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Conversas à Mesa

A BRASILEIRA RIZZO, MELHOR CHEF MULHER 2014

São tão poucas as chefs famosas nas cozinhas de todo o mundo que, desde 2011, até há um prémio especial para a melhor, atribuído pela revista Restaurant, que também  promove os 50 Best (do mundo, da Europa, da Ásia), e patrocinada pela casa Veuve Clicquot. As vencedoras foram Anne-Sophie Pic, Elena Arzak e Nadia Santini, todas elas chefs de restaurantes com 3 estrelas Michelin. Este ano, a vencedora foi Helena Rizzo, uma mulher que chegou há alguns anos à cozinha depois de ter sido modelo, estudado arquitectura e estágios por diversas cozinhas europeias, entre elas a dos manos Roca. O restaurante de Rizzo não tem nenhuma estrela Michelin, simplesmente porque não há edição brasileira deste guia.

 

 

 

 Helena Rizzo com François Brocard, da Academia de Gastronomia inglesa,

que, nesse dia, esteve encarregue da apreciação do jantar.

 

 

 

 

Nunca gostei muito de prémios, ou dias, ou eventos, ou quotas, destinados só a mulheres. Fico com a impressão que as mulheres trabalham numa liga diferente da dos homens e portanto não concorrem para o mesmo campeonato. Mas adiante.

 

 

 

Goiaba da sobremesa

 

 

 

 

Conheci Helena Rizzo há pouco mais de 2 anos e fiquei fascinada com a sua beleza calma, que parece irradiar de dentro, e com a sua simpatia. Com Daniel Redondo, o marido espanhol que conheceu no Can Roca, abriu o restaurante Mani em 2006, na cidade de São Paulo. O êxito foi sempre crescente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estas duas fotos, do interior e exterior do Mani, são cortesia do restaurante, porque as minhas ficaram más.

 

O Mani é um restaurante despretensioso, instalado numa pequena moradia, com a cozinha à vista e, como a maioria dos restaurantes do seu bairro, o Jardim Paulistano, com uma esplanada-jardim nos fundos (com a particularidade de ter ar condicionado).

 

O que mais nos fica na memória é o sabor e a simplicidade. Os pratos que nos chegam resultam de uma sensata combinação dos ingredientes tradicionais do país com uma filosofia contemporânea bastante depurada, exercida através de técnicas modernas. Aliás, penso que a grande atracção da cozinha brasileira é justamente essa equação. Há que dizer ainda que a abordagem aos ingredientes da terra, sejam eles da Amazónia ou de Minas, é sempre pensada por esta nova geração de chefs brasileiros, tornando-se uma espécie de bandeira na defesa de causas sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

O que nos chega nos pratos, repito, é sempre o charme da simplicidade aparente. Poucos ingredientes, sabores nítidos, reconhecíveis. Como a moqueca de peixe com terrine de mandioquinha, azeite de pimentões, dendém e coentro.

 

Alegra-me que o prémio tenha saído da Europa para o Brasil. Parabéns à Helena Rizzo e à cozinha brasileira.

 

 

 

 

 

O CAPÃO OU QUANDO MENOS É MAIS

 

Fui convidada há alguns dias para um jantar no restaurante Avis a cargo do Cláudio Pontes, ex sous chef de Aimé Barroyer. O jantar integrava-se numa louvável iniciativa denominada ENDÒGENOS, que pela mão de António Alexandre e Nuno Nobre nos permite partilhar experiências gastronómicas baseadas nos nossos produtos autóctones. O endógeno do jantar era o capão, que podemos caracterizar como o eunuco do reino dos galináceos. Porque tal como os seus contrapartes dos antigos haréns (antigos digo eu), começa a engordar a bom ritmo depois de capado e já não faz mal (ou bem) a ninguém. A sua carne amacia mas mantém todo o seu sabor, ou seja, tem o melhor dos dois mundos, o do galo e o do frango.

O capão, não é um qualquer, é o capão de Freamunde (Paços de Ferreira) com o seu garboso IGP. Esta protecção jurídica obriga a várias regras. Os frangos devem ser castrados entre os 3 e os 4 meses, estando o processo de castração sujeito a especificações com as quais não vos vou impressionar. Direi apenas que, como no caso da matança do porco, o acto não é feito por ninguém da casa, mas sim por profissionais, geralmente uma mulher, que também lhe corta crista e barbilhões.

 

 

 

 A memória da perda da crista 

 

Desde o século XV, e até hoje, que se realiza, no dia da festa de Santo António (13 de Dezembro), a feira do capão em Freamunde, tendo o galináceo sido considerado produto de luxo e usado como moeda de troca e de pagamento aos nobres e ao clero. Tão venerado é o capão que tem direito a honras de mesa natalícia em vez do peru, que aliás substitui com grande garbo.

No jantar dos Endógenos do Avis, o capão foi muito bem tratado e esteve presente em todos os pratos, desde o aperitivo até à sobremesa, um feito difícil de alcançar. Gostei da história criada para encenar o jantar, contando a saga da ave desde o ovo e passando pelos momentos mais importantes da sua vida. O aperitivo com que se iniciou a refeição, foi o dry capão, servido num ovo e com uma bolinha de carne no lugar da azeitona. Gostei especialmente da combinação do capão, um crocante da pele e o nabo, um legume que anda muito alheado da nossa cozinha (miúdos de galinha com nabos é uma combinação tradicional e deliciosa). O último prato principal tinha o saboroso recheio tradicional do capão.

 

 

 

Pele crocante e nabo

 

 

Gostaria de ter usufruído do prato tradicional do capão à Freamunde, recheado e assado no forno, reluzindo na sua pele dourada. É realmente um prato maravilhoso e digno da mesa dos reis.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No fim, uma genial sobremesa que recriava o entorno alimentar do capão e que reafirmava a presença do ovo, no recomeçar de um novo ciclo. Gostei particularmente da maneira como o capão foi incorporado na sobremesa, com o fígado do bicho a rechear uma trufa de chocolate. Nem a propósito, termino com uma citação do Livro De Bem Comer, do sempre imprescindível José Quitério: “Camilo Castelo Branco aconselhava que ante o grande capão flamejado com aguardente velha que incorporava a memória em tanino de todos os carvalhos de Portugal [...] se fizesse mentalmente a biografia da ave, desde que saiu do ovo e foi vendida na feira de Barcelos, e desde que entrou no forno até que na mesa o próprio Camilo o trinchou.” Foi exactamente o que Cláudio Pontes fez ao longo do jantar.

Parabéns ao Cláudio Pontes pela refeição e parabéns aos mentores do projecto Endógenos. O próximo jantar é em redor das algas e terá lugar em Peniche. A não perder (ver Endògenos no FB). 

 

 

 

A PRIMAVERA E O SALMÃO À LAGAREIRO

Chegou finalmente a mais agradável das estações do ano, deixando para trás um Inverno húmido, chuvoso e cinzento, a condizer com a austeridade troiquiana. Com a Primavera chega a mudança de cartas que só faz sentido nos restaurantes que praticam a cozinha de mercado. São eles os que servem produtos frescos da época que se vendem, precisamente, em estabelecimentos de características sazonais como os mercados: peixe da época (em Abril, o besugo, o cherne, a corvina e a dourada são as melhores espécies para consumir), borreguinhos e cordeirinhos (conforme estamos no Sul ou no Norte), fruta (citrinos, sobretudo tangerinas, as nêsperas e as maçãs) e legumes (beldroegas, acelga, aipo, cebolos ou cebolas novas). Está na altura de aproveitar o sabor e a textura dos primores, os primeiros legumes da época. Está, sobretudo, na época de fazermos jus à nossa fama de país de dieta mediterrânea e de começarmos a colocar cada vez mais legumes nas ementas, mesmo dos restaurantes que não mudam de carta o ano todo. Temos óptimos legumes, fruta preciosa, que até constituem uma boa fatia da exportação. Por que razão não parecem mais nos restaurantes? Por que razão ainda temos de gramar a manga e o abacaxi com milhares de quilómetros nos pés e nas ramas quando temos todo o ano maravilhosa fruta da época e da nossa terra? O vasto leque dos nossos legumes não se limita aos brócolos e à cenoura.

 

Desde os anos 80, a nossa cozinha tem vindo a percorrer um longo caminho que a tornou bem diferente do que era à época. A cozinha burguesa recorria pouco a legumes. Abandonara o consumo popular da omnipresente couve e recorria a umas tristes saladas de folhas de alface moles e de tomate (salvava-se este). Lembro-me dessa década, no Algarve, todos os pratos serem servidos com umas pindéricas e enfrascadas macedónias de cenoura e ervilha, para contentar os “bifes”, já que nem legumes frescos havia em terras sulistas. Para acomodar o turista anglo-saxónico serviam-se (e creio que ainda se servem) as sardinhas assadas façon fish and chips,  acompanhadas de palitos de batata frita e guarnecidas com rodelas de limão. Bem, o que lá vai, lá vai, e hoje que bem se come no Algarve, quer nos restaurantes de topo, com a maior concentração de estrelas Michelin do país, quer em casas que recuperaram a saborosa e rica cozinha tradicional.

 

 

 

 

 

 

 

E agora perguntarão, e o salmão à lagareiro, o que tem a ver com a Primavera? Nada. O salmão à lagareiro não tem a ver com nada, é um exemplo inenarrável de pratos que de vez em quando aparecem num restaurante e que se espalham como fogo na floresta. O polvo e o bacalhau à lagareiro (não confundir com o confitado, em que a proteína é cozida na gordura, enquanto nas confecções à lagareiro, a proteína é cozida ou grelhada para depois se apresentar em banho de imersão de azeite) podem ser pratos de valia, mas têm vindo a tiranizar de tal forma as cartas que aborrecem. Pois agora não é que descobriram o tal salmão à lagareiro, uma contradição nos seus termos. Antes dos tais anos 80, comer salmão, fresco ou fumado, mas sempre selvagem, era um luxo. Fresco, comia-se na sua época vindo dos rios nortenhos, sobretudo do Minho. Em Março, lembro-me muito bem de ver estes peixes de dorso prateado a brilharem à porta do Martins e Costa, a grande mercearia do Chiado, onde tudo aparecia conforme a época, fossem os queijos da serra da Estrela ou as alcachofras. Lembro-me também de o ver tornar mainstream no fim da década de oitenta, principio de 90. Não já o selvagem, claro, mas o de aquicultura, importado lá dos nortes profundos, e cada vez mais barato. É um peixe gordo que não deve ser cozinhado com mais gordura, como parece evidente, mas sim com citrinos, cuja acidez corta essa mesma gordura. O salmão à lagareiro é o exemplo acabado de casamentos contra natura que, de vez em quando, assombram as nossas ementas. Há mais, mas ficam para outra altura.

 

É Primavera, comam os deliciosos produtos da época e da nossa terra. 

 

Obrigada ao Mário Cerdeira pelas fotos.

A CERIMÓNIA

 

Cada vez compreendemos melhor que o valor das coisas está também no valor que lhes atribuímos. Cada vez mais os produtos são valorizados pelas histórias que contam, pelos processos que os tornaram o que são. E que se não formos os primeiros a valorizar aquilo que temos, ou até aquilo que somos, a mensagem nunca passará para fora.

Ontem ao fim da tarde assisti a uma emocionante prova do que acabei de dizer: uma cerimónia em torno do Go En, um chá verde produzido pelo casal Morimoto, na prefeitura de Miyazaki, no Japão, e trazido para a Europa por uma equipa de duas empresas, uma alemã, a Marimo, e outra portuguesa, a Camélia. A cerimónia do chá no Japão é algo de muito complexo, envolvendo roupa, flores e refeição especiais. Porém, o que qualquer cerimónia verdadeiramente afirma é a valorização do que está no seu centro, no caso vertente o chá verde. Cada cerimónia é única e irrepetível e é desta forma que deve ser aproveitada. Para reforçar essa ideia, os japoneses fazem-na, por vezes, no meio do campo, numa cabana de feno construída na altura para esse propósito e que, ao desfazer-se com o tempo, se torna prova irrefutável do carácter único de cada cerimónia.

 

 

 

 

 

Ontem à tarde, a degustação do chá verde Go En proporcionada pela Nina em representação da sua empresa Camélia, foi uma experiência que envolveu vários sentidos, nomeadamente o ouvido. Marimo Beats, no contrabaixo, e Dirk Bohmer, no saxofone, interpretaram o som da agitação da água que aquece para o chá e deram-nos sons maravilhosos que nos tornaram mais receptivos para apreciar esta bebida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O mundo do chá é muito rico e complexo, um pouco semelhante ao nosso mundo do vinho ou ainda ao do café. O que mais se valoriza no chá verde é também a complexidade dos sabores ou o modo como estes se prolonga na boca. A terminologia usada até é semelhante.

 

 

 

 

 

 

 

 

Há chás que se fazem com água quente (nunca a ferver, para não destruir sabores, nunca a mais de 80ºC) e outros por infusão em água fria. O Mizudashi, o chá frio, é um deles, e o seu sabor refrescante é ideal para o Verão. Tal como o café, só se faz na quantidade que vai ser bebida no momento, repetindo-se todo o processo de início quando se pretende uma segunda dose.

 

 

 

 

 

 

 

 

Para fazer qualquer chá, a água deve ser o mais neutra de sabor possível, pelo que é aconselhável usar uma boa água mineral. No caso do Go En, a temperatura da água deve rondar os 60ºC, pelo que as tigelas onde vai ser bebido o chá precisam de ser pré-aquecidas com água quente. Um bom chá não deve ter contacto com nenhum elemento metálico, pelo que é valorizado o facto de a apanha não ser feita com maquinaria metálica, mas sim com uma máquina artesanal com um tambor de bambu. O GO En, cujo nome tem a ver com “coincidências” é muito semelhante ao Gyokuro, o mais nobre dos chás, uma vez que só é feito com as folhas jovens da primeira colheita que cresceram à sombra e que são muito ricas em teína, a cafeína do chá.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Verdadeiramente, não percebo nada de chás, verdes, brancos, pretos, verdes ou até amarelos. O meu mundo recente tem sido o dos cafés. Mas fiquei fascinada com a ideia da cerimónia e apaixonada pelo sabor umami dos chás verdes. Parabéns à Camélia, pela iniciativa de ter trazido estes chás do Japão e sobretudo pela coragem que mostra em cultivar chá verde em pleno Douro. Como disse a Nina, afinal todos os chás são Chamelia sinensis, e que bem que são as camélias no Douro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Contactos da Camélia

Telef: 222 430 075/931 740 803

camelia@chacamelia.com

www.chacamelia.com

 

 

 A primeira foto e a última são retiradas do FB da Nina. Obrigada. Fica aqui o link para o filme da colheita do chá nos Morimoto: http://vimeo.com/64986624

 

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