. Está na hora de produtores de enchidos e chefs de cozinha darem o exemplo e deixarem de falar de porco preto. A denominação correcta é porco de raça alentejana, um tronco do porco ibérico. Desta forma, acabamos por promover o porco e a região de onde ele é originário e obviamos a certas confusões que se podem originar. 

Preto é cor e não raça. Há porcos bísaros todos pretos, assim como os há cor de rosa, malhados de cizento ou de preto.

 

Nesta exploração, vemos bísaros rosados, malhados e pretos.

 

 

United colors of porco bísaro.

Sacaninhas no mercado do Maputo

O mercado da 24 de Julho.

 

Indispensável no Maputo é a visita ao Mercado da 24 de Julho, apesar de este estar em obras, para ver o colorido local, a fruta e os legumes, o peixe e, sobretudo, os temperos. Uma volta pelas bancas faz-nos perceber o que é a cozinha moçambicana, uma fusão dos produtos locais com a tradição portuguesa e Indiana. Indispensável é comprar o caju grelhado natural, sem qualquer tempero. O sabor é completamente diferente do das latinhas que compramos nos supermercados. Indispensável também, para quem gosta de picante, é comprar as célebres sacaninhas, as malaguetas que devem ter uma das mais elevadas pontuações em graus Scoville (que medem o picante).

 

 

 

Uma banca de condimentos indianos.

 

Seguramente, não é o melhor peixe do mundo.

 

Uma franchise de congelados espalhado pelo Maputo e arredores.

 

 

As malaguetas sacaninhas frescas, umas verdes e outras já maduras.

 

o melhor é comprar sempre as frescas e retirar-lhes os pés em casa.

 

Piripiri feito em casa

As malaguetas no mercado do Maputo.

 

Como preparar as sacaninhas em azeite

 

Antes de mais, use sempre luvas descartáveis.

Lave e seque muito bem as malaguetas. Corte-as ao meio, se quiser. Depois de estarem muito bem secas (seque-as com um papel e depois espalhe-as numa travessa e ponha ao ar durante umas horas), deite-as num frasco que feche bem. É essencial que as malaguetas fiquem bem secas. Regue com um bom azeite suave a cobrir. Deixe-as de molho durante, no mínimo, duas semanas, mas, de preferência, durante um ou dois meses.

Usando novamente luvas, triture as malaguetas com o azeite, até ficar no ponto que prefere: mais ou menos fino. Reserve durante mais uma ou duas semanas. Use com moderação, na cozinha ou directamente na mesa, mas avise sempre que é muito picante e que basta uma quantidade ínfima para tornar qualquer prato muito quente .

Em vez do azeite, pode fazer o mesmo procedimento com sumo de limão ou com whysky.

 

O produto acabado e já triturado.

 

As sacaninhas ao lado do piripiri de whisky.


De Moçambique, com os sentidos bem despertos

Acabados de pescar na praia de Chidenguele.

 

Não é "cosa mentale" a minha paixão por África, pelo contrário, é uma relação física que desde sempre sinto no meu corpo. Calor e humidade são as primeiras coisas que me invadem e que, em vez de rejeitar, é imperativo aceitar, incorporar. Depois, vêm os cheiros, a terra molhada, se tenho a sorte de ter caído uma bátega de água. Só então chega a vez dos olhos, que se alegram com o intenso colorido dos panos, cuja principal razão é funcionar como repelente de insectos. 

 

A praia de Chidenguele, junto ao lodge Paraíso, na maré baixa.

 

Quilómetros de praia sem vivalma para um lado


e para o outro.

 

Mas o que leva o meu corpo à felicidade suprema das suas origens primordiais é a água do mar, desta vez as ondas índicas da praia do Paraíso, em Chindenguele, onde estou em casa de amigos, situada à beira da extensa lagoa de Nhambavale e a 1 km da praia por caminho de picada. 

 

A lagoa de Nhambavale, vendo-se a casa amarela onde estive.

 

Do Maputo aqui foram 3 horas de estrada. Pelo caminho ficaram Marraquene, onde Mouzinho de Albuquerque subjugou o revoltoso Gungunhana, a Maragra, praia de surfistas, a Manhiça, onde os Espanhóis criaram um centro de investigação da malária, e as praias de Xinavane e do Xai Xai. Só em África se guiam quilómetros e quilómetros sem ver vivalma, para de repente encontrar um concentração de gente que faz uma feira ou simplesmente caminha em fila indiana pela berma da estrada, sem qualquer povoação à vista num raio de quilómetros. Cruzámo-nos com centenas e centenas de crianças fardadas e não fardadas, de saída das escolas. Cinquenta por cento da população de Moçambique é de jovens e está a ser feito um enorme esforço de escolarização. 

 

Os meninos a caminho da escola.

 

Em Chindenguele, na casa dos meus amigos, tudo funciona na base da descomplicação, à africana, e a comida não é excepção. O produto é óptimo, mas transfigura-se através daquilo que a cozinha moderna apelidaria de elementos emocionais, todos ali à mão-de-semear. No primeiro dia, garoupa grelhada no restaurante do lodge Paraiso com o marulhar das ondas do oceano Índico e o incrível cheiro a maresia, como há muito tempo não me entrava pelas narinas. Ao jantar, frango de churrasco no carvão, temperado com sal, alho e limão e pincelado com leite de coco ao longo de toda a cozedura, e arroz branco destas lezírias, a que já chamaram o Ribatejo moçambicano. A acompanhar, a cor laranja das calcas de capulana do rapaz que assou o frango, o coaxar dos sapitos relas e o barulho da água do lago a bater nos canaviais da margem.

 

A força de umas calças de capulana cor de laranja.

 

Os sapinhos relas (juro que não comi nenhum) têm ventosas e trepam pelas paredes

 

Outro almoco de grelhados: os peixes que hoje de manhã vimos pescar na praia: corvina e peixe da pedra, ainda não sei com que acompanhamento, talvez a recordação de os ter visto sair da água e saltar na areia. O peixe da pedra tem um sabor intenso e amariscado e textura firme, a lembrar o nosso salmonete. Para refrescar ao longo do dia, há sempre ananás em rodelas, comprado na feirinha da estrada, assim como os saborosos cajus grelhados no carvão que aperitivámos.

 

É assim que vendem o caju grelhado no carvão e sem sal ao longo da estrada.

 

O pescador pesa a corvina e o peixe da pedra ali mesmo na praia.

 

Para terminarmos em beleza, lagostas pequenas grelhadas e uma grande cozida em agua do mar, compradas na praia a uns rapazes que as pescaram no recife da nossa praia. Sendo os Melhores do Mundo, o nosso peixe e marisco têm sabor incomparavelmente melhor, é claro.

 

O pescador das lagostas, apanhadas no recife.

 

A praia e as margens da lagoa de Nhambavale têm vários lodges onde se pode ficar. Os bungalows da praia do Paraíso têm uma situação privilegiada, bem camuflados nas dunas.  Mas o que mais me seduziu foi o Nara, um ecolodge feito de tendas de lona suspensas nas margens da lagoa de Nhambavale. 

As tendas de lona do Nara, mesmo sobre a lagoa.

 

A piscina do nara, um lodge muito bem enquadrado na lagoa.

 

Todo o complexo, desde o bar ao Spa, foi construído com elementos da natureza e muito bem integrado. Foi criado por um casal de arquitectos brasileiros, ela de origem moçambicana, que o alugaram recentemente a portugueses. ATT, todas estas instalações são desprovidas de ar condicionado.

A lagoa está rodeada de vegetação luxuriante, onde sobressaem as altíssimas palmeiras. São proibidos os desportos motorizados, mas há canoas e barcos à vela. 

 

O deck do Nara.

 

Um barco de pesca afundado na lagoa.

 

Porém, o verdadeiro entretém é a africanização. O que é isso? É a tal descomplicação total em comunhão com a natureza. É deixarmos o nosso corpo ser feliz. É exercitarmos os cinco sentidos. Há quem goste e consiga. Para os outros, uma recomendação: fiquem na Europa, deixem-nos a  África.

 

O pôr-do-sol em Nhambavale.

...

O velhinho Costa do Sol teve, em tempos, um luxuoso salão de baile.

 

O Manjar dos Deuses, muito bem composto de decoração.

 

Moçambique sempre foi a minha segunda África, uma vez que, desde muito pequena, passava  no hotel Polana muitas das minhas férias escolares. É justamente pelo Polana que vou começar, para arrumar já este assunto que me é um pouco penoso. A remodelação feita o ano passado lembrou-me, para pior porque mais abundante, a que teve lugar no Fortaleza do Guincho. Em ambos os casos, a decoração substituída era estilo inglês. No Fortaleza, o resultado final é chinesices, com uma carpete gigante de passarões roxos na casa de jantar e indescritíveis mobílias brilhantemente envernizadas. No Polana, a palavra de ordem é malaio-paquistanês com detalhes Almirante Reis, a saber os lustres em forma de ananás que alternam com os tipo mesa de bilhar e descem do tecto em número avassalador. A emblemática casa de chá desapareceu, assim como a preciosa vista da varanda para os jardins e piscina, obnubilada por fontes continuamente jorrantes. O icónico elevador foi encaixotado numa gaiola malaia, um verdadeiro crime de lesa-majestade. Nem mostro fotografias.

 

Manjar dos Deuses: que pena a apresentação do risotto, que estava óptimo de sabor e ponto.

 

Manjar dos Deuses: o tornedó, de boa carnadura, foi cortado ao meio e fez dois...bifes. Bela batata.

 

Depois da independência, fui sempre voltando e seguindo de perto a transformação que o Maputo sofreu ao longo dos anos. Hoje é uma agradável cidade cheia de movimento, comércio e restaurantes. Porém, foi só  a partir de 2007 ou 2008 que se alargou o leque de restaurantes. Para trás ficaram os anos 80, em que se levavam de casa os talheres para o restaurante do Polana, que esteve sempre aberto, e o pequeno-almoço do hotel Turismo consistia em ovos cozidos com Fanta.

Alguns dos clássicos desses tempos ainda sobrevivem, a saber:

O Piripiri, a velhinha churrasqueira, que ainda existe e serve só mesmo para matar saudade do frango de churrasco.

Escorpião, na antiga Feira Popular: a última vez que lá fui num grupo de 12 amigos, 10 ficaram com toxi-infecção grave com caranguejo. Os outros dois não tinham comido. A evitar, não por isso, porque acontece em muito lado, mas porque está decadente.

Sagres - muito escuro e feio, comida portuguesa disfarçada de sul-africana

Costa do Sol - aqui o camarão grelhado sabe sempre bem. Prefira o camarão médio.  Há um prato de lulas e chocos à grega que aconselho vivamente para dividir como entrada. Peça as batatas fritas bem fritas à parte, para não se contaminarem no molho de manteiga do camarão, ou opte por arroz branco, uma escolha ainda melhor.

 

Manjar dos Deuses: fondant de abóbora, infelizmente servido sobre gelado derretido.

 

A sala de gosto retro do Costa do Sol. Bom karma.

 

Alguns dos novos e menos novos

Já é impossível enumerá-los, de tantos que são. Cito alguns que conheço, começando pelos mais antigos.

Jardim dos Mariscos no Jardim dos Namorados: um complexo de restauração que inclui gelataria, pizaria e cervejaria. Muito agradável para jantar ao ar livre.

Girassol e Forno do Indy - pertencem ao grupo VisaBeira, e servem boa comida portuguesa.  

Cristal - já lá comi bom caranguejo e péssimo caranguejo. A simpatia do casal de proprietários portugueses vai superando as eventuais falhas. Tem muitos pratos portugueses, bifes, bacalhaus, um bom arroz de camarão com garoupa.

 

BelPiatto, um italiano numa esquina da avenida do Polana, a Julius Nyerere.

Boa Maré - óptima relação qualidade-preço em menus de almoço (em redor dos 500 meticais). Pequeno e sempre cheio. Na 24 de Julho.

Interthai - muito frequentado por gente nova. Na R. da Argélia. 

 

O Manjar dos Deuses

A Bé, de origem mocambicana, era proprietária do restaurante  IMortal no Murtal, perto de São João do Estoril, onde muitos africanos como eu iam matar a saudade dos pratos da terra, como por exemplo, o caril. O ambiente foi sempre refinado, mesmo na época em que, nesta zona, a decoração dos restaurantes ainda consistia em duas lâmpadas de néon e três cachos de alho. Pois a Bé regressou ao Maputo e abriu um restaurante, o Manjar dos Deuses. Como costuma estar sempre cheio, é melhor reservar, sobretudo ao fim-de-semana. Depois dos dias de peixe na praia, apetecia-me carne. Escolhemos tornedós com três tipos de molho (mostarda, caju e queijo da serra), de boa carne, mas estupidamente cortados em dois bifes da grossura de um dedo, acompanhados com legumes grelhados e uma batata frita chips toda rendada. Comeu-se também um óptimo risoto, que recomendo, embora a apresentação seja pouco convidativa, e o estafado peito de pato com frutos vermelhos. Aqui o caril é sempre boa opção. Não deixe de experimentar o peixe papagaio, sempre que o houver. Passámos as entradas, poucas e não muito sedutoras. Sobremesa, dois fondants com a originalidade de um deles ser de abóbora, e uns bons crepes Suzette, feitos na cozinha. Há ainda uma série de pratos grelhados na mesa, que a ementa tem o bom senso de especificar que só são servidos na varanda. Um bom conselho para os nossos restaurantes que servem fondues e bifes na pedra no interior, uma prática deplorável que me leva a nunca lá regressar.

Os pratos têm bons produtos e bom sabor, a merecerem mais cuidado na apresentação. Preço por pessoa sem vinho e sem entradas em redor de 1000 meticais.

Tesourinhos da minha biblioteca: Arte de Cozinha de Domingos Rodrigues

Página de rosto do livro.

 

A emoção que senti quando desfolhei pela primeira vez este livro tem poucas rivais. De quem teria sido? Quem teria, há quase 400 anos, passado as mãos por estas mesmas folhas e onde? Como teria sido este livro aproveitado?

Da autoria de Domingos Rodrigues, cozinheiro da corte de D. Pedro II. É o primeiro livro de cozinha conhecido em Portugal (tirando o caderno da infanta) e teria que ser o primeiro a aparecer nesta "rubrica" dos tesourinhos. Tem 15 cm de comprimento por 10 cm de largura e a capa ainda é a original restaurada. Não é a primeira edição (1680), mas data de 1758, quase um século depois, ainda assim anterior ao de Lucas Rigaud. 

Junto algumas páginas sobre enchidos e chamo a atenção para o facto de nenhum dos que aqui aparecem (e há outros) levar ainda colorau....

 

Capa do livro.

 

As receitas de enchidos.

...

A Casa Lapão, em Vila Real, surgiu de uma outra casa onde hoje se localiza a fábrica.

 

Imaginemos por um breve momento que, nas discussões teológicas que tiveram lugar ao longo de séculos, a Igreja tivesse considerado o açúcar como um alimento a ser banido na Quaresma. Cruzes, canhoto, que arrepio. Abandonemos de imediato esse angustiante pensamento e louvemos São Tomás de Aquino que partiu em sua defesa. O que a nossa doçaria teria perdido se os médicos, que o consideravam um veneno tanto mais perigoso quanto o seu sabor era agradável,  tivessem levado a melhor nessa discussão. 

 

 

 

Em cima, pastéis de santa Clara, esq em baixo, pitos, dta em baixo, cristas.

 

Teríamos, provavelmente, perdido os pitos de Santa Luzia, as cristas de galo e os pastéis de Santa Clara, produzidos e aperfeiçoados ao longo de séculos pelas mãos das clarissas de Vila Real e de Coimbra.

A boa notícia é que estes bolos ainda existem e estão à venda numa lindíssima pastelaria de Vila Real, a casa Lapão. Além destes bolos, não deixe de provar um dos melhores pudins de amêndoa que já comi, feito na clássica forma de trevo.

A título de curiosidade, aqui vai o respectivo receituário conventual, retirado de

Doçaria dos Conventos de Portugal, de Alfredo Saramago.

 

Pitos de Santa Luzia (convento de Vila Real)

 

Trouxinhas de massa pouco fina recheadas com doce de abóbora.

 

Faça uma massa com 125 g de farinha, água e sal suficiente para tender e 75 g de manteiga. Estenda bem a massa de maneira a formar uns quadrados. Deite no meio doce de abóbora e dobre as quatro pontas do quadrado de massa para o meio de forma a fazer uma pequena trouxa. Leve ao forno a cozer e polvilhe com açúcar. 

 

As fantásticas, fabulosas e deliciosas cristas

 

Cristas ou pastéis de toucinho do céu

 

Para mim, são os melhores desta trilogia (esta agora lembrou-me uma mania recente dos nossos pasteleiros).

 

Faça uma massa com farinha, 1 ovo, água e muita manteiga, numa proporção de maneira a que a massa possa ficar muito estaladiça e isso só se consegue com muita manteiga. Terá de encontrar a consistência à medida que vai tendendo. Deixe repousar a massa durante 1 hora. Estenda a massa e com uma carretilha corte rodelas de massa par que no meio ponha recheio de toucinho do céu. Dobre a massa e volte a cortar com a carretilha arredondando a forma de pastel. Leve ao forno a cozer.

 

Acertar no ponto da massa não é fácil. A receita do toucinho do céu consta do mesmo livro. 

 

Os pastéis de Santa Clara, do Convento de Coimbra.

 

Pastéis de Santa Clara

Um aviso: não tentem fazer isto em casa...Nem sequer lhes vou passar a receita, que também está no livro citado.

Só em Trás-os-Montes havia 3 conventos de Clarissas (Bragança, Vila Real e Vinhais Clarissas), mas esta ordem estava espalhada por todo o país. Esta receita de pastéis de Santa Clara pertence ao convento de Coimbra e a sua origem é visível no tipo de massa: a mesma dos pastéis de Tentúgal (Convento de Tentúgal), outra casa da mesma região. A massa destes doces é uma obra-prima que resulta de um único ingrediente, a farinha, combinada com água e com uma técnica fabulosa de estender a massa até á infinitude da finura. O recheio é de ovos-moles, a prova de que Deus é infinitamente bom.

 

Convento de Santa Clara em Vila Real.

 

Casa Lapão

Rua da Misericórdia 53/55, 5000-653 Vila Real

Tel: +351 259 324 146 

 

Para terminar o admirável pudim de amêndoa

 

 

 

O pudim de amêndoa em forma de trevo.

Pitões de Júnias

Os avassaladores afloramentos graníticos do Peneda-Gerês.

 

O topónimo Pitões das Júnias sempre me atraiu, mas foi só nesta viagem que tive a felicidade de visitar a isoladíssima aldeia granítica alcandorada a 1100 m de alitude e com pouco mais de 100 habitantes, que se dedicam ao pastoreio do gado bovino, caprino e ovino. Valeu a pena a viagem de Montalegre, no Barroso, até lá. 

 

Uma manada de vacas com pastor e cães em PItões das Júnias.

 

Originalmente um eremitério, o mosteiro de Santa Maria das Júnias, datado de 1147, ficou na mão dos monges de Cister a partir do século XIII, acabando por dar origem à aldeia. Actualmente é monumento nacional, mas está em ruínas, podendo ser alcançado após uma caminhada de cerca de 2 km. Da aldeia avistam-se os afloramentos graníticos do parque natural Peneda-Gerês, que impõe a sua avassaladora força telúrica a quem os mira do lado da aldeia.

 

Casas graníticas em Pitões das Júnias.

 

Muito mais se podia dizer acerca de Pitões, do modo como os aldeãos se organizaram comunitariamente ou como fizeram frente várias vezes aos espanhóis, mas vamos mas é ao que interessa. Há dois restaurantes em Pitões, mas nós escolhemos o Dom Pedro Pitões, que vai buscar o nome a um conterrâneo que foi bispo do Porto e ajudou D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa aos Mouros. Aqui comemos um magnífico cozido barrosão que tem a peculiariedade de apresentar algumas carnes de porco fumadas. Como legumes, as maravilhosas batatas da região e couves. Convém telefonar a encomendar. Para começar, ele foi o chouriço e o presunto do fumeiro próprio, ele foi o pão de centeio, ele foi os pastelinhos de bacalhau.

 

O cozido barrosão: carne de porco e de vaca, presunto e enchidos.

 

Claro que com estas condições de altitude e frio, teria de haver fumeiro em Pitões das Júnias. E, claro, onde há fumeiro lá estamos sempre os dois, eu e o Mário. ao fim de alguns dias, confesso-vos que já não aguento o cheiro do fumo e já me custa muito provar os enchidos. Como podem ver na foto que se segue, havia demasiado fumo lá dentro e quase não se conseguiu fotografar. 

Em algumas regiões abusa-se do fumo nos enchidos, que ganham um sabor desagradável. Noutras, o problema reside no tipo de madeira usada: em vez do castanho, usa-se até madeira verde de pinheiro, altamente tóxica. Qurr queiramos quer não, os enchidos espanhóis e alentejanos, curados ao ar sem fumo, educaram o nosso gosto. actualmente, a maioria dos consumidores prefere enchidos pouco fumados. Assisti no Minho e mesmo em Trás-os-Montes a um esforço nesse sentido. 

 

 

o Mário no fumeiro.

 

Nos últimos meses de vida, o porco é cevado, isto é, a sua alimentação destina-se à engorda. A comida cozinhada acelera este processo, pelo que, nesta fase, é hábito cozinhar os legumes, as batatas e as castanhas no chamado lato. Aqui vai uma foto do lato cheio de comida a cozinhar no fumeiro. ATT: nós somos parecidos com o porco, portanto, quem queira emagrecer, nada de comida cozinhada, só RAW.

 

O lato onde cozinha a ceva do porco.


Cozido de cascas ou casulas

As cascas ou casulas de que se faz o cozido de cascas.

 

As cascas ou casulas são as vagens ainda com o feijão incipiente que se põem a secar. São cozidas com o butelo (bulho, chouriça de ossos, bulhos, palaios, conforme a região) e eventualmente com outros enchidos. Fazem um cozido delicioso. Em Lisboa, a Justa Nobre costuma fazer este cozido no Spazio Buondi nesta época do ano.

 

 

O cozido de cascas.


Vinhais ou a Fina Flor do Enchido (título por José Quitério)

O porco bísaro

 

Em cima da mesa está quase uma centena de salpicões, todos eles para classificar. No júri do concurso para encontrar os melhores salpicões de vinhais estão seis pessoas de varias proveniências, desde uma produtora até uma professora universitária, passando por uma veterinária e pela minha pessoa.  Dado que há 3 dias não comia outra coisa senão fumeiro e que acabáramos de almoçar um cozido de cascas com um magnífico presunto, butelo e chouriça, eu estava mesmo no ponto para chafurdar nos salpicões e encontrar o vencedor, ou seja, aquele que da melhor forma expressava o arquétipo da zona de VInhais: a quantidade certa de vinho e de fumo e a presença do lombo, a carne mais desejada do porco, que também se quer o mais bísaro possível. Lá me fui aguentando até ao fim da prova, mas quando julgava ter acabado, eis que surgem de novo quatro salpicões que tinham ficado empatados...

 

uma ninhada com 4 ou 5 meses

 

Vinhais é um concelho exemplar no que ao fumeiro e ao bísaro diz respeito graças ao casamento entre a associação dos produtores de porco bísaro (ANCSUB) e a Câmara Municipal (a sua secretária técnica, eng. Carla Alves, uma mulher extremamente dinâmica, é casada com o presidente da Câmara). A feira é tão popular que a RTP fez de lá dois programas em directo.

A maioria dos produtores tem cozinhas de fumeiro certificadas e a maioria dos enchidos está apta a receber protecção jurídica (IGP), embora eu não tenha visto muitos enchidos com os respectivos selos. Pelo que percebi, como o fumeiro que vai à feira está quase todo vendido, os produtores não gastam dinheiros nos selos de certificação daqueles lotes. 

 

Com a Dona Elísea, uma produtora com mais de 80 anos.

 

São precisas diversas condições para que os enchidos possam receber a Indicação Geográfica Protegida, como por exemplo, as condições das instalações e o porco ser bísaro ou cruzado com este. O porco bísaro estava em força em Vinhais e até houve um concurso para eleger o mais bísaro dos bísaros. Aqui estão alguns dos exemplares que concorreram. São lindos os bísaros, uma espécie de arquétipo do porco, corpo cor-de-rosa com manchas acinzentadas, pernas muito direitas e altas, nariz arrebitado e, sobretudo, aquelas fantásticas orelhas. Mas o que realmente mais me atrai no bísaro é o marmoreado da carne, que não sendo gorda, tem um sabor muito especial. E pensar que nos anos 80 esta raça ficou quase extinta devido aos cruzamentos com porcos comerciais ou de crescimento rápido (raça pietrain)! Viva o bísaro, viva este porco que é um tronco da raça celta.

 

 

 

O fumeiro de Vinhais: atrás, as alheiras. à frente: sangueiras, chouriças de carne e salpicões.

Na cozinha do Paço de Calheiros: atar e pôr ao fumeiro

Ponte de Lima ao entardecer (foto do Mário Cerdeira)

 

Depois de termos assistido à produção da chouriça de cebola no Minhofumeiro, quisemos ter também uma perspectiva completamente artesanal. Calhou que no Paço de Calheiros estavam também e encher chouriças de cebola e chouriças de carne. Fui convidada pelo Francisco, Conde de Calheiros, o proprietário deste lindíssimo solar que faz turismo de habitação, para participar na função, que teve lugar na cozinha velha. Aqui pontificam uma pantagruélica lareira e dois igualmente pantagruélicos potes de ferro (lá em cima é pote que se diz, não panela). É aqui que desde sempre se faz o fumeiro, com os enchidos para cnsumo da casa.

 

A cozinha "nova" do Paço de Calheiros.

 

Os potes de ferro na lareira da cozinha velha, com ramos de louro a arder para dar aroma ao fumeiro.

 

 

 

O ambiente da cozinha velha era de tal forma agradável com 4 lindas e alegres minhotas a trabalharem que resolvi dar uma mãozinha a encher chouriças. Não me saí mal, já que não rebentei nenhuma tripa, o que obriga, em geral, a repetir toda a operação.No que diz respeito a atar as chouriças com o fio de algodão, achei melhor abster-me, deixando a tarefa para quem sabe. Mas lá chegarei.

Em termos de técnica, a preparação dos enchidos é feita do mesmo modo há muitos séculos e necessita de pouquíssimos utensílios: uma faca, o funil (ou funila) e uma agulha para picar. A grande mudança terá sido a utilização do colorau (pimento, pimentão), que só chega à Europa depois dos Descobrimentos.

 

 

 

O fumeiro na lareira da cozinha velha.

 

O Mário Cerdeira apanhou-me a encher chouriças.

 

No entanto, é curioso ver como há pequenas diferenças na técnica do enchimento de região para região e até de casa para casa. Cada mulher tem um saber fazer, em geral herdado, e não gosta de o alterar. É quase um ritual que deve ser seguido passo a passo para que o resultado seja sempre o mesmo. A cozinha tem destas coisas, tão depressa ansiamos pela novidade como precisamos de mais do mesmo.