Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Hoje partilho convosco a exposição de cartazes de propaganda chinesa, a arte ao serviço da política. O que é que isso tem a ver com comida? Nada, a menos que consideremos a velha teoria de que os comunistas comem criancinhas e as destes cartazes estão bem gordinhas. Bom, mas prefiro reconhecer que se trata apenas de um fait divers.
Vale a pena ver a exposição patente no Museu do Oriente para nos apercebermos outra e outra vez como há modas em política, tal como na cozinha. E como a simbologia é toda semelhante em todo o mundo na fatia do meio do século XX.
Grande surpresa: o colorido intenso de tudo e a utilização constante da simbologia. A propósito, se repararem bem, as escamas da carpa são iguaizinhas às do dragão. Estes dois animais são muito populares porque têm escamas muto brilhantes que reflectem as imagens, mesmo as das criaturas maléficas que, quais Medusas, se autodestroem.
Afinal este post sempre tem a ver com comida: fala de peixe.
Peço desculpa pela má qualidade das fotos mas algumas foram tiradas através de vidros.
Pormenor do cabelinho à CR7 do cartaz anterior.
Que feliz está o rapazinho com este 2 em 1: primeiro, com 12 aninhos já está fardadinho da Guarda Vermelha e segundo porque esta a ajudar a avozinha a dobar a lã. Bem se podia queixar a minha avózinha: não era nada este sorriso que eu tinha quando ela me obrigava a estas funções.
Que radiosas são sempre as manhãs.
No final dos anos 70, até nós aderimos à sino-alegria. Que bonito.
Quem olha de baixo para o fumeiro numa cozinha tradicional da região de Bragança, não pode deixar de o topar por causa do seu tamanho e da suas formas avantajadas. As rugosidades da sua pele provocadas pelos ossículos do enchimento parecem querer romper e reforçam o seu ar de freak do reino salsicheiro. Chama-se butelo e convido a quem não o conhece a ir a Bragança nos dias 22, 23 e 24 e a prová-lo nos restaurantes que aderiram ao Festival do Butelo e das Casulas.
A minha sorte de estar entre duas mulheres muito grandes da cultura portuguesa: Graça Morais e Maria de Lourdes Modesto.
Com a Maria de Lourdes Modesto e o Miguel Pires.
Com a minha amiga Iolanda, a Justa e o Martim Cabral (adoro a tua voz Martim).
Joaquim Sousa, Nuno Diniz, Leonel Pereira, André Magalhães e Luís Barradas. Fiquei a pensar o que poderia o Joaquim fazer com o butelo na pastelaria? Um pudim?
Este enchido muito especial é cheio no bucho (estômago) ou na bexiga, pelo que cada porco apenas dá origem a dois butelos. Dentro da tripa apertam-se bem os ossos da suã, o espinhaço, das costelas mindinhas, as flutuantes, com alguma carne agarrada, o rabo e, por vezes, a barbela porcinas. A boa execução desta técnica é vital para o resultado: se for deixada alguma bolsa de ar entre os ossos, o butelo acaba por se estragar rapidamente. O recheio não pode ser mais humilde, constituído pelo que não foi julgado digno de enchidos mais nobres, como a chouriça ou o salpicão, mas os de Bragança têm grande carinho por ele. Costumam comê-lo por alturas do Entrudo e até fizeram uma Confraria em sua honra e das casulas. Foi justamente a humildade do enchimento que tornou o butelo tão especial e original. O colagénio presente nos ossos da suã liberta-se gradualmente ao longo do processo de fumagem e de cozedura tornando a textura a da carne muito macia e o sabor muito rico. Confesso que é um dos meus enchidos preferidos.
Na cozinha da Justa
Em boa hora quis a Câmara Municipal de Bragança promover o butelo, divulgando-o através de um jantar em Lisboa e outro no Porto junto de Chefs, jornalistas e bloggers e reunindo personalidades do concelho de Bragança, tudo integrado no festival do Butelo e das Casulas que vai decorrer nos dias 22, 23 e 24 em Bragança e cujo programa está no cartaz. A divulgação irá também ser feita através da utilização destes produtos em restaurantes que aderiram a este evento em todo o país e especialmente no concelho de Bragança. Dia 22 estarei em Bragança para falar do tema “Da Conservação ao Sabor” e lançar a discussão sobre a apresentação tradicional e moderna dos enchidos.
A estrela do jantar: butelo com casulas, pernil, enrecosto, chouriça, batata e cebola
O jantar de Lisboa, no Spazio Buondi, teve uma vertente tradicional e ficou a cargo da Justa Nobre, enquanto o do Porto, no hotel Intercontinental, ficou nas mãos do Pedro Sequeira que trabalhou o butelo de um ponto de vista contemporâneo.
Os produtos transmontanos, desde a batata às casulas, passando pelo butelos, pelo azeite e pelo vinho foram fornecidos pela Origem Transmontana. O Luís Portugal percorre toda a região à procura dos melhores produtos, num diálogo constante com os pequenos produtores. Para este jantar trouxe um presunto bísaro que, bem cortado pelo Paulo da sala do Spazio, posso dizer que foi o melhor que comi de Trás-os-Montes.
O jantar preparado pela Justa Nobre começou com vários aperitivos à base de enchidos e do Terrincho e dos cuscos, todos criações muito bem conseguidos da chef.
O butelo surgiu em versão tradicional, cozido com as casulas (as vagens do feijão secas com alguns grãos já bem desenvolvidos), pernil de porco, chouriça, batata e cebola. Esta combinação das casulas com o butelo revela a sabedoria do povo na conjugação dos alimentos: as fibras das casulas enxugam a gordura das carnes de porco e tornam a digestão muito mais fácil. O preceito é cozer o butelo num pote de ferro, mas a panela é um bom substituto. A receita está aqui.
Os membros da Confraria do Butelo e das Casulas
Entre as personalidades de Bragança que quiseram estar presentes nesta homenagem ao butelo destaco o professor Adriano Moreira e a pintora Graça Morais. Deles ouvi grandes encómios aos produtos e à sua confecção. O grão-mestre da confraria, Nuno Pires, disse que era um dos melhores butelos com casulas que já tinha comido.
À sobremesa, outro produto transmontano, os cuscos, cuja origem está certamente no norte de África e que terá chegado a Trás-os-Montes através de árabes ou judeus. Feitos à moda do arroz-doce, dá-lhes graça a alternância do tamanho das bolinhas, uma vez que tamanhos diferentes ficam com texturas diferentes. A presença da leve acidez dos frutos selvagens dá mais complexidade de sabores a este prato.
Foi um êxito este jantar com a mão firme e a facilidade em combinar produtos da chef Justa Nobre. E de fazer toda a gente feliz.
Os cuscos com frutos silvestres
O jantar da Justa criou grandes expectativas para o dia seguinte. No Intercontinental do Porto, optou-se por uma versão contemporânea do butelo criada pelo Chef Pedro Sequeira. A opção do chef foi integrar o butelo na entrada e as casulas no prato principal, uma opção inteligente que manteve a simplicidade dos ingredientes e quase inalteradas as tradicionais combinações ganhadoras.
Os aperitivos servidos de pé em grandes bandejas de casquinha despoletaram conversas e aproximaram pessoas.
Na entrada, o butelo vinha todo catado de ossos e desfiado sobre três confecções diferentes da magnífica batata transmontana: em lâminas, em espuma e em crocante. A propósito de batata transmontana, quando falamos nela estamos a referir-nos essencialmente a 4 variedades: Desirée, Atlantic, Kennebec e Jaerla, mas isto das variedades merece um post e bem grande.
A entrada: rillette de butelo com batata em três texturas
O prato principal: cachaço de porco bísaro com guisadinho de casulas
Gostei muito da simplicidade do prato e sobretudo, como já disse acima, pelo bom gosto e bom senso do Pedro em limitar o número de ingredientes e em concentrar-se nos sabores tradicionais. O prato principal tinha um aspecto de quadro flamengo do século XVII, com o cachaço de porco cozinhado em vácuo com borras de vinho do Porto e depois levado ao forno no meio de um guisadinhos de casulas, cenoura e outros legumes, mas carente de mais casulas. O pudim de castanhas da sobremesa combinava bem com a lúcia-lima.
A sobremesa: pudim de castanhas com gelado de lucia-lima e crocante de castanha
Fazer estas duas refeições num dia a seguir ao outro permitiu-me verificar que há produtos que ficam bem em qualquer circunstância, quer nas suas roupagens tradicionais, quer em versões modernas, que não são forçosamente as desconstruções. Penso que o Pedro Sequeira teve essa inteligência de ver para além da desconstrução e transformar um prato que tradicionalmente é copioso numa refeição inteira. Qualquer que seja a escolha, o butelo afirma-se como um produto de grande qualidade e versatilidade, que deve ser divulgado para bem da gastronomia e turismo bragançanos, e não só.
Da esq para a dta: Mário Cerdeira, Rui Caseiro (vice-presidente Câmara Bragança), Pedro Sequeira (chef Intercontinental Porto), eu, Hernâni Dias (vereador de Bragança) e Luís Portugal (Origem Transmontana). A foto é do Paulo Correia (obrigada)
Obrigada ao Mário Cerdeira pelas fotografias. Muito boas como sempre.
Quando vou a um restaurante, é sempre com grande expectativa que aguardo o fim da refeição, a sobremesa. Um final feliz salva muitas vezes a recordação de uma refeição periclitante e deixa-nos de boa catadura para voltar. Volto mais uma vez ao assunto que referi no post anterior: é fundamental que os restaurantes de topo continuem a investir no pasteleiro, apesar das dificuldades que todos vão experimentando actualmente e que não caiam na tentação do bolo de chocolate industrial e das quenelles do Pacojet a toda a hora. Exemplar no campo de bem terminar a refeição é o Belcanto, que tem sabido manter a criatividade e a qualidade no campo das sobremesas. A minha chapelada ao José Avillez.
A casa de jantar e o pão do Jean-Georges e a boa disposição
na cozinha multicultural
Mas voltemos então ao António Bachour. Este senhor tem uma notável facilidade de criar, de combinar e sobretudo de equilibrar sabores para um resultado final leve e bom para a alma. Uma coisas que mais impressionou nas horas que passei na pastelaria do Hotel St Regis, de Bal Harbour, Miami, foi a sala de temperatura controlada onde se tempera e trabalha o chocolate e se fazem as pinturas à pistola sobre folhas ou bombons.
Hoje deixo-vos aqui mais três sobremesas do Antonio Bachour. A primeira lembra-me o Outono e a segunda o Verão. A terceira, a que tem menor impacto estético, foi de todas as que provei a minha preferida.
Chocolate e avelãs é uma combinação feita no céu e que a ele nos leva. É sem dúvida daqueles casamentos tradicionais que vale a pena repetir interminavelmente. A gianduja, uma especialidade de Turim que resulta da combinação em proporções definidas de chocolate e de pasta de avelãs, é o porta-bandeira dessa ligação. Esta sobremesa começa com o bolo esponja de avelã, cozido 30 segundos no microondas. Quase cada chef tem uma receita ligeiramente diferente deste tipo de bolo criado por Ferran Adriá. Este tem um intenso sabor a avelã e no canudo interior acomoda uma mousse de chocolate de eleição. Em redor deste ninho, espuma de maracujá e apontamentos de manga, avelãs torradas e flores de trigo-sarraceno (as brancas de pé comprido), flor-estrela egípcia (as cor-de-rosa, de agradável e intenso sabor) e amores perfeitos. É um luxo desmanchar uma sobremesa assim.
A segunda, lembrou-me os quadros de flores do Andy Warhol, pela assertividade da cor. A composição estética parece de uma simplicidade extrema, como os quadros do Warhol. Pois é, mas dêem-me a mim todos os elementos que estão no prato... a base é uma minitarte de limão, qual cornucópia de onde caem frutos e flores da fortuna, complementados por creme de framboesa e gelado de tangerina.
A última sobremesa foi a que mais veio ao encontro dos sabores de que eu mais gosto: coco, manga e maracujá, o céu. Uma base de maracujá, uma salada de frutas tropicais em mínimos quadradinhos, todos iguais, um creme de manga, espuma de maracujá, crumble de gengibre, gelado de coco e um incrível merengue de lima. Se me pedissem para explicar a palavra tropical eu dizia que provassem esta sobremesa. Isto para dizer que uma sobremesa do Antonio Bachour vale mais que mil palavras...
Adorei o pasteleiro Wallace