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Conversas à Mesa

Vinhais ou a Fina Flor do Enchido (título por José Quitério)

O porco bísaro

 

Em cima da mesa está quase uma centena de salpicões, todos eles para classificar. No júri do concurso para encontrar os melhores salpicões de vinhais estão seis pessoas de varias proveniências, desde uma produtora até uma professora universitária, passando por uma veterinária e pela minha pessoa.  Dado que há 3 dias não comia outra coisa senão fumeiro e que acabáramos de almoçar um cozido de cascas com um magnífico presunto, butelo e chouriça, eu estava mesmo no ponto para chafurdar nos salpicões e encontrar o vencedor, ou seja, aquele que da melhor forma expressava o arquétipo da zona de VInhais: a quantidade certa de vinho e de fumo e a presença do lombo, a carne mais desejada do porco, que também se quer o mais bísaro possível. Lá me fui aguentando até ao fim da prova, mas quando julgava ter acabado, eis que surgem de novo quatro salpicões que tinham ficado empatados...

 

uma ninhada com 4 ou 5 meses

 

Vinhais é um concelho exemplar no que ao fumeiro e ao bísaro diz respeito graças ao casamento entre a associação dos produtores de porco bísaro (ANCSUB) e a Câmara Municipal (a sua secretária técnica, eng. Carla Alves, uma mulher extremamente dinâmica, é casada com o presidente da Câmara). A feira é tão popular que a RTP fez de lá dois programas em directo.

A maioria dos produtores tem cozinhas de fumeiro certificadas e a maioria dos enchidos está apta a receber protecção jurídica (IGP), embora eu não tenha visto muitos enchidos com os respectivos selos. Pelo que percebi, como o fumeiro que vai à feira está quase todo vendido, os produtores não gastam dinheiros nos selos de certificação daqueles lotes. 

 

Com a Dona Elísea, uma produtora com mais de 80 anos.

 

São precisas diversas condições para que os enchidos possam receber a Indicação Geográfica Protegida, como por exemplo, as condições das instalações e o porco ser bísaro ou cruzado com este. O porco bísaro estava em força em Vinhais e até houve um concurso para eleger o mais bísaro dos bísaros. Aqui estão alguns dos exemplares que concorreram. São lindos os bísaros, uma espécie de arquétipo do porco, corpo cor-de-rosa com manchas acinzentadas, pernas muito direitas e altas, nariz arrebitado e, sobretudo, aquelas fantásticas orelhas. Mas o que realmente mais me atrai no bísaro é o marmoreado da carne, que não sendo gorda, tem um sabor muito especial. E pensar que nos anos 80 esta raça ficou quase extinta devido aos cruzamentos com porcos comerciais ou de crescimento rápido (raça pietrain)! Viva o bísaro, viva este porco que é um tronco da raça celta.

 

 

 

O fumeiro de Vinhais: atrás, as alheiras. à frente: sangueiras, chouriças de carne e salpicões.

Na cozinha do Paço de Calheiros: atar e pôr ao fumeiro

Ponte de Lima ao entardecer (foto do Mário Cerdeira)

 

Depois de termos assistido à produção da chouriça de cebola no Minhofumeiro, quisemos ter também uma perspectiva completamente artesanal. Calhou que no Paço de Calheiros estavam também e encher chouriças de cebola e chouriças de carne. Fui convidada pelo Francisco, Conde de Calheiros, o proprietário deste lindíssimo solar que faz turismo de habitação, para participar na função, que teve lugar na cozinha velha. Aqui pontificam uma pantagruélica lareira e dois igualmente pantagruélicos potes de ferro (lá em cima é pote que se diz, não panela). É aqui que desde sempre se faz o fumeiro, com os enchidos para cnsumo da casa.

 

A cozinha "nova" do Paço de Calheiros.

 

Os potes de ferro na lareira da cozinha velha, com ramos de louro a arder para dar aroma ao fumeiro.

 

 

 

O ambiente da cozinha velha era de tal forma agradável com 4 lindas e alegres minhotas a trabalharem que resolvi dar uma mãozinha a encher chouriças. Não me saí mal, já que não rebentei nenhuma tripa, o que obriga, em geral, a repetir toda a operação.No que diz respeito a atar as chouriças com o fio de algodão, achei melhor abster-me, deixando a tarefa para quem sabe. Mas lá chegarei.

Em termos de técnica, a preparação dos enchidos é feita do mesmo modo há muitos séculos e necessita de pouquíssimos utensílios: uma faca, o funil (ou funila) e uma agulha para picar. A grande mudança terá sido a utilização do colorau (pimento, pimentão), que só chega à Europa depois dos Descobrimentos.

 

 

 

O fumeiro na lareira da cozinha velha.

 

O Mário Cerdeira apanhou-me a encher chouriças.

 

No entanto, é curioso ver como há pequenas diferenças na técnica do enchimento de região para região e até de casa para casa. Cada mulher tem um saber fazer, em geral herdado, e não gosta de o alterar. É quase um ritual que deve ser seguido passo a passo para que o resultado seja sempre o mesmo. A cozinha tem destas coisas, tão depressa ansiamos pela novidade como precisamos de mais do mesmo.

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