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Conversas à Mesa

A passagem de testemunho no Galito

A encharcada

Desta vez vou começar a falar-vos de um almoço no Galito do fim para o princípio, da sobremesa para as entradas. Primeiro porque não resisto à encharcada e, sobretudo, ao fidalgo que aqui fazem. A encharcada tem a boa consistência que deve ter: não é demasiado xaroposa e sentem-se os “caracolinhos” dos ovos cozidos no açúcar. O fidalgo, feito com as placas das trouxas de ovos no interior das quais se esconde um reforço de ovos moles, tem aqui um bom reforço de trouxas, todas elas muito bem alinhadas em planos horizontais. Dois doces a não perder neste restaurante; se tiver dúvidas na escolha, peça metade de cada. 


O fidalgo (esta foto é minha, vê-se logo que não é do Mário...)

Em segundo lugar, começo pelas sobremesas porque há muito tempo que me anda a fazer confusão ouvir tantas pessoas a queixarem-se da excessiva doçura da maioria dos doces conventuais. Que é possível tirar cerca de uma quinta parte do açúcar de alguns deles, já o ouvi dizer à Maria de Lourdes Modesto e já há quem o pratique. Mas, por favor, deixem-nos comer uma sobremesa descansadamente, sem que venham logo os palavrões das calorias, do açúcar, da diabetes, do colesterol e outros que não devem ser mencionados à mesa, tal qualmente como também não se fazem outras coisas menos próprias. Curiosamente, algumas dessas pessoas aderiram a uma recente importação dos EUA, o Starbucks café, onde se comem as piores e mais nocivas tretas que os americanos fazem e onde se servem beberagens cheias de gorduras das natas e calorias dos açúcares, como os frappucccinos e outros que tais, onde o galão se chama latte e, pior ainda, onde para beber uma bica temos de dar o nosso nome. Nossa Senhora nos valha. Provavelmente também venderão outra saloice altamente calórica e redundante que dá pelo nome de cupcake, um péssimo queque coberto com cremes de barbear cheios de corantes e ao qual vejo muita gente rendida.


As pataniscas

Ora é justamente pela defesa e manutenção da nossa cozinha que restaurantes como o Galito se tornam referências importantíssimas. Vamos então a ele. À frente deste restaurante de comida do Alto Alentejo esteve durante anos e anos a Dona Gertrudes. Esta foi a primeira vez que lá fui já depois da passagem do testemunho para o seu neto Leonardo, daí a minha curiosidade para ver como estava o novo cozinheiro a sair-se. 



 Com a Dona Gertrudes, admirável cozinheira e simpática senhora

 

Não vou fazer suspense, gostei e vou continuar a lá ir. Pelo menos enquanto o pai, o Sr. Henrique continuar a “controlar tudo o que vem da cozinha, não vá o rapaz lembrar-se de fazer modernices”. O “rapaz” fez a escola hoteleira e parece ter aprendido a lição com a avó, continuando a valorizar as preparações lentas e simples e os bons produtos.


O Sr. Henrique, filho e pai, é a espinha dorsal do Galito


Logo para começar, as empadinhas de javali estavam magníficas, massa impecável, recheio no ponto, nem seco nem demasiado cremoso. Depois, como éramos quatro à mesa, foram chegando pratos. As pataniscas estavam com a espessura de que eu gosto. Quando ficam demasiado finas, como agora se vão encontrando por aí, altera-se a razão fritura/recheio em detrimento do sabor deste. O gaspacho, a preceito, abriu muito bem a refeição. 


O colorido gaspacho alentejano

 

 

 

O calor da sopa de beldroegas, que estavam na sua época, tinha derretido o queijo quase todo, pelo que pedi nova ração, prontamente trazida. As beldroegas estavam muito "em molho" em vez de espalhadas pela sopa.

O cação frito recebeu um acompanhamento de amêijoas à Bulhão Pato, saboroso, mas talvez um pouco fantasioso. 


O borrego como deve ser, boa carne, boa batata, muita discrição.


O prato que menos gostei foram os pezinhos de coentrada que, talvez por falhos em acidez e sal ou pela qualidade deles, se tornaram enjoativos. Mas devo dizer que o comensal que os encomendou os achou bem confeccionados.


Das sobremesas falámos logo na entrada. A carta de vinhos, sempre muito rica. Os cafés foram tomados na mesa do pessoal da casa, com a agradável companhia da Dona Gertrudes, que costuma aparecer amiúde. 



Já na mesa da casa, no fim do almoço. Só falta o Mário Cerdeira, ocupada a tirar a foto!



A cozinha alentejana fez-se à base dos sabores das ervas e dos condimentos que compensavam genialmente a escassez de produtos-base nobres. Quando nessa cozinha se introduzem bons peixes e belas carnes, torna-se sem rival. Estas palavras do fim são para o neto Leonardo: há coisas que não precisam de ser mudadas; há coisas que não devem ser mudadas.


Obrigada ao Mário Cerdeira pelas fotos.

 

 


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