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Conversas à Mesa

Aromas e sabores, Chandler Burr e Arola

Chandler Burr, ex-crítico de perfumes do New York Times, trouxe até ao Penha Longa os Scent Dinners, uma experiência única que transforma os aromas em sabores, numa colaboração com o chef Sergi Arola.

Cada perfume tem dezenas e dezenas de notas, algumas nem um nariz muito treinado consegue detectar, compondo uma receita secreta que vale milhões. Quem vê televisão na altura do Natal, apercebe-se certamente da importância que este mercado tem no mundo da moda. Nas casas de alta costura, o perfume representa quase 90% do volume total do negócio!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O conceito de Burr é cruzar os universos do olfacto e do gosto em dois momentos diferentes. Com uma presença muito simpática e grande capacidade de comunicação, Chandler começa por nos dar uma verdadeira aula sobre os aromas, em particular aqueles que compõem os perfumes. Somos convidados a cheirar e a identificar quatro ou cinco diferentes aromas que entram na composição de determinado perfume, apresentados em tirinhas de papel. Em seguida, há que cheir e adivinhar o nome desse perfume.

Com o seu entusiasmo contangiante, Burr incentiva-nos a encontrar “aquilo que cada aroma nos faz lembrar”, que pode ser diferente de pessoa para pessoa, mas a dificuldade é imensa, é preciso uma grande concentração e uma boa memória para os cheiros. A memória olfactiva pode ser treinada, tal como a dos sabores, mas também é um dom que nasce connosco.

 

 

 

 

 

Aromas

Açafrão

Framboesa em álcool

Água de rosas de Turquia

Estrela de anis, cravinho, maçã

Perfume 

Black Saffron, Byredo

Prato

A vieira (curada em sal e rosas) com molho de cravinho e açafrão, uma framboesa e pétala de rosa

 

 

 

 

 

 

 

 

Aromas

Cera de abelhas

Riesling e moscatel

Folhas de tabaco verde da Virgínia

Baunilha com azeite de casca de queijo de Azeitão

Perfume

Tobacco Vanille, de Tom Ford

Sashimi de rodovalho curado em sal de tabaco com gel de Riesling e moscatel e baunilha e cera de abelhas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Muitos daqueles aromas provêm de moléculas sintéticas, tornando a tarefa de identificação ainda mais difícil, mesmo no caso de um simples cheiro a framboesa. Levo a tirinha de papel ao nariz, sem a aproximar demais, tento vasculhar na minha memória, encontrar os neurónios responsáveis por aquela lembrança, parece-me frutos vermelhos, mas inclino-me mais para a amora. Lembro-me de Grenouille, o personagem principal do romance O Perfume, de Patrick Suskind, cujo nariz genial consegue apreender todos os aromas, mas que tem uma imensa dificuldade em traduzi-los através da linguagem. Confesso que tive dificuldade em identificar os aromas, quanto mais encontrar-lhes um correspondente linguístico.

De repente, chega até mim um aroma inesquecível, cheira a gavetas da minha avó, não posso errar, é mesmo água de rosas. Está certo, mas aí surge uma segunda pergunta, e de onde são as rosas? Vai-se a saber e é rosa da Turquia, que as rosas são todas diferentes. Bom, cheirados os cinco aromas, chega o perfume, também na tal tirinha. Há que identificá-lo pelo nome e pelo criador e, supostamente, conseguir fraccioná-lo e detectar os cinco aromas que já cheirámos.

É a partir destes aromas que Arola preparou um prato para representar cada perfume, um exercício extremamente complicado. Para não prejudicar e modificar os aromas, Arola cozinhou todos os pratos sem fogo, usando cozeduras no vácuo (abaixo dos 50ºC) ou curas pelo sal. Cabe-nos detectar cada um dos aromas iniciais na sua composição. Se nos concentrarmos na lista dos aromas, veremos a dificuldade que o chef tem em conseguir plasmá-los para um prato. Vou dar-vos o exemplo do perfume Pulp, de Byredo. Começámos por cheirar aroma de madeira de eucalipto molhada, um lacticínio (iogurte de ananás com um leve aroma a coco), laranja (da Florida) e coco (este foi dos fáceis de detectar). O prato resultante é um extraordinário tour de force de Arola: uma base de cogumelos trompeta-da-morte gelatinizados, uma lâmina de iogurte e ananás coberta pelas ditas frutas aos quais se junta um molho que sabe a bosque depois da chuva. E os aromas que cheirámos estamos agora a comê-los.

É também interessante referir que não há outros aromas sobre a mesa (velas ou flores) e a bebida que acompanha a refeição é apenas água.

 

 

 

Aromas

Líchias com trufa

Azeitona e rum

Cravinho e ameixa seca

Papaia e mel

Perfume

Black Orchid de Tom Ford 

Prato

Pombo cozido a baixa temperatura

Azeitona com borrifos de rum, ameixas secas e cravinho

Líchias sobre avelã cozida em água de trufa

 

 

 

 

Aromas

Algodão doce

Amoras pretas

Pimenta rosa do Brasil

Tangerina

Perfume

Silver Iris de Atelier Cólon

Prato

Bomba de tangerina coberta com algodão doce

gel e esfericação de amoras

pimenta rosa

 

 

 

 

 

 

Aromas

Vinagre balsâmico e manteiga

Pipoca com leite a ferver

Baunilha

Maçã

Perfume

Ambre Vanille de Laura Mercier

Prato

Sorvete de maçã com casca, manteiga rançosa, rebentos de milho

Açúcar baunilhado

Pipocas

 

 

 

 

 Chamo a atenção para o excelente artigo do Miguel Andrade sobre este assunto neste link: http://lifestyle.publico.pt/artigos/330377_quando-um-jantar--cheira-a-perfume.