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Conversas à Mesa

Viagem ao Peru no Tivoli

Sempre me fez confusão que os Peruanos tivessem um presidente de ascendência japonesa, o Alberto Fujimori. Hoje percebi que ele é o resultado do gosto que os peruanos têm pela fusão, bem expresso na sua cozinha. Hoje, porque almocei no Tivoli, a convite do hotel, que estreava uma Semana peruana prolongada: de 15 a 25 de Novembro em colaboração com a embaixada do Peru, o chef Adolfo Perret (Restaurantes Punta Sal) vai mostrar aos Portugueses a cozinha do seu país.





O chef Perret prepara o ceviche




Há uns anos atrás, os Peruanos resolveram apostar na cozinha para atraírem o turismo e fizeram um grande investimento em escolas de hotelaria, tendo espalhado os seus cozinheiros pelos melhores restaurantes de todo o mundo, a fim de trazerem bons ensinamentos de volta. Têm actualmente um dos mais conhecidos festivais gastronómicos do mundo, o Mistura, e um dos chefs mais populares, Gastón Acurio. Paralelamente, valorizaram todos os seus produtos e os pequenos produtores, integrando-os na cadeia criativa.




 

 

Ceviche e milhos



A cozinha peruana é considerada um bom exemplo de fusão. Dos Incas ficaram as mais de 4000 variedades de batata e quase outras tantas de milho, a malagueta e a quinoa. Os espanhóis trouxeram o alho e a cebola, de África veio o inhame e de Itália, as massas. Os Chineses contribuíram com o arroz, o molho de soja e o wok. Os últimos a chegar, os japoneses, reforçaram o gosto pelo peixe cru e a filosofia do sushi.




 

Ceviche de garoupa com batata-doce e milhos




Os produtos que servem de base à cozinha peruana provêm da sua extensíssima costa de águas frias (belíssimos peixes e mariscos), da montanha e da selva amazónica.

A intenção do almoço preparado pelo chef Perret foi servir pratos que mostrassem todas essas influências e que incluíssem o maior número desses produtos. Foi bem sucedido, e conseguindo conservar alguma harmonia trouxe-nos uma interessante paleta.



 

Rolo de batata com caranguejo e cenoura e fritura de bacalhau




Tudo começou na cozinha, onde se foi bebendo pisco e assistindo ao vivo à preparação do ceviche de garoupa, que se come intervalado com milho frito crocante, aberto num tacho em óleo vegetal (coloca-se o milho cru e óleo vegetal até metade da altura, vai a lume brando, mexendo sempre até ficar crocante). Foi o nosso primeiro prato e acompanhou com batata-doce cozida em sumo de laranja. Ao lado, um delicioso rolo de batata amarela recheada com cenoura e caranguejo. Em seguida, mais um par, o lomo saltado (uma espécie da nossa jardineira feita por chineses porque é salteado e leva molho de soja) e um quinotto (risotto de quinoa) de legumes com três variedades deste saudável cereal indígena, que tinha sido substituído pelo trigo, mas que vem sendo recuperado. Tudo sabores harmónicos e suaves, que o nosso palato português nem sequer sente como estranhos.



 

       

 









 

 


                              Quinotto e lomo saltato




A terminar, surpresa, uma ponderacion, que não é mais que uma filhós de forma, mas muito alta e em espiral. Que bem lhe ficavam o coulis de morangos por cima.




 

 

Ponderación com manjar de gemas e coulis de frutos vermelhos


 

O almoço peruano abriu-me o apetite para provar mais. Obrigada ao Tivoli por esta oportunidade e ao chef Perret, também pela simpatia. Uma experiência interessante, possível até ao dia 25.




Almoço executivo, 3 pratos - 25 euros por pessoa, sem bebidas

Reservas Tivoli: 213 198 934


Atenção, agora a rua do Tivoli só sobe. 


 

 




 

Sabores do ar e do fogo

A terminar este livro, recordo aqui alguns momentos especiais.
Em primeiro ligar, a prova das chouriças, em Videmunde, nas Beiras. Antes de encher, os pedaços de carne que estão no alguidar a temperar são enfiados em espetos e assados nas brasas, para avaliação. O sabor é muito especial. 


Um dos melhores enchidos que provei, a copita ou cupita, uma paio da melhor parte do cachaço, na Barrancarnes, em Barrancos. Parece feito de veludo. 



A encher chouriças no Paço de Calheiros, uma lindíssima casa de turismo de habitação em Ponte de Lima. Foi bom meter a mão na massa. 






Os companheiros

Marmelos no São Martinho

Hoje é dia de São Martinho e de castanhas, mas para mim foi dia de dar andamento aos marmelos, melhor dizendo, às gamboas, que tinha trazido de Campelo, na serra da Lousã. O perfume que está na minha casa leva-me sempre às marmeladas da minha infância e traz-me de volta a minha mãe.

Descasquei, cortei em quartos e retirei as sementes a uma parte das gamboas e pus tudo de lado para a geleia. Dispus os quartos no tabuleiro do forno, cobri com  açúcar amarelo (pouco), paus de canela, umas gotas de água e vinho do Porto. Forno a 180ºC, durante cerca de 1 hora, ou até estarem no ponto de cozedura que mais lhes agrada.



 

 




Ponho-lhes pouco açúcar por duas razões. Primeiro porque uma certa acidez fica-lhes bem quando os sirvo como acompanhamento de carnes, porco ou caça. Segundo, porque quando os quero para sobremesa, acrescento-lhes geleia ou sirvo-os com gelado e uma bolacha crocante.

Para a geleia, cozem-se as cascas e os caroços em água e espremem-se muito bem numa musselina ou pano de trama aberta. Para cada litro de líquido junto cerca de 800 g de açúcar. Para saber quando está pronto, deita-se um pouco num pires: quando estiver frio e fizer estrada está no ponto, embora eu deixe sempre cozer um pouco mais porque gosto da geleia bem presa.




VIAGEM AO FUNDO DO MAR COM VÍTOR MATOS

 

 

 

 

Quando era pequena adorava ler contos de sereias. Um dos que mais perturbou foi a história de Ondina, uma sereia que se apaixonou perdidamente por um humano. Para poder segui-lo, Ondina recorreu à bruxa dos mares, que transformou a sua cauda de peixe num par de pernas humanas. A sereia conseguia caminhar em terra firme mas o preço a pagar eram dores horríveis cada vez que punha o pé no chão. Bom, tivessem Ondina e o seu apaixonado conhecido Vítor Matos e tudo seria mais fácil porque este criativo chef do restaurante Largo do Paço (estrela Michelin) torna possível aos humanos visitarem o fundo do mar através de uma série de pratos de peixe da carta de Outono e sobretudo com os pratos que me mostrou em primeira mão para o ano de 2013.


 

           

          

 


Foi uma viagem magnífica pelas profundezas marinhas, prato a prato, pela mão do Vítor e na companhia da Ondina.


 

 

 

Abandonamos terra numa praia da ilha da Madeira, onde a espuma das ondas é de amendoim, há banana e milhos e as algas são de pak choi. Para nos dar as boas vindas ao mar chega uma raia, com o respectivo fígado de fora, arvorando a sua vaidade de ser tratado à maneira de foie (Raia com manteiga noisette, banana da Madeira e amendoim, couve pak choi, milhos estaladiços com tomate seco e salva – menu Cortesia).



 


 

Antes do mergulho para o fundo, no meio da espuma conseguimos ainda ver o lavagante azul (glaceado com molho de ostras e lima, chicória e emulsão de amêndoas torradas (menu Imperial).

 

 

 

 

 

Em viagem de longo curso para a desova anda o atum no clássico tataki, mas leva com ele uma companhia cárnea: um pequeno toco de vitela kobe e um caldo intenso da mesma (2013). Estas combinações terra-mar surgem várias vezes na carta do Largo do Paço, bastante bem conseguidas, o que não é fácil. Neste caso o casamento faz-se através da gordura de ambos.

 

 

 

 



Finalmente chegamos ao leito arenoso do oceano e avistamos uma série de maravilhosos corais (de funcho tingido de vermelho) no meio dos quais nada um brando salmão enrolado em panacota de requeijão. A guardá-lo, três colunas de aipo encimadas por capitéis de espuma de cebolinho (entrada de Salmão marinado com funcho, pannacotta de requeijão, gema de manga, beurre blanc de caviar Avruga e espuma de cebolinho, menu Charme).

 


 

Passamos depois por umas ruínas afundadas, talvez Pompeia, onde nos surgem colunatas de batata, que permaneceram impantes depois do terramoto que deitou por terra os lombos de pregado, cobertos pelo presunto, tomate e alcaparras.




          

 

 


Até no fundo do mar temos de comer e Ondina convida-nos para um almoço 3 em 1,

um prato que é uma refeição. Primeiro comemos uma caldeiradinha com tomate, cebola e batata infinitamente picadinhas, uma lasca de bacalhau e um cubo de caldo de bacalhau que se dissolve à mesa com água quente. Depois a entrada de tiras de caranguejo de casca mole panado em panko para molhar em maionese de caril. Finalmente o prato principal de bacalhau cozido a 70 graus sobre risotto deixado secar e cuja cremosidade lhe é exterior, sendo-lhe dada pelo molho de sapateira que o rodeia (2013).

 


 

 



A certa altura, estas paisagens calmas começam a aborrecer o Vítor e mergulhamos em direcção às fossas das Marianas, direitos às paisagens abissais e às fontes ferventes. A entrada de espadarte da carta de 2013 é uma delas. Em cima de uma rocha, os seres vivos agrupam-se para sobreviverem. Rodelas finíssimas de vários tipos de rabanete rodeiam colunatas de espadarte enrolado numa proximidade de habitat solidário. O prato tem uma invulgar beleza cromática e equilíbrio de volumes. Os pratos que Vítor Matos apresenta são sempre esteticamente fortes, mas este é um dos mais belos que já conheci (2013).

 

 

 

 

 

 




 

             


 



Mas logo a seguir aí está outro, também "tendência pedra", que nos leva a explorar os fundos rochosos carregados de corais de funcho e de lavagante frito (assentes em espuma de lavagante) e adornados com alga-musgo e raminhos de funcho (2013).




 

 




 

 


 

Ondina leva-me a ver os seus jardins submersos e o canteiro onde cultiva os seus mini legumes (2013). Numa encosta do jardim coberta de musgo, um salmão põe as suas ovas, ao lado de um ovo esferificação de manga (2013).




 

 



 

 


 

De repente, passa por mim um peixe de pele avermelhada que me parece o pequeno Nemo (ou já estou a confundir Ondina com a pequena Ariel?). Está a nadar num caldo mediterrâneo com uma base de carne à qual se juntam o tomate seco, o presunto, as aparas de peixe, tomilho e manjericão. A profundidade do caldo não tem fim. Não, afinal não é o Nemo, é um salmonete de pele magnífica complementado pela batata e pelo alho francês cozinhados em azeite, mais um exemplo de um bem conseguido terra-mar (2013).




 

 

 Deixo-vos outro prato de 2013: bolinhas de alheira envolvidas em trufa



Não vou comentar cada prato, o que seria fastidioso, vou apenas fazer algumas considerações gerais . Nem sequer falar de frescura ou de pontos de cozedura, porque mal estaria se um chef como o Vítor não servisse o melhor. Os peixes escolhidos são politicamente correctos. Temos pescado nobre, como o robalo, o pregado, o carabineiro e o lavagante, e temos peixes comuns, como a cavala e a raia.

A grande maioria dos pratos vive de muitos ingredientes e de preparações longas e com muitas técnicas. Dentro do mesmo prato estão em jogo combinações originais, mas sempre lógicas e de resultado final muito agradável. Ressaltam os inúmeros sabores mediterrâneos, sobretudo para 2013, que casam muito bem com os nossos peixes de mar, que Vítor Matos sabe valorizar e por em destaque. Gostei muito dos pratos para 2013, são esteticamente perfeitos. Fico ansiosamente à espera de os provar à mesa na próxima ementa.

Detalhes: por favor não façam mais esferificações de azeitona. Alguns pratos precisam de mais contrastes, nomeadamente a panacotta de salmão. Gostei das frituras.

Esta prova decorreu ao longo de dois dias muito longos na Casa da Calçada. Os pratos de carne e as sobremesas ficam para outra conversa, que esta já vai longa. 

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