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Conversas à Mesa

Alex Atala: Dominus Optimus Maximus

 

 

 

Alex Atala é uma personalidade cativante. Alto, meio loiro meio arruivado, com uma barbicha a terminar em bico entre o fauno e o profeta (neto de palestiniano), braços tatuados punk a enriquecerem a sua capa zen, constrói a sua personagem conforme a ocasião.  Faz pesca à linha (estava quase de partida para a truta, na Rússia), caça submarina e tiro aos pratos. Numa entrevista à revista Trip, bota para quebrar, com linguagem a condizer. Mas durante praticamente um dia que passei com ele, entre almoço no D.O.M e jantar no Dalva e Dito, ele foi sempre o gentleman e o entertainer low profile. Falou connosco em português, francês, inglês, espanhol e italiano e rematou dizendo "Pardon my french, pardonnez mon anglais". O que mais ressalta nele é o seu profissionalismo a 1000 por cento. Eu rendi-me, de bandeira branca a agitar, assim como os outros 25 que faziam parte do meu grupo de viajantes.








Adrià revolucionou a cozinha tirando-nos o tapete na casa de jantar. Foi ele quem verdadeiramente deu a machadada na escatologia de Escoffier, levando-nos para territórios não mapeados, onde não apenas desconhecemos os caminhos como ainda deparamos continuamente com trompe l'oeil et trompe goût.

Atala tem a sua forma pessoal de nos surpreender com novos ingredientes brasileiros, muitos deles amazónicos, mas tem sobretudo o D.O.M. de nos agradar.



 

 




 

 




Contrariamente a Adrià, a sua comida nada tem de apresentações moleculares. Contrariamente a Mara Salles ou a Rodrigo de Oliveira, a sua comida não é brasileira tradicional (um conceito de difícil apreensão), mas usa ingredientes brasileiros. O que nos aparece no prato é de uma simplicidade extrema, sabemos lá nós o que se passou dentro daquela cozinha, quase toda à vista e onde impera a lei do silêncio. Em geral, não temos mais de dois ingredientes principais no prato, o que nos tranquiliza à partida e facilita a nossa aceitação de que esses ingredientes sejam completamente novos para nós. O D.O.M. é um restaurante onde eu iria comer todos os dias, em podendo claro...



 

 



Num almoço de amena cavaqueira Na Tasca da Esquina, o Vítor Sobral paulista, a que voltarei em post próprio, Carlos Alberto Dória, o genial sociólogo brasileiro, chamou-me a atenção para o género de ingredientes que permeiam esta nova cozinha, pertencentes a um "Brasil em torno do qual a sociedade culta e letrada [do antigamente] jamais se propôs sentar e celebrar".

 

O D.O.M. (Dominus, Optimus, Maximus, uma boa definiçāo para o próprio Atala conforme o titulo desta crónica) é número 4 na classificação do Restaurant Magazine. O que mais nos chama a atenção quando entramos é o grandessíssimo pé alto, que nada retira à nossa sensação de estar em casa: livros e bibelôs étnicos espalham-se por mesas e estantes. As paredes acinzentadas são em cimento queimado e metade do rés-do-chão é coberta por uma mezzanine com mais mesas. O nosso grupo tomou conta de toda a parte térrea.



 

 Couvert



 

Vamos então esmiuçar a ementa do almoço, que nos foi descrita pelo próprio chef logo no início, tendo tido o cuidado de avisar que haveria uma surpresa, mas que não nos sentíssemos obrigados a aceitar.  

Do couvert fizeram parte dois tipos de pães, um puré de batata e alho assado e uma coalhada temperada com azeite e ervas.



 

Ceviche de peixe e camarão






A refeição começou com um muito florido e de apresentação muito cuidada Ceviche de peixe e camarão, temperado com sabores ácidos e doces. Cada colherada ia buscar um deles. Encantador.




 

 Ostra fresca cupuaçu, telha de manga e Whiskey

 

 



Seguiu-se uma Ostra fresca cupuaçu, telha de manga e whiskey. Anichada em linda ostra de porcelana, a verdadeira vinha coberta por um crocante doce de Jack Daniels e sobre um caldinho de cupuaçu. Sabor marinho da ostra a contrastar com o adocicado do malte. Quando comecei a comer a ostra com o crocante, tive a sensação de estar a comer uma esquírola da casca, mas foi uma sensação momentânea. Teria preferido comer a ostra fresca, apesar da combinação ser agradável e original.




 

 Consommé de cogumelos com ervas da horta e da floresta






 

O Consommé de cogumelos com ervas da horta e da floresta leva uma boa quantidade destas, umas bem nossas conhecidas, como os coentros, outras nem tanto, como o jambu e os trevos de quatro folhas. O sabor resulta da combinação cárnea dos cogumelos com a acidez da maioria das ervas.





 

Mini arroz de garoupa com azeite de baunilha




 

Chega então um prato que me fascinou, o que eu mais gostei durante toda a viagem e que ficará na minha memória para sempre. Por várias razões. Primeiro pelo sabor, esta é sempre a minha ordem de preferência. Depois pela originalidade. Depois porque nele estão presentes traços de contemporaneidade politicamente correcta na sua preocupação em usar todas as partes do peixe e no desenvolvimento de relações privilegiadas com os pequenos produtores. É o Mini arroz de garoupa com azeite de baunilha. O arroz, de grão redondo mínimo, resulta de uma parceria com um pequeno produtor. O aroma provém de umas vagens de baunilha da Amazónia que não são cultiváveis: durante um ano inteiro consegue-se arranjar uma dúzia delas, o resto é comido pelos macacos que as adoram. São guardadas em açúcar, que aromatizam de forma superior. As partes da garoupa usadas neste prato são uma lição de aproveitamento: espinhas e pele para fazer o caldo do arroz, e escamas, para a guarnição. O prato é de arrepiar antes de sabermos quais os ingredientes, de comover, depois. As escamas da garoupa são secas, desidratadas e fritas. O resultado final traduz a cremosidade do arroz e o estaladiço das escamas com o suavíssimo perfume baunilhado. Um prato a não perder.




 

 Fettuccine de palmito na manteiga e sálvia, queijo parmesão e pó de pipoca






Ainda não estava refeita desta maravilha, eis que chega outro prato de simplicidade comovente, mas de grande complexidade subjacente, como disse José Bento dos Santos no comentário que fez no final desta memorável refeição: Fettuccine de palmito na manteiga e sálvia, queijo parmesão e pó de pipoca. O sabor terra do palmito deixa-se envolver na manteiga e no parmesão e resulta num prato de sabor incomparável, em que o fettuccine não é apenas um condutor de sabores mas também contribui de forma elegante para o conjunto. O que me vem à cabeça é uma pergunta: como é que este prato não foi criado antes? Por onde é que ele andava, que tanto tardou?



 

Copa lombo de javali com puré de banana da terra e farofa com pimenta de cheiro




Para rematar, a carne. Copa lombo de javali com puré de banana da terra e farofa com pimenta de cheiro usa uma das partes mais saborosas do cerdo, a presa, combinada com produtos tipicamente brasileiros: a banana da terra e a mandioca da farofa com as pimentas. Combinações simples mais uma vez.


 

 


 






Como prato intermédio, o queijo numa adaptação do célebre Aligot de Michel Bras, desta feita o puré de batata combina com queijo de minas, sendo servido como o original.








 

Uma pratada de formigas saúvas



Veio então a tal surpresa, um cubo de ananás encimado por uma formiga, como se fosse uma amêndoa num bombom. Ao lado, um montinho delas para quem quisesse provar ao natural. Estas formigas chamam-se saúvas e são usadas como tempero pelos índios Baniwa, tribos que vivem na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. As formigas são congeladas e servidas cruas. Quando comidas isoladamente têm um intenso sabor a erva-príncipe. Quando provadas com o ananás este sabor perde-se mais. Tal como a pipoca, deixam umas casquinhas em final de boca. Uma viagem interessante, que nos vai treinando para um dos próximos trends: os insectos.



 

 









Numa tendência muito presente em todos os restaurantes que visitei no país da cana de açúcar as sobremesas são sempre reduzidas e pouca doces. Neste caso uma Abóbora, carvão vegetal e sorvete de tapioca. Assim que nos colocam um prato sobe o cheiro do carvão que lembra os churrascos. A abóbora muito bem assada e marcada, mas o aroma do carvão não me agradou.

A acompanhar a refeição, vinhos brasileiros em todas as refeições. Nesta destacou-se o tinto, Miolo Lote 43 2008, do Sul.

 

Na cozinha do Alex Atala existe uma cataplana!!!!

 

 

 

 

 

NOTA

As ementas desta e de todas as outros refeições foram escolhidas de forma exemplar pela Academia Brasileira de Gastronomia, no âmbito de um pacote de viagem ao Brasil para a Academia Internacional de Gastronomia. 

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