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Conversas à Mesa

Bandeira amarela no Mariana de Afife

Praia da Gelfa
É notável a alegria e determinação das crianças nos cortejos das festas da Senhora da Agonia

Estando em Viana do Castelo para as festas da Senhora da Agonia com amigas vianenses, e beneficiando de um tempo agradavelmente suave para Agosto, resolvi dar uma folga à minha dose de bombos, cabeçudos e trajes de lavradeira, e sair do percurso Avenida - Praça - Jardim, para respirar umas golfadas de ar atlântico. Como me encontrava instalada na casa Melo Alvim, com uma situação ideal para quem quer ficar no centro das festas (mesmo no topo da Avenida), há 3 dias que nem pegava no carro, mas estava na hora de sair do barulho e da trepidação.



 

A vista da varanda do hotel Flor de Sal, mesmo em cima do mar



 

Mais uma vista do Flor de Sal



 

Com ganas oceânicas, resolvi sair para dar um passeio pelas praias ao norte de Viana, sempre pela costa. Gostei especialmente da praia de Gelfos, no meio do pinhal. Mas foi em Afife que parei para provar aquele que já vem sendo célebre e que há muito me recomendavam, o robalo cozido em algas do restaurante Mariana. As minhas referências mais recentes deste tipo de prato (Bertílio Gomes e José Avillez) eram difíceis de bater, mas o facto do afifense ser um prato "zero quilómetros", com o robalo a ser pescado naquelas águas frias e as algas apanhadas nas praias, dava-lhe fortes possibilidades de se alinhar no pódio para uma medalha. 




 

Praia da Gelfa




O ex-sanatório da praia da Gelfa era fabuloso para um hotel...



 

Os sargaceiros no Museu do Traje em Viana. Vale a pena visitar.


 

 

O caminho que fiz metendo por todas as estradinhas que tivessem praias na ponta trouxe-me o mood certo para o robalo. Vi pescadores à linha nas rochas e sargaceiros a juntarem as algas em montículos, para secarem. Deu-me também para reflectir sobre as características atlânticas da nossa alimentação. Fora do Alentejo, Algarve e alguma parte da Estremadura, a nossa alimentação tem características profundamente atlânticas, sendo dominada pelo peixe da costa, de águas frias e profundas plataformas continentais. Na costa norte, em redor de Viana do Castelo, as hortas, sobretudo de brássicas, são plantadas nas masseiras, covas feitas na areia das dunas adubadas com caranguejos, o pilado, e algas, que lhes emprestam sabor muito especial. A carne, principalmente de vaca, e os lacticínios são uma herança celta à qual o nosso povo juntou uma nítida preferência pelo azeite e pela banha em detrimento da manteiga.



 

As mesas do Mariana



As cataplanas em lugar de destaque sobre a montra do peixe



 

Quando cheguei ao Mariana e me sentei à espera do robalo cozido em algas para 5 pessoas que tinha encomendado de véspera (manobra essencial) tinha alguma expectativa. Fui-me entretendo com a observação do restaurante.  De tamanho razoável,  espalha-se por várias salas, sendo bastante fechado de luz e vistas. A clientela senta-se em bancos corridos, felizmente com apoio dorsal. A decoração é a trivial, com cortinas compridas estampada a galos de Barcelos, tectos com falso travejamento de madeira e, vejam lá, vários conjuntos de cataplanas. Aproveito já para falar no serviço que, com casa supercheia, foi eficaz, cumprindo os mínimos de simpatia. Para fazer cama, e visto que não havia entradas, pediu-se uma sopa de legumes, apresentada em terrina e concha. Belíssima sopa com guarnição de vários legumes, sobretudo alho-francês. 

E finalmente lá veio a ansiada travessa com um lindo e grande exemplar de robalo rodeado a bombordo de bela batata cozida e a estibordo de saboroso feijão verde finamente cortado. Qual não é o meu espanto quando vejo o bicho golpeado a intervalos regulares e outras tantas meias rodelas de limão enfiadas nas ranhuras. Eu que o tinha imaginado num leito de bodelha, a rescender a iodo, ou rodeada pelo sargaço, fiquei confusa, mas não me deixei derrotar. Como me tinha calhado fazer as honras, fui tentando cheirá-lo disfarçadamente, cheirava bem, mas nada dos esperados aromas iodados. Chegada a hora da primeira garfada, o robalo estava fresquíssimo, sabor irrepreensível, grau de cozedura acertado, mas nada daquela sensação "José Bento dos Santos" de o oceano Atlântico a entrar pela nossa boca dentro com uma explosão iodada.


 

O robalo



 

Caso me tivesse esquecido da história das algas, teria saído satisfeita por ter comido um bom robalo. Naquele dia, como a casa estava muito cheia, não achei oportuno esclarecer o assunto, mas no dia seguinte falei com o simpatiquíssimo Sr. Aires, proprietário e cozinheiro, a quem agradeço a atenção de me ter contado toda esta história, que vos passo tal qual. O Mariana, originalmente uma pequena barraca, foi baptizado com o nome da mãe deste senhor, ainda hoje viva, e tinha como especialidade o bacalhau. Há cerca de 30 anos, quando o Sr. Aires resolveu tomar conta do restaurante, aumentou-o e mudou de estratégia, esquecendo o bacalhau e passando a servir o peixe da costa. A sua aposta era, como ainda hoje, na frescura. Servia então o peixe envolvido em bodelha, numa cozedura lenta no vapor nesta alga muito iodada. Porém, como este prato demora muito a fazer, e no Verão há muito movimento, optou por outra confecção: faz um caldo de sargaços, em que, depois deste coado, coze o peixe. Foi este o procedimento sofrido pelo robalo que eu comi. Segundo me disse o Sr. Aires, este sabor das algas é mais intenso em peixes com peso superior a 3 kg, uma vez que estes suportam um tempo de cozedura mais prolongado. O peixe cozido na bodelha, confecção muito morosa, ainda o faz no Inverno, quando há menos clientela e mais vagar, embora seja sempre necessário encomendar. Ficaram esclarecidos? Pelos vistos este restaurante é de bandeira amarela: tem de se ir com cuidado. Com espírito de bandeira amarela tenciono voltar lá no Inverno, para o robalo cozido na bodelha.


 

Os cuidados desenhos de canela 


 

A sobremesa foi um bom arroz doce com poucas gemas reunindo as três condições que me agradam: cremosidade, sem doçura em excesso e o arroz em textura que ainda se faz sentir ao dente. É assim que eu gosto. Belos motivos de canelografia (desenhos e escrita com canela).

 

 

Mariana

 

Estrada Pedro Homem de Mello nº 42

 

4900-012 Afife

 

 

Telefone 258981327

 

 

 

Sopa de legumes 1,90 euros

 

Robalo para 5 pessoas em quantidade suficiente para 6 - 110 euros

 

Os pratos de carne, grelhados ou fritos, rondavam os 19 euros (bifes e costeletas)

 

Por encomenda

 

Partilhada de marisco

 

Caldeirada

 

Peixe ao sal

 

Galo com cogumelos e natas (coq au vin)

 

Lampreia de Janeiro a Março

  

Aconselhável reservar. Fica a 15 minutos de Viana do Castelo