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Conversas à Mesa

O meu VIVA aos pasteleiros

Um grande viva aos pasteleiros, profissão por vezes esquecida. Este e os seguintes posts são a minha homenagem aos pasteleiros, de todo o mundo e especialmente aos portugueses, que nos preparam sobremesas que nos retiram a boca de lacaio de forma leve e harmoniosa e que têm um papel tão importante numa refeição. Numa altura em que o posto de pasteleiro e a qualidade das sobremesas servidas nos restaurantes estão em perigo, esta é uma chamada de atenção para a importância de acabar a refeição de forma triunfal.






 

E é a minha homenagem a um homem com muito talento e uma grande paixão pela pastelaria, o Antonio Bachour, que preparou especialmente para mim as sobremesas que irei analisar nos próximos posts. Antonio nasceu em Puerto Rico e trabalha actualmente num luxuoso hotel de Miami Beach, o St. Regis, na zona de Bal Harbour.



 

 





Na pastelaria do hotel trabalham 10 pessoas sob o comando de António. Com os muitos banquetes e muitos casamentos, com cerca de 500 a 600 pessoas e com preços que rondam os quase 500 euros por cabeça, o serviço do room service, a piscina e os bares e a casa de jantar de Jean-Georges Vongerichten, Antonio chega a trabalhar 15 horas, 7 dias por semana. A sua simpatia e boa disposição não têm férias.



 

 

 A espuma de maracujá                                  A espuma de framboesa


 

 

 



Antonio Bachour trabalha sobretudo com frutos tropicais. O maracujá, o fruto da paixão, é a sua paixão. Todas as sobremesas que provei são doces de colher muito leves, porque o sabor lhes vem sobretudo das várias formas de trabalhar a fruta, quer em espumas, gelatinas, mousses ou natural. A sua acidez natural nunca é abafada, constituindo uma mais valia no final da refeição. Todas elas têm uma forte componente estética, quase naturezas mortas. No prato, as cores aparecem em harmonias quase monocórdicas de tom ou em pinceladas contrastantes, por vezes quase excessivas.






 










 

 



Comecemos então por analisar a primeira. É um exemplo de como os adocicados frutos tropicais convivem bem com a acidez discreta da framboesa. Na base, uma panacotta de coco formando espiral, espuma de framboesa, framboesas cortadas ao meio, várias flores, nomeadamente de trevo, e uma telha de tapioca frita em óleo fervente. Para dar o surpreendente toque final, minúsculas folhinhas de hortelã-da-jamaica, cujo sabor lembra a nossa hortelã-da-ribeira em versão de sabor menos imperialista. Um toque final que prova que os enfeites nunca são só enfeites e que qualquer flor ou folhinha pesa no cômputo final, pelo que não devem ser usados apenas pelas suas carinhas larocas.

 



 

 















A segunda sobremesa leva chocolate e leite condensado cozido, mas o contraste ácido da espuma de maracujá, judiciosamente bem distribuída por toda a sobremesa, faz toda a diferença e torna a sobremesa mais leve. Quase uma desconstrução de um brigadeiro, a lembrar também o alfajor argentino. A coroar esta combinação de beleza monocromática, um gelado de caramelo. 

 



 

 A Sue, uma estagiária coreana, e o Guillermo


 

 












Obrigada Antonio. Foi uma prova de sobremesas inesquecível. Continua no próximo post...




 

 


Lanche de tarde tempestuosa

Hoje o tempo obrigou-me a trabalhar de bom grado. Veio mesmo a calhar esta ventania, para terminar uma série de coisas que tinham mesmo de estar prontas até Domingo à noite. Há pouco levantei-me da escrita para ir fazer estas duas versões, uma doce, outra salgada, de massa podre. Foi uma amiga minha do Recife, a Ana Regina, que me deu a receita desta massa que serve de base a empadas. É uma massa friável, que se desfaz nas nossas mãos e se desagrega na boca, deixando-nos sentir o sabor da manteiga e do queijo. Fazem-se num instante (meia hora de cabo a rabo) e são uma delícia. Os salgados são ideais para aperitivo, antes do jantar (ainda vai a tempo). Os doces podem ser feitos com marmelada ou goiabada. Quando os comemos sentimos a mistura do salgado e do doce, altamente reconfortante. 

 



Massa base
1 chávena de farinha de trigo, rasa
125 g de manteiga
50 g de queijo parmesão ralado
1 gema para pincelar
marmelada ou goibada para os doces 



1. Aquece-se o forno a 170ºC.
2. Mistura-se a farinha, a manteiga à temperatura ambiente e o queijo ralado com as mãos. Quando começar a despegar das mãos, faz-se uma bola.




















Para os salgadinhos de queijo
3. Moldam-se bolinhas com cerca de 1 a 2 cm e dispõem-se num tabuleiro forrado com papel vegetal. pincelam-se com a gema e vão ao forno cerca de 15 minutos.























Para os pastéis Lolita (doces)
3. Moldam-se as bolinhas com cerca de 2 cm. Abre-se a massa e coloca-se uma pequena quantidade de marmelada ou de goibada. fecha-se como se quiser, pincela-se com a gema e polvilha-se com açúcar. Vão ao forno durante 15 minutos. Se preferir, pode reduzir a quantidade de queijo para metade.









Viagem a Marrocos: tagine de cabrito

 

 

 

Aprendi e Marraquexe com o Ahmed, oriundo de uma tribo berbere do Sul de Marrocos, a fazer esta maravilhosa e infalível, não pode correr mal, tagine de cabrito. Aqui vão todas as instruções até ao último pormenor.

 

Para a tagine ficar com um aspecto mais bonito, pedi no talho que cortassem em cubos o lombo e a perna do cabrito e partissem em pedaços o pescoço. As partes com osso, podem ser retiradas no fim da confecção. Se preferirem, podem usar borrego.

 

 


 

Street food: tagines no souk




 

 

 O Ahmed

 



 

Tagine de cabrito - fácil

Para 4 pessoas ou 1 tagine grande

 

1 dl de óleo vegetal ou de azeite

1 cebola grande picada

500 g de carne de cabrito limpa (perna, lombo)

200 g de pescoço  ou cachaço

1 colher de sopa de salsa e de coentros, picados

gengibre em pó (1 colher de chá rasa ou a gosto)

1 colher de café de açafrão em pó

1 colher de café de estames de açafrão

1 tomate grande sem pele e sem sementes e cortado em quadradinhos

sal

 

Frutos secos

 

1 colher de sopa de açúcar de confeiteiro

canela

8 ameixas pretas descaroçadas

8 alperces

 

 

1) Em lume alto, aquecer bem o óleo vegetal (ou azeite) e alourar a cebola. Selar bem a carne em lume esperto (pode a carne juntar-se por várias vezes, para não baixar demasiado a temperatura). Misturar a salsa e os coentros picados e o gengibre em pó.


2) Em seguida, juntar as especiarias, o açafrão em pó e em estames e o sal.

Quando o óleo tiver começado a desaparecer, adicionar o tomate e, passado pouco tempo, água a ferver quase a cobrir


3) Tapar a tagine, reduzir o lume e deixar cozinhar durante cerca de 40 minutos. De 10 em 10 minutos, juntar mais água a ferver.

 

4) Num tacho, misturar 3 colheres de sopa de molho da tagine ou 2 colheres de sopa manteiga, o açúcar de confeiteiro e canela. Levar 2 ou 3 minutos ao lume e juntar as frutas secas. Ferver durante mais 2 ou 3 minutos.


5) Quando a carne estiver no ponto desejado (não deixar passar demais), misturar as frutas secas. Na altura de servir, enfeitar com as amêndoas torradas e as sementes de sésamo.

 


 

 




 

 



 

O mágico Bussaco

Ao Palace Hotel do Bussaco assenta como uma luva a designação de hotel de charme. Uma das razões é, sem dúvida, porque se encontra rodeado pela magia de um frondoso bosque (bos sacrum, possível origem da palavra Bussaco), que já albergou um mosteiro beneditino (da Vacariça, século VI) e um convento de Carmelitas descalços (século XVII), ainda hoje presente.





 

A casa de jantar com o magnífico trabalho neomanuelino



 


Foram estes frades de vida contemplativa que se ocuparam da conservação da mata, violada no princípio do século XIX pelas violentas batalhas que opuseram portugueses e ingleses, comandados por Wellington, aos invasores franceses. Após o triunfo liberal, o convento foi encerrado, como todos os outros, embora alguns monges por lá tenham ficado até à morte do último, em 1860, altura em que a mata ficou entregue a si própria. Nos fins do século XIX foi aqui edificada uma obra de arte neomanuelina de grande envergadura, uma verdadeira jóia barroca já nascida para hotel de luxo, o Grande Hotel da Matta também conhecido por Hospedaria Monumental do Bussaco, cuja exploração estava a cargo do suíço Paul Bergamin (fins do século XIX, embora o edifício ainda não estivesse concluído), que lá continuou a viver com a sua governante mesmo depois da sua venda, em 1917, a Alexandre de Almeida, em cuja posse se manteve até 2012, data em que se deu a fusão das operações deste grupo  com o Grupo Lágrimas, dando origem ao Thema Hotels, do qual faz actualmente parte o Palace Hotel do Bussaco.




 

 O tecto da casa de jantar

 

 

 

                                                                        

 

Nas paredes, as paisagens marítimas de João Vaz

 


 



Há quase dez anos que não ia ao Bussaco, depois de lá passar habitualmente alguns dias de sempre ansiadas férias anuais no Verão de São Martinho. A falta de alternativas locais fazia-me jantar frequentemente no hotel, apesar de os pratos serem pesados, uma espécie de cozinha francesa aportuguesada com vol-a-vents de recheios refogados e meunières com avinagrados e enfarinhados esparregados. Porém, quando soube que havia um novo cozinheiro a trabalhar no Bussaco, resolvi almoçar lá no dia de Ano Novo. Trata-se de Dionísio Ferreira, que curiosamente começou a sua carreira na sala do Astória, o hotel de Coimbra do grupo Alexandre Almeida, para passar em seguida nove anos na Quinta das Lágrimas, sob a chefia de Albano Lourenço.











Falei com ele no fim do almoço, para lhe perguntar sobre o seu projecto actual. A sua ideia é ir progressivamente modernizando a cozinha, continuando a trabalhar com o pessoal já existente.

Vamos então ao almoço. Casa de jantar menos de meia, quase todos os clientes eram espanhóis. Provei todos os pratos do menu do dia (2 entradas, dois pratos de peixe e dois de carne e uma sobremesa). As entradas muito bem, quer a canjinha (desculpem mas nunca consigo dizer canja, para mim é comida de carinho) quer as vieiras com camarão. Nos peixes, o pregado com cuscuz, aceitável, o polvo agradável. O indispensável leitão trazido da Bairrada estava bem, mas a carne do tornedó de fraca qualidade. A sobremesa, única hipótese do menu, um morgado do Bussaco com creme de hortelã, não satisfez.





 

 

 



A famosa adega do Palace foi criada por Alexandre Almeida a partir de 1915 e contém milhares de garrafas de vinho branco, tinto, rosé e champanhe feitos com castas da região, situada na transição entre a Bairrada e o Dão. Têm a particulariedade de se destinarem apenas ao consumo nos hotéis do grupo e são servidos a copo.

 


 

Pormenor do trabalho de madeira do chão da casa de jantar. os raios de luz que se vêm em quase todas as fotos vêm das janelas que dão para a magnífica varanda apensa à casa de jantar




No cômputo geral, a refeição deixou-me com vontade de regressar, pela feliz conjunção da própria refeição, do serviço franco e natural e da beleza e teatralidade dos salões e da casa de jantar. Num dia mais soalheiro, almoçar ou lanchar no terraço faz-nos sentir multimilionários. O menu de almoço foi agradável e com um preço justo de 45 euros sem bebidas. A cozinha está sem dúvida mais arejada e mais moderna e aceitável em termos de casa de jantar de um hotel, mas não de um cinco estrelas e ainda menos de um monumento como o Palace. Como o chef ainda está em fase experimental, eu diria que com alguns ajustamentos e progressos poderá chegar a uma boa cozinha de hotel. Mas o Bussaco merece o melhor e Dionísio Ferreira deve almejar mais. Como, por exemplo, tornar-se uma referência desta região da zona centro, tão pobre em termos restaurativos, para além dos clássicos leitões.




 

O salão nobre com o bar ao fundo, ideal para aperitivos e cafés. em toda a sala as pinturas campestres medievais são de Carlos Reis.  A lareira é uma preciosidade desenhada por Manini. 




Para isso, haveria que criar uma ementa com uma base permanente de produtos da região. Um forno a lenha para o leitão e para o pão seria indispensável neste restaurante da zona da Mealhada. O porco, de leite ou mais crescidinho, poderia ser apresentado em confecções diversas e em combinações modernas. E já agora aproveitava-se o forno também para cabritos e chanfanas. Peixe fresquíssimo se iria buscar ao litoral figueirense para complementar as carnes e aligeirar ementas. A palavra à imaginação de Dionísio Ferreira e, também, aos desígnios dos hoteleiros.

Uma palavra para o serviço. O pessoal da casa de jantar é local e de uma simpatia natural e extrema, mais-valia que pode ser aproveitada se for devidamente enquadrado.

 

Daqui a uns meses  vou regressar para conferir os progressos do chef Dionísio, que tem toda a potencialidade para gradualmente transformar o magnífico restaurante do Bussaco num ponto de referência da sua região.


 

Ementa sem bebidas: 45 euros

Palace Hotel do Bussaco
Mata do Bussaco
3050-261 Luso
Tel.: +351 231 937 970  
E-mail: bussaco@almeidahotels.com

O meu obrigada ao Jorge Tavares da Silva e ao seu livro sobre o Bussaco

 

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