Conheci ontem pessoalmente Joaquim Figueiredo, a quem costumo chamar do D. Sebastião da nossa cozinha. Um dos nossos chefs mais carismáticos dos finais dos anos 90, foi, juntamente com Vítor Sobral, um dos pioneiros da moderna cozinha portuguesa. Poucos anos depois, voltou para a Fran ça, quando ainda tinha tudo para dar, tornando-se naquele que ficou para sempre o Desejado. Hoje vive em França, perto de Tarbes, onde abriu há pouco mais de um ano um pequeno hotel com restaurante onde serve cozinha de inspiração portuguesa. Deles darei em breve notícia. Continua a usar com paixão os produtos portugueses e contou-me como os franceses continuam, infelizmente, a ignorar a nossa cozinha. Falou sobre os velhos tempos aqui passados, os restaurantes e as nossas escolas de hotelaria. À pergunta se gostaria de regressar a Portugal, responde que para já seria impossível. É casado com uma francesa e tem dois filhos lá nascidos e criados. Aqui fica um pouco da história deste cozinheiro exemplar na defesa dos nossos produtos enquanto esteve por terras lusas. E uma receita do seu único livro, acabadinha de sair do forno.
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Durante o almoço de ontem em que se comeu linguado, um peixe que está na sua época e, portanto, no seu melhor.
Em 1998, a Expo é responsável pela abertura de Portugal ao mundo. Os restaurantes começam a multiplicar-se, assim como os cozinheiros, cuja profissão vai sendo «dignificada» e mediatizada.
No fim da década de 90, os sócios do Pap’Açorda abrem o Bica do Sapato, no Cais da Pedra. A primeira proposta de localização do Bica foi no Jardim do Tabaco, mas o porto de Lisboa acabou por não dar luz verde a este projecto. Joaquim Figueiredo estava a trabalhar no Café da Lapa quando foi convidado para chefiar a cozinha deste restaurante. Beirão de Fornos de Algodres, emigra em 1970 para França com os pais, ainda muito menino, e por lá se afrancesa. Descobre a cozinha num programa de televisão e entra para a escola profissional no departamento da Charente. Trabalha um tempo em França, alguns meses em Inglaterra e decide regressar às origens. Fica quatro anos no Ritz, com o chef Ziebell, ao longo dos quais faz também estágios na Suíça e no Egipto. Nestas andanças, aprende a apreciar a verdade dos produtos e a sua multiplicidade: a boa manteiga e natas em França, as especiarias no Egipto. Trabalha catorze meses no Consenso, na R. Da Academia das Ciências, onde é elogiosamente saudado por José Quitério em Novembro de 1994, no Expresso: «...tenho todo o gosto em dar fé da esmerada qualidade da técnica culinária, com originalidades combinatórias que não afectam as harmonias palatais, dos rigores do complementos que nem sequer descuram os jogos cromáticos, da belamente executada arte de empratar»; e David Lopes Ramos intitulou o Consenso de «bom, sem restrições» e apontou a existência de «matérias-primas de qualidade, talento e um toque de fantasia». Pouco tempo depois, o Consenso fechava portas. Em Julho de 1996, nova crítica de José Quitério, desta vez já JF está no Café da Lapa, que gere com a sua irmã, Silvina. Apelida-o de «cozinheiro excelso» e chama a atenção para «Matérias-primas de impecável frescor e qualidade. Técnica culinária de alto gabarito.» E acrescenta: «Inspirado no que a nouvelle cuisine teve de melhor, sem esquecer as raízes, Joaquim Figueiredo revela-se autor de uma cozinha inventiva, perfumada, subtil, de grande equilíbrio e sageza.»
Às raízes, JF vai buscar os produtos: caracóis (em trouxa com guisado de tomate e manteiga de alho), morcela da Guarda e muitos peixes. Bacalhau fresco, peixe-galo, ruivo e robalo, vieiras, ostras, lavagantes, caranguejos e minúsculos polvinhos e lulinhas povoam e valorizam as suas ementas em combinações tão inesperadas como harmoniosas. Contudo, lá estão também os desnecessários salmão e douradas de criação. Numa entrevista a David Lopes Ramos, confessa as suas dificuldades com os fornecedores de carne e de legumes. Sobretudo porque o seu sonho é fazer «cozinha de mercado», abolir a carta e transformar os produtos nossos de cada dia. Entretanto, trabalhara como consultor para as Pousadas e dera aulas na Escola Hoteleira.
Joaquim Figueiredo muda para o Tavares no princípio de 2004, convidado pelo advogado José Pereira dos Santos, cuja primeira escolha, Miguel Castro e Silva, não se chegou a concretizar. A sua estadia aqui é muito curta. Passados uns escassos três meses, JF regressa a França, por razões do coração há quem diga.
Folhadinho de abóbora e amêndoas
O folhadinho é uma verdadeira delícia. Muito leve, ideal para complementar um prato pesado, permeia-se do sabor da raspa de laranja. Não ralei a amêndoa, antes a deixei em pedacinhos crocantes. Tem ainda a vantagem de ser muito rápido e pouco trabalhoso, se usar a massa folhada de compra. pode optar pelos quadrados de massa pré-cortados e manter o tamanho e a forma.
Esta receita foi extraída do livro O Prazer de Cozinhar, As Minhas Receitas, de Joaquim Figueiredo, Colares Editora, 2002, p. 141. Para maior facilidade de leitura, adaptei algumas partes da escrita.
No prefácio, Maria de Lourdes Modesto refere este livro como "um excelente trabalho teórico e prático e uma arma contra a monotonia do paladar.". É, de facto, um dos melhores livros de cozinha editado nos últimos anos.
300 g de abóbora
120 g de amêndoas sem pele
120 g de açúcar
30 g de zestes (raspa) de laranja
300 g de massa folhada (ver receita base)
1 gema de ovo
açúcar em pó
Cortar a abóbora em pedaços e cozê-la num tacho com 3 colheres de sopa de água, tapada, em lume brando, até ficar completamente mole. Triturar a abóbora em puré no copo liqüidificador.
Torrar as amêndoas e picá-las em pedacinhos. Transferir para o copo, juntar os zestese laranja e o açúcar e triturar. Juntar o purê de abóbora e misturar. Tender a massa com 3 mm de espessura e cortar em seis discos. [Eu usei massa folhada de compra e cortei os discos com a ajuda de um prato pequeno e uma faca afiada.]
Pincelar 0,5 cm das bordas da massa com a gema diluída num pouco de água. Enrolar a borda com os dedos, fazendo uma espécie de rebordo canelado.
Com uma espátula, espalhar o recheio de abóbora pelos discos. Com o excesso de massa cortar pequenas tiras à medida e fazer um quadriculado. Pincelar os rebordos e as tiras com a gema.
Levar ao frigorífico durante 20 minutos.
Pré-aquecer o forno a 220*C e cozer os folhadinhos durante 15 minutos, vigiando a partir dos 10.
Servir sem espera, polvilhados com açúcar em pó.
Pincelar cerca de 0,5 cm da borda com gema
Dar forma ao rebordo das tartes
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A tarte pronta para ir para o forno
Acabadas de sair do forno