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Conversas à Mesa

Fim-de-semana em redor de Montemor-o-Novo 1ª parte

 

 

O hotel L'AND Vineyards, em Montemor-o-Novo (foto do site)

 

 

 

Hoje a minha proposta é alargada: um roteiro para passar 2 dias no Alentejo num belíssimo hotel integrado na natureza, comer bem, passear, comprar produtos da região e ainda mergulhar no passado.

 

  

Dia 1 

 

 

Rumemos então a Montemor-o-Novo, viagem que de Lisboa demora menos de 1 hora. Vindos da A6 há que sair para Montemor-o-Novo, na direcção do hotel L’AND Vineyards  (N 38º 38' 44" W 08º 14' 50"). Ver site do hotel.

 

  

 

O hotel bem integrado no meio da paisagem de vinhas

 

 

 

Muito bem integrado na paisagem, insere-se num espaço dedicado à vinha. Nos jardins que rodeiam os quartos há pequenos espaços-amostra das diversas variedades de vinha da região e na cave do hotel situa-se a adega que serve todo o complexo. Para relaxe total há ainda um spa de vinoterapia da Caudalie.

 

 

 

A "minha" sala e o "meu" tanque exterior
Foi considerado pela revista Travel & Leisure de Junho como um dos 50 melhores novos hotéis em todo o mundo. O espaço com decoração minimalista, mas muito calorosa, é à base de xisto e belíssimas madeiras. Os quartos não são quartos mas sim pequenos apartamentos com espaços exteriores próprios e que dão para uma lindíssima charca. O “meu” tinha grande sala com todas comodidades (nomeadamente duas coisas óptimas: máquina de café e wireless), casa de banho gigantesca, lareira exterior e um tanque no meio de um jardinzinho de papiros que podemos encher com água quente ou fria. 

 

 

 

 

A mesa do pequeno-almoço é deslumbrante

 

  

 

Produtos da região aligeirados por acompanhamentos vegetais. Experimentei as burras e o cachaço de porco de raça alentejana, ambas primorosamente estufados, sem recurso a vácuo. Os acompanhamentos do cachaço são os legumes miniatura e o das burras, a abóbora. Ambos aligeiram a tradição e completam pratos com muito sabor e profundas raízes tradicionais.

 

Para abrir

 

 

 

 

 O surpreendente gelado de betarraba com o respectivo crocante

 

    


 

            Degustação de doces conventuais

 

  

As sobremesas foram uma boa surpresa, sobretudo o mil folhas de requeijão e maçã verde com um fresquíssimo gelado de beterraba, cuja doçura natural e sabor a terra ganham muito na textura fria. Bem conseguida a degustação de doces conventuais com espuma de sericaia, gelado de arroz doce e folhinhas de poejo. O restaurante tem um menu de degustação e outro vegetariano e proporciona provas de vinho.

 

 

O observatório das estrelas sobre a cama

Ovos moles de Aveiro

Os motivos são de pintainhos, borreguinhos, coelhinhos e não apenas as tradicionais formas marinhas.

 

Perdoem-me a bem intencionada blasfémia, mas se as hóstias da Eucaristia tivessem recheio de ovos moles de Aveiro, a Igreja Católica não estaria decerto com falta de presenças na missa.

São um dos melhores doces feitos com ovos, talvez pela simplicidade absoluta da utilização de dois produtos apenas: gemas e açúcar, havendo quem lhes junte uma pitada de canela no fim. Não falando claro nas eventuais aldrabices que lhe introduzem farinha de arroz ou água da sua cozedura, para lhe aumentar o rendimento e a espessura textural. Segredos parece haver apenas dois: os ovos moles nunca se devem mexer em círculo, mas sempre em linhas direitas, de um lado para o outro, e a paciência deve ser em grande quantidade para não apressar o doce. Parece impossível como se pode chegar ao céu com tão pouco. 

 

 

Colocado em ponto de bola rija, o açúcar mistura-se já frio com as gemas batidas com uma faca. Voltam ao lume com cuidado e paciência.

 

Os ovos moles têm, claro origem conventual, das mãos contemplativas das Carmelitas que os criaram no século XIX. Não consigo decidir do que gosto mais, se de os comer às colherzinhas directamente da típica barriquinha pintada com os tradicionais motivos marinhos, se envolvidos nos moldes de hóstia. Já na eterna luta entre o chocolate e os doces de ovos, não tenho qualquer dúvida: para mim ganham sempre os doces de ovos. Há quem goste de os acompanhar com vinhos doces, como o Porto ou o Madeira, mas tenho para mim que a melhor companhia líquida é a simplicidade da água bem fresca, quase gelada.

 

 

Estes moldes vêm juntos em folhas de 12.

 

Antigamente, os moldes eram feitos pelos próprios fabricantes através da aplicação de formas sobre as folhas de hóstia; hoje esse trabalho é feito industrialmente e os desenho já não se limitam aos motivos marinhos a relembrar a ria e o mar, como podem ver nas fotografias. Está também em desuso envolver a hóstia em calda de açúcar, porque esta acaba por fazer sentir uma textura granulada na boca.

Estes que vos mostro são muito bons, dos melhores que tenho comido. Tenho pena, mas só lhes posso dizer que os comprei em Ílhavo. Se quiserem mais pormenores, só mais em privado.

 

 

 


A Rota das Estrelas no Vila Vita

Ofuscada com o brilho de 6 estrelas Michelin

 

Na cozinha do Ocean, havia bulício, mas do organizado. A brigada estava muito alargada, sobretudo a nível dos generais, que os havia em número de 4, a somarem 6 estrelas, das Michelin: os chefs Hans Neuner (da casa**), Dieter Koschina (Vila Joya, **), Benoît Sinthon e o pasteleiro Yves Michoux (Il Gallo D’Oro*) e ainda Ricardo Costa (The Yeatman*). 

 

 

Koschina aos comandos

 

 

Todos eles deitam mão a tudo, aos pratos próprios e aos alheios, que devem formar um conjunto harmónico previamente combinado em conjunto para mais este episódio da Rota das Estrelas, into the universe of fine dining and beyond. O que se preparava naquela cozinha era mais um dos sete jantares previstos para o ano corrente e que reúnem os chefs dos restaurantes portugueses com estrelas Michelin.

 

 

O meu fraco tempo de reacção não me permitiu apanhar o Casillas de frente.

 

os aperitivos, muito divertidos, estiveram a cargo de todos e acompanharam com um Blanc de Blancs, da Ruinart;

amuse-bouche de Koschina, com um Riesling Weingut am Nil, de 2011;

entrada, Hans Neuner, Fígado de ganso fumado, com Reserva especial branco 30 anos da casa Sta Eufémia;

carabineiro com molho de sépia de Benoît Sinthon com um Branco de 2011 da Herdade dos Grous;

Ovo a 62º, uma recriação das ervilhas com ovos de Ricardo Costa (Reserva Magnum de 2008 da Herdade dos Grous);

a carne, um novilho Nebraska Hereford (raça bovina americana com mais de um século), pela mão anfitriã.

 

amuse de lingueirão

 

amuse de frango, com almôndega em primeiro plano e a pele ao fundo

 

foie de ganso fumado, Neuner

 

Dos amuse-bouche, da autoria de Koschina, saliento pelo sabor, um chip bem crocante de tapioca e tinta de sépia que fazia de berço a um magnífico camarão, e ainda um outro, com uma almôndega de frango e a respectiva pele crocante pendurada num artefacto metálico, muito na linha do Grant Achatz, do Alinea.

A destacar uma fabulosa entrada de Neuner que, partindo de um clássico dos clássicos, foie sobre brioche, lhe introduz um gelado de fragoline (uvas com sabor amorangado), que numa primeira fase nos surpreende com a sensação de boca gelada para logo de seguida intensificar o gosto do foie. 

Falta fez mais um prato de peixe, já que estamos em cima do mar e no Algarve.

 

carabineiro, Sinthon

 

ovo a 62º, Ricardo Costa

 

novilho, Neuner

 

sinfonia da pérola do Atlântico, Michoux

 

o chapéu já desconchavado revela o interior de maracujá

 

Estas iniciativas que incluem todos estes chefs são extremamente agradáveis e positivas, boas oportunidades de convívio, enriquecimento e troca de impressões. E de grande alegria para quem tem a oportunidade de estar sentado à mesa!  

 

 

o mar do Vila Vita

Doces amarantinos: dos conventuais aos populares

OS FOGUETES DE AMARANTE

 

Como os doces de Amarante não são nenhumas lérias foi num foguete e com a ajuda de São Gonçalo e de uma brisa do Tâmega que soprava fresca que entrámos na Tinoca e nos pusemos na galhofa ao depararmo-nos com as ferramentas do dito santo, que afinal é beato. 

 

BRISAS DO TÂMEGA

 

Pois é, assunto tão sério os doces de Amarante e deu-me para aqui. Muitos deles tiveram origem nas níveas e santas mãos das Clarissas, aconventadas em Amarante. Eu sou grande fã de doces de ovos e se me derem um jarro de água fresca sou capaz de comer uma boa porção deles. Estando em Amarante, e estando a Lailai fechada há tantos anos embora a loja esteja ainda quase intacta, a opção lógica é a Tinoca, para onde foi parte do pessoal da Laialai.

 

CAIXA DE BOLOS DA TINOCA

 

Passado primeiro impacto que nos faz colar ao balcão dos bolos situado logo à entrada, vale a pena dar mais uns passos e tomar uma bebida nas mesas com vista para o Tâmega, um rio lindíssimo.

 

 


 

Passo a dar-vos a conhecer “pessoalmente” os que eu mais gosto. Comecemos pela estirpe conventual:

Lérias, à base de amêndoa, açúcar escuro e farinha trabalhados em conjunto, feita a massa num rolo que é cortado em rodelas grossas que vão ao forno e são passadas em calda de açúcar (ver receita Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lourdes Modesto)

 

LÉRIAS

 

Foguetes, canudos de ovos moles e amêndoa enrolados em hóstia e passados em calda de açúcar (ver receita Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lourdes Modesto) - FOTO NO INÍCIO

 

 

 

BRISAS DO TÂMEGA: os deliciosos barquinhos de bolacha recheados de ovos moles

 

 

 

SÃO GONÇALOS, os meus favoritos: queijinhos de ovos e amêndoa 

 

E finalmente os extraordinários e meus super-favoritos papos de anjo, uma espécie de pequenos rissóis de hóstia recheados com ovos moles e que nada têm a ver com os papos de anjo de Mirandela (que incluem doces de fruta)

 

PAPOS DE ANJO

 

Depois há os outros, os de tradição popular. São Gonçalo não é santo mas beato: Viveu e faleceu no século XIII em Amarante, sendo responsável pela construção da ponte de pedra ainda hoje de pé e com o seu nome. O santo homem vê uma parte da sua fisiologia que de pouco lhe teria servido transformada em bolo brejeiro através do carinho do povo: as ferramentas de São Gonçalo, doces de massa de farinha e açúcar, com ou sem recheio, semelhantes às galhofas.  Diz-se que este seria uma homenagem ao papel conciliador de desavenças matrimoniais do beato. Quem o come são sobretudo as mulheres, em geral como oferta amorosa do companheiro. Esteve este doce proibido por indecente durante os 40 anos, embora se tenha sempre portado como bolo da resistência, sendo confeccionado na clandestinidade. 

 

A FERRAMENTA DE SÃO GONÇALO

 

A mística deste doce tão popular está ligada a inúmeras quadras, como por exemplo as que lhe fez António Patrício e que deram um livro. Quis escolher uma para partilhar convosco, mas não consegui escolher. Comprem os bolos e o livro na Tinoca...

 

O LIVRO A CONDIZER

 

Rua 31 Janeiro 62 

4600-043 AMARANTE Amarante

255 432 907

 

Estética e harmonia na arte de Vítor Matos

Com o Vítor Matos

 

Foi durante muito tempo a estrela Michelin polar, a única que nos indicava o Norte, até se lhe ter juntado o Yeatman, no Porto. Fica situado em Amarante, terra de dois enormes vultos da nossa cultura, Amadeo de Sousa Cardoso e Teixeira de Pascoaes, mais precisamente na Casa da Calçada.

 

Um recanto da casa de jantar

 

Falo do restaurante Largo do Paço que tem à frente um chef extremamente inspirado, o Vítor Matos, um artista que desenha móveis e loiças e dá início ao processo criativo dos seus pratos em belos desenhos a lápis de carvão.

 

Um dos desenhos que fazem parte do processo de criação de um prato

 

Para almoçar, reuni um grupo de amigos, entre eles a Maria de Lourdes Modesto que, como sempre, bem disposta e glamourosa aguentou estoicamente a viagem de ida e volta no mesmo dia. Todos achámos que tinha valido a pena esta aventura que ainda passou pela compra de doces regionais (ver post seguinte). 

 

O grupo que fez 800 km num dia para ir almoçar à Casa da Calçada

 

O chef Vítor Matos pratica uma cozinha de forte componente estética que põe em cena uma panóplia de cores, sabores e texturas, nem sempre fáceis de combinar, mas que resulta numa cozinha de assinatura, isto é, pratos que podemos reconhecer como tendo saído das suas mãos. Confesso que houve alguns que tive pena de desmanchar, mas o apelo do “factor saliva” foi sempre mais forte! 

 

Foie gras des landes, trufa, creme brûlée, consommé de trufa Estivium ( o leite-creme, muito doce, estava deslocado)

 

 

Lavagante azul da costa glaceado com gel de ostras, redução de Pedro Ximenez e esferificação de sapateira

 

 

Carabineiro de sagres com o seu molho, puré de salsifis e toucinho salgado de porco preto (muita boa a ligação com o salsifis, demasiado intenso das cabeças de marisco o "seu molho")

 

 

Ovo a 62º, presunto bísaro, Boletus Edilius confitados em azeite e espargos

 

Este chef transmontano apoia-se muito no produto local e no seu habitat, com alguns, parcos, vestígios moleculares usados como técnicas de apoio e não como o centro do prato (estes últimos traduzem-se sobretudo no uso de espumas, raras esferificações - uma muito bem conseguida, a de sapateira - e gelatinas).

Produtos de luxo, como o foie gras ou a trufa de verão (Tuber aestivium), o lavagante e o carabineiro alternam com o porco bísaro, barriga e toucinho, e os legumes mediterrânicos da época. A sazonalidade é obrigatória na cozinha do Largo do Paço, e o menu inclui cerejas, ervilhas e favas, os primores da primavera. 

 

Ervilhas e vieiras, cappuccino de ervilhas, crocante de chouriço de Barrancos e vieiras salteadas, um dos meus favoritos

 

Cantaril dos Açores cozinhado em vapor aromático, esparguete de tinta de chocos, trouxa de coguemlos, chutney de manga, molho de crustáceos e caril de Madras

 

Gin mediterrânico, azeitona, manjericão, tomate e tomilho

 

O que mais me atraiu nos 12 pratos servidos foi a já referida profusão de ingredientes em combinações que, à primeira vista, parecem convencionais, mas que têm muito de original.

 

Gostei especialmente das Ervilhas e Vieiras, um revisitamento da clássica sopa de ervilhas com presunto que as vieiras “desfiguram” e dão uma graça muito especial, distribuídas sobre uma tira de massa que se empoleira artisticamente sobre a chávena do creme verde e substitui os clássicos croûtons.

Do meu especial agrado foram também o lavagante azul da costa com esferificação de sapateira e maracujá, a acidez deste a servir de contrapartida ao doce do xerez e a pintada, com todos os elementos muito bem equilibrados. Este último foi porventura o prato que maior coesão apresentou entre todos os sabores e texturas, numa lógica muito clássica. 

O tijolinho de porco bísaro tinha sabor extraordinário e a curiosidade de ser saboreável o leve acrescimento de aroma fumado à medida que nos afastávamos da base. Pena que a pele não possa ficar crocante devido ao processo da fumagem conforme me foi explicado pelo chef. A textura elástica é muito desapontante.

Curiosa também a combinação do carabineiro com o toucinho de porco bísaro.

Muito agradável e a funcionar em pleno o limpa-palatos de gin com toques mediterrânicos. 

 

Pintada, peito recheado com pistácios, morilles, molho de foie gras e cremoso de batata trufada

 

Porco bísaro fumado e confitado com molho de vinho tinto, gnocchi de castanhas, favas e cebolo

 

O capítulo sobremesas inaugurou com o charuto da Calçada, de delicioso sabor ao gianduja, uma brincadeira que resultou a nível afectivo e que, transportando-me para o tempo dos cigarros de chocolate, me levou a “fumá-lo”.  Bem sucedida a combinação das cerejas e das framboesas com o sabayon de espumante, embora o prato físico não a valorizasse muito.

 

Charuto da Calçada

 

Iogurte caseiro e maracujá

 

Cerejas e espumante rosé Lago Cerqueira salteadas com sabayon de espumante, macaron, sorvete e bombom de framboesa

 

Óptimo serviço de mesa numa casa de jantar extremamente confortável e com luz extremamente agradável. Não posso deixar também de referir a extrema simpatia do director de marketing, João de Oliveira, que nos recebeu de braços abertos.

 

Mignardises

 

Todos os pratos que provei neste menu de degustação fazem parte do menu de Primavera/Verão. De realçar ainda os interessantes vinhos, alguns de produção local (Casa da Calçada), que foram servidos com o almoço e o Oboé Grande Escolha 2005 DOC Douro (http://cvdvinhosdouro.pt/Index.html). 

 

Os vinhos da casa da Calçada que foram servidos no almoço


Protejam o pastel de nata, espécie ameaçada, ou a cereja no fundo do bolo

 

 

 

Mais um produto que quer vingar através da apropriação de um nome que já representa um valor adquirido, ainda por cima vindo da Escola de Hotelaria do Fundão. Depois do caso emblemático das alheiras, que actualmente se pretendem de soja, de bacalhau, vegetarianas (embrulhadas em material transparente sintético) e que são um verdadeiro tiro no pé para os respectivos produtores uma vez que desvalorizam o seu produto original, a simplesmente alheira, surge o caso do pastel de nata de cereja. Caso não virgem, visto que já existe o pastel de nata de chocolate.

O raciocínio é o seguinte: temos cerejas para promover no Fundão, porque não aproveitar o pastel de nata cujo nome já é marca no estrangeiro para fazer um híbrido? E porque não meter cerejas no Vinho do Porto, que já está consagrado no exterior? Ou já agora para fazer cruzamentos entre sardinhas ou porcos de raça alentejana e cerejas?

O valor do nosso pastel de nata reside sobretudo em dois elementos que fazem a diferença em relação aos bolos similares do resto da Europa: a simplicidade da custarda do recheio e o tipo da massa que o envolve. Lembro-me bem quando era miúda da existência do “bom bocado”, uma espécie de primo muito europeu do pastel de nata com uma casquinha mole de massa quebrada e um recheio semelhante mas com sabores a citrinos e com eventuais cerejas enterradas. Coitado, tinha tudo o que nós não queremos num pastel de nata: a massa mole, quando o que é bom é sentir o crocante, os sabores acitrinados do recheio, quando o que nós queremos num pastel de nata é mesmo a neutralidade do sabor a “nata”.

Se quiserem mesmo estragar o pastel de nata e dar cabo das maravilhosas cerejas do Fundão façam o tal híbrido, exportem-no com o nome de pastel de cereja ou de pastel do Fundão, mas não mexam com o nosso pastel de nata. 

Tylney Hall, um hotel no meio do campo

As traseiras do Tylney Hall.

 

O parque das traseiras.

 

Quando vou a Londres, cada vez gosto mais de ficar fora da cidade, no meio do campo, em hotéis escondidos nos frondosos e relvados parques. Foi numa destas mansões-hotel, o Tylney Hall, em pleno Hampshire, que fiquei quando fui ao Pollen Street Social. O próprio hotel, datado de 1898, é uma caixa de surpresas. As áreas comuns fazem-nos sentir very Upstairs, Downstairs.   

 

As caminhadas no parque são muito românticas, mesmo quando caminhamos sozinhos.

 

Este é o caminho que nos leva do hotel para a estrada, uma boa caminhada de uns 10 minutos.

 

Por outro lado, é um entretém visitar as aldeias, as lojas e os pubs dos arredores.

Ir para Londres é simples e rápido, basta apanhar o comboio na vizinha estação de Hook.

 

Uma das lojinhas de Hook é propriedade de uma .org e vende artigos em segunda mão, nomeadamente óptimos livros.

 

http://www.tylneyhall.co.uk/

As lulas do Pollen Street Social

A mesa do chef ou Social Room.

 

 Jason Atherton saiu do Maze (Gordon Ramsay) para abrir este restaurante de fine dining bastante informal, cuja inauguração foi justamente a festa da Academia dos 50 Best, em 2011. O Pollen Street Social é um restaurante urbano, com vocação nitidamente socializante, e sobretudo muito completo. É fácil perdermos a conta ao tempo e passar lá dentro 5 ou 6 horas, desde que se começa com umas bebidas no bar, servidas a preceito por imaginativos barmen, até que se acaba no balcão das sobremesas, servidos pelos pasteleiros, ao mesmo tempo que observamos o movimento da cozinha, ou até falamos com o chef, sempre muito presente.  

 

Um ponche bem colorido no bar.

Este bloco de gelo é picado directamente para as bebidas.

 

 

 

 

 

 

A decoração traduz o estilo urban: madeiras, vidraças e pele, tudo muito branco, e um balcão de serviço a dividir longitudinalmente a casa de jantar. Simpatia extrema do pessoal de várias origens e cores, sempre em movimento transportando os pratos em gigantescas bandejas. O serviço pode dizer-se informal, mas com toques de alta, como a mudança de guardanapo sempre que alguém se levanta. Tive a sorte de ficar sentada num confortável chesterfield colado a uma das paredes, e ao lado de um par de simpaticíssimos "lads" que alegraram a minha refeição solitária. Um era do ramo, dono de uma cadeia de pubs, o outro marketeer. 

 

Os dois "lads". Na opiniao deles o restaurante é um pouco caro face à concorrência.

 

Mas passemos então ao core businness (hoje estou para os anglicismos...). 

Para começar um peito de codorniz com uma escolta da cenoura mais saborosa que já comi. 

 

O peito de codorniz com a saborosíssima cenoura.

 

E vem o seguinte: um salmão marinado com salicórnia que cumpre bem e que deixa perceber sem disfarce os sabores do peixe selvagem. 

 

Mas é o terceiro prato que me convence e que seria suficiente para eu voltar ao Pollen Stret Social todas as semanas e sempre para o saborear. A base são as lulas cortadas (depois de congeladas) do tamanho de grãos de milho e envolvidos num creme, e a couve-flor em lascas finérrimas. A complementar, um caldo de lula e vários crocantes negros de nabo e de arroz tufado passados na tinta dos moluscos. Fui suficientemente expressiva sem acrescentar aquelas expressões detestáveis do ir ao céu etc?

 

O creme que envolve as pérolas de lula é visível como segunda camada, debaixo das lâminas de couve-flor. Um prato extraordinário.

 

A seguir, um halibute com puré de pimentos e umas bochechas de vaca e língua do mesmo animal com puré de batata. Confesso que, depois das lulas, nada poderia ter história. 

 

 

O halibut. O telemóvel é extra...

 

A textura da bochecha bem visível à esquerda, a língua à direita.

 

Fomos então convidados a passar para o balcão das sobremesas, onde se assiste à sua preparação ao vivo, e onde podemos ver a cozinha em pormenor através de uma vidraça de ponta a ponta.

 

 

A cozinha é de aço com uns puxa-ar gigantescos no tecto que não fazem barulho.

 

As sobremesas tinham todas uma agradavel ponta ácida, quer a de ruibarbo, quer até a recriação do rice pudding, devido à complentariedade de uma gelatina de lima. 

Rice pudding.


Ruibarbo com gelado.

 

No fim, a felicidade de ter comido aquelas lulas levou-me a ir abraçar carinhosamente o Jason, que já conhecia de uma belíssima exibição no Madrid Fusión de 2010. 

 

eu com um ar profundamente reconhecido pelas lulas.

 

O menu do almoço prix fixe com entrada, prato e sobremes fica em 23,5 libras mais bebidas e serviço. A lacarte, as entradas todas acima das 10 libras e os pratos acima das 20. 

 

O restaurante tem ainda a curiosidade de ter à vista um frigorífico de maturação de carnes. 

 

 

Pollen Street Social,  8/10 Pollen Street,  London W1S 1NQ  Tel. +44(0)20 7290 7600 

Site   http://www.pollenstreetsocial.com

Cheesecake básico com framboesas

Cheesecake com framboesas

 

Hoje estou numa de receitas. A propósito do menu do almoço com as meninas dos blogues e a MLM, aí está outra receita, também facílima, de um bolo de origem estado-unidense de que gosto imenso: o cheesecake básico, o que vai ao forno) que enriqueço sempre com o nosso belissímo requeijão de Seia.

 

O recheio fica muito homogéneo e cremoso.

 

 

Base

1 pacote de bolachas de aveia

80 g de manteiga mole

1 pitada de sal

 

Costumo triturar a bolacha na Bimby e juntar a manteiga e o sal. Fica rapidamente pronto. Forrar só a base e untar os lados de uma forma de fundo amovível ou o fundo e os lados.

 

Recheio

1 caixa de queijo creme Philadelphia normal

1 requeijão de Seia ou de Serpa, ou outro em não havendo

1 lata de leite condensado

4 ovos grandes

raspa e sumo de meio limão

1 colher de sobremesa de maisena

1 pacote de natas

 

 

 

Pré-aquecer o forno a 160ºC.

 

Bater o queijo creme na batedora e juntar o requeijão passado numa peneira ou bem esfarelado com as mãos.

 

Adicionar o leite condensado e os ovos inteiros um a um. Juntar o sumo e a raspa de limão.

 

Desfazer a maisena num pouco de natas e misturar um pouco mais. Deitar na batedora com o resto das natas.

 

A mistura fica bastante líquida. É mesmo assim. Deitar na base de bolacha e levar ao forno aquecido durante cerca de 40 minutos. Espetar um palito no centro e ver se sai seco.

 

Nota: a maseina serve para evitar que o cheesecake abra as características rachas na superfície. Se não tiver maisena, use farinha de trigo.

 

Cobertura

Doce de framboesa

2 colheres de sopa de vinho do porto

1 caixinha de framboesas

 

Misture o vinho do porto no doce e espalhe sobre o cheesecake morno. Quando frio, enfeite com framboesas frescas.

Cozido de cascas e butelo: a receita da Justa Nobre

Dois butelos diferentes.

 

Há cozidos em todo o mundo, eu sei. Mesmo no nosso país, há vários. o que os distingue verdadeiramente é a origem dos ingredientes já que estes em si são semelhantes, mais aves ou mais vaca, mais ou menos leguminosas, mais ou menos couve. O barrosão, que leva carnes fumadas,  será talvez o mais particular. Mas mesmo diferente é o cozido de cascas ou casulas com butelo. Há várias maneiras de o fazer: há quem coza todos os ingredientes juntos e quem os coza separadamente. Há quem junte chouriças de sangue e linguiças, há quem o enriqueça com entrecosto e entremeada.

Quem me ensinou a fazê-lo foi a Justa Nobre, que explica tudo objectivamente, como nós mulheres gostamos. É um prato de Inverno, mas não pesado. Sobretudo é um prato inteligente que recorre a ingredientes sujeitos a diversas formas de conservação; o fumo e a secagem. As cascas ou casulas não são mais que uma forma de conservar o feijão para o resto do ano através da secagem das vagens, aprisionados os feijões no seu interior. O butelo, ou butielo, ou bulho ou chouriça de ossos é um enchido considerado inferior, porque aproveita a parte da espinhela (suã) com saborosas e texturosas carninhas que a esta vêm agarradas. Mas não fica por aqui o aspecto exótico deste enchido: a embrulhá-lo, usa-se o estômago ou bucho e até a bexiga, o que lhes confere forma invulgar pontuada pelas excrescências dos ossinhos. Garanto a quem não provou que é delicioso, sobretudo se não estiver abusado de colorau.

Mas aqui vai a receita, facílima, para fazer num fim-de-semana.

 

As cascas ou casulas de molho.

 

 

Butelo com cascas

 

500 g de cascas ou casulas para 1 butelo grande

300 g de entremeada e entrecosto ou 1 linguiça 

8 batatas

azeite virgem extra transmontano

 

1) Põem-se as casulas de molho de véspera. Há quem aproveite a água, mas os prós e contras são os mesmos da feijoada. Se possível, catar o maior número de fios do feijão.

2) No outro dia contar com 2 horas para toda a confecção. Começar por pôr o butelo a cozer na água a ferver. Esta operação irá demorar, no mínimo, 1 h 30 m.

3) Noutro tacho, ferver água com sal e deitar as cascas escorridas. A cozedura das cascas verifica-se também através dos feijões. Em geral, esta cozedura demora pouco mais de 1 hora.

4) Cozer também entrecosto e entremeada cortadas em pedaços juntamente com batatas.

5) Escorrer tudo e servir bem quente regado com um azeite transmontano. 

 

Faltou aqui uma boa batata transmontana.

Vila Joya entra para os 50 BEST

 

Dieter Koschina e o Vila Joya estão de parabéns por várias razões. Em primeiro lugar por terem entrado directamente para o 45º lugar da classificação dos 50 Best Restaurants, da revista Restaurant, actualmente uma das mais populares em todo o mundo. em segundo lugar, por ser o primeiro restaurante português a entrar para esta classificação que muito nos orgulha.

 

Entre os 10 mais votados, estão três estado-unidenses (PER SE, Alinea e Eleven Madison Park) e três espanhóis (Celler de Can Roca, Mugaritz e Arzak), um brasileiro (DOM), o primeiro de todos, o dinamarquês Noma, e um itliano (Osteria). Como se vê, nenhum francês, o primeiro dos quais está em 12º e é o Atelier Saint Germain do Joel Robuchon. Entre os 30 e os 40 há um peruano e dois mexicanos, sinais da importância que estes dois países, sobretudo o México, têm vindo a assumir no panorama mundial. A lista revela o heteroclitismo que caracteriza actualmente a cozinha.