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Conversas à Mesa

COZINHAR O FIEL AMIGO

 

 

 

 

Escolher, demolhar e cozinhar o bacalhau

 

«Os verdadeiros apreciadores de bacalhau deverão ter sempre presente que (...) o bacalhau não deverá cozer fervendo em água, a fervura derrete a gordura que envolve as fibras do bacalhau, fazendo-a passar para a água, (...) ficando as fibras secas e tornando-as escuras.»

Olleboma

Culinária Portuguesa

 

O resultado final de um bom prato de bacalhau depende de uma escolha correcta, de uma dessalga bem feita e de uma confecção adequada, com tempos de cozedura curtos. Comecemos então por analisar quais as características de um bom exemplar, para sabermos escolhê-lo.

Depois de pescado, o bacalhau é salgado durante um a três meses, ao longo dos quais o sal é mudado várias vezes. Um processo curto de salga não produz um bacalhau de qualidade. Segue-se-lhe a secagem, actualmente em câmaras adequadas para o efeito, durante dois a cinco dias. Por legislação, o bacalhau seco deve ter no máximo 47% de humidade e 17% de sal. Em todo este processo, tenta-se preservar o máximo de nutrientes e retirar apenas a água.

O bacalhau seco de cura amarela é alvo de uma seca mais prolongada e tem apenas 12% de sal, ficando com uma cor amarelada e uma textura mais rija. É um bacalhau muito apreciado e mais caro. Por outro lado, o denominado asa branca não é mais que um bacalhau normal ao qual foi retirada a pele escura da asa, pelo que nunca se deverá pagar mais por ele. Em geral, só os melhores bacalhaus são sujeitos a este processo, essencial para o consumidor brasileiro que detesta ver aquela membrana preta.

Em relação ao peso, o bacalhau classifica-se em corrente (até 1 kg); crescido (até 2 kg); graúdo (até 3 kg); especial (mais de 3 kg); e jumbo (mais de 4 kg).

Quando mandar cortar um bacalhau, lembre-se que as postas devem ter uma altura uniforme (não corte postas do lombo com partes da asa, por exemplo), para que o tempo de dessalga seja idêntico. O peso ideal de cada posta ronda os 170 g.

A secagem, um processo de desidratação, provoca a concentração dos aromas. Quando é posto de molho, o bacalhau volta a absorver a humidade que lhe foi retirada. As postas são demolhadas em água fria, que se deve manter entre os 5ºC e os 8ºC. No Verão, não hesite em colocá-las no frigorífico. Disponha-as sobre uma rede, para não tocarem no fundo onde se irá depositar o sal, e com o lado da pele para cima, para permitir que o sal se escape. A água deve ser regularmente mudada – umas quatro vezes nas duas ou três primeiras horas.

Se seguiu estes conselhos e escolheu e demolhou bem o bacalhau, não o estrague com a confecção. A maneira como este peixe é cozido pode arruinar-lhe o sabor e a textura. E como é importante o modo como ele abre as suas lascas!

Se o bacalhau cozer de mais, a gelatina (colagénio) perde-se e a textura fica fibrosa. Exactamente aquilo que pretendemos evitar. Outra regra de ouro: o bacalhau deve ser sempre cozinhado com a pele e as espinhas. Cozer lombos de bacalhau limpos é o mesmo que cozer camarão sem cabeça e sem casca.

Coza as postas em água a ferver temperada com cebola, louro, alho e um fio de azeite e reduza o lume para que a água não levante novamente fervura. Se tem dificuldade em reconhecer o ponto de cozedura, adira à tecnologia e compre um termómetro. Introduza-o no centro da parte mais alta do peixe e quando este marcar 40ºC, a cozedura está no ponto.

Uma outra forma de cozer o bacalhau é confitá-lo, isto é, cozinhá-lo em azeite no forno, aquecido a 150ºC/160ºC. Disponha as postas num tabuleiro refractário, regue-as com um fio de água e muito azeite e junte-lhe dentes de alho a gosto. Vinte a trinta minutos deverão ser suficientes para obter a textura ideal.

Se pretende usar o bacalhau desfiado ou lascado, por exemplo em pataniscas ou em Bacalhau à Gomes de Sá, pode cozê-lo em leite, sobretudo quando desconfiar que está salgado. Mais uma vez, não deixe o leite ferver.

Use a pele e as espinhas do bacalhau para fazer um caldo: como a gelatina passa para a água, poderá usá-lo para engrossar molhos e outras preparações.

Do fiel amigo aproveita-se tudo. As línguas, as caras, as bochechas e o bucho (sames). E bem se pode, já sai mais barato pagar a bula do que comer bacalhau.

 

 

 

 

AL FRESCO

Chegou o calor, mas parece que não veio para ficar. Já apetecem as comidas simples e com notas de alguma acidez e frescura. Está na altura de cozinhar com muitos legumes e de substituir o peso das carnes pela leveza do peixe e do marisco. Deixo-vos aqui duas sugestões para uma refeição al fresco. São ideais para um jantar de amigos, uma vez que podem preparar-se com antecedência. A sopa pode ser feita de véspera e toda a base do prato principal também. Antes de sentar à mesa, é só cozer a massa e misturar tudo.

 

Creme frio de alho-francês, cenoura e laranja

Esta receita foi-me dada por uma amiga e óptima cozinheira  neo-zelandesa. Não alterei nada. Esta sopa tem de ficar com uma consistência aveludada. Triture-a na Bimby, se tiver, ou com a varinha mágica na potência máxima.

 

Para 6 pessoas

 

 

40 g de manteiga

2 alhos-franceses grandes (parte branca e alguma parte verde), cortados em rodelas com ½ cm

500 g de cenouras, descascadas e cortadas em rodelas com ½ cm

sumo de 2 laranjas e raspa de 1

2 colheradas de queijo Philadelphia, ou outro queijo-creme, normal ou magro

cebolinho ou talinhos de coentro, para enfeitar

 

1) Derrete-se a manteiga em lume brando. Junta-se o alho francês e deixa-se suar 2 minutos, mexendo de vez em quando. Junta-se a cenoura e deixa-se suar cerca de 20 minutos em lume brando, mexendo de vez quando.

 

2) Quando os legumes estiverem a ficar moles, junta-se 1,5 l de água a ferver. Tapa-se e deixa-se cozer cerca de 30 minutos.

 

3) Triture muito bem a sopa até ficar um creme bem homogéneo. Na panela, junte o sumo e a raspa de laranja e deixe levantar fervura.

 

4) Junte o queijo-creme batido com um garfo e deixe ficar em lume brando até derreter.

 

5) Se não gostar de encontrar a raspa de laranja, coe a sopa por um passador. Eu gosto de encontrar a resistência da raspa na boca.

 

 

 Suando os legumes

 

 

 

Massa com camarão, tomate e erva-príncipe

 

Para 6 pessoas

 

Pode fazer esta massa com mais tomate, se preferir. Pode também juntar um pouco de pesto de tomate ou do normal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 pacotes de tagliatelle brancos e verdes frescos

1 kg de camarão cozido, mas firme, ou cru.

1 caixinha de tomates-chucha miniatura (ou tomates-cereja), cortados ao meio

4 colheres de sopa de azeite (2 mais 2)

1 talo de erva-príncipe, esmagado

sal

 

1) Descasque o camarão. Corte o tomate ao meio no sentido do comprimento.

 

2) Coza a massa em água a ferver com sal conforme as instruções da embalagem. Escorra-a, mas guarde cerca de 1 dl da cozedura.

 

2) Entretanto, aqueça o azeite e salteie o tomate-chucha até começar a murchar ligeiramente mas sem perder a forma. Junte a erva-príncipe. Adicione o camarão. Se usar o cru, salteie 2 minutos; se usar o cozido, deixe apenas o tempo de aquecer. Prove e tempere com sal.

 

3) Adicione a gosto a água de cozer a massa.  Junte a massa e mexa. Sirva de imediato.

 

 

 

Salteando o tomate

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PEIXE DOS ANJOS

 

 

 

Aqui há uns quatro anos participei numa prova cega de dois robalos, um de aquacultura portuguesa e outro de mar, exactamente do mesmo tamanho e cozinhados da mesma forma.  Os outros quatro ou cinco intervenientes eram todos gente muito batida na gastronomia. O vencedor foi o robalo de aquacultura.

Pois é. Impossível? Nada disso. O que nos faz gostar de um robalo  são, fundamentalmente, três coisas: a textura firme, o sabor amariscado proveniente da sua alimentação e o teor de gordura da carne, potenciadora do sabor.

O robalo de mar não é um vencedor à partida. Se estiver fora da sua época, arrisca-se a perder para um exemplar que seja proveniente de uma boa prática de aquacultura. Se a origem do peixe de cultura for selvagem, se a alimentação for adequada, o espaço suficiente e a água bem ventilada, a sua qualidade do peixe pode ser de primeira água.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No tempo dos Romanos, o Sado era navegável e Alcácer do Sal reunia dois produtos valiosos: bom e muito peixe e um sal com óptimas qualidades para a sua conservação. Anteriormente terão estado aqui os Fenícios que já faziam um produto muito semelhante ao garum romano, uma salmoura feita à base de vísceras de peixe(sobretudo cavala) e de outros pequenos peixes e mariscos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Aquacultura do Anjo

 

Foi nesta região, no estuário do Sado, que fui conhecer a aquacultura do Anjo, ocupando antigas salinas desactivadas. São um exemplo do tal bom peixe de aquacultura. Foram os seus proprietários, o simpático casal Américo e Cecília,  que transformaram estas salinas em alguns hectares de viveiros de ostras e de peixe. Uma amiga comum, muito sabedora nestas lides do peixe e que muito me tem ajudado na vertente científica, a veterinária Maria Helena Pinto Ribeiro, promoveu o nosso encontro. Visitei os tanques, onde entra a água do mar com os respectivos nutrientes, complementadores da ração, e os peixes nadam com muito espaço. Assisti à captura de robalos e douradas através de uma espécie de rede de cerco, e de linguados e enguias, apanhados à mão em águas baixas. E depois à sua separação manual por peso: cada peixe é pesado numa balança e colocado no cesto dos seus colegas de tamanho. Devidamente acondicionados em gelo, viajam então para a lota. O peixe da aquacultura do Anjo não é barato, mas a procura de exemplares com esta qualidade é muito grande.

Qualidade que pude comprovar nesse mesmo dia ao almoço, do qual fizeram parte robalos e douradas grelhados e até um ensopado de enguias. O peixe tinha um sabor levemente amariscado, uma textura firme e nada seca, mas nada daquelas gorduras extrínsecas que caracterizam o mau peixe de cultura, vindo do estrangeiro.

O consumo de peixe de aquacultura tende a aumentar cada vez mais, substituindo o peixe de mar que se tornará cada vez mais um luxo.

Infelizmente, em alguns restaurantes há muita promiscuidade na origem dos peixes, vendendo-se peixe de cultura por peixe do mar, quando cada um pode ter o seu lugar como vimos. Quando no nosso país temos peixe aquacultura com tanta qualidade como o da aquacultura do Anjo, o futuro fica risonho.

 

 

 

 

 

 DOURADA

 

 

 

 

 

As ostras

 

 

Em relação às ostras só há posições extremas, ou se amam ou se odeiam. Eu sou dos que adoram o seu minimalismo.

A ostra tem uma vida fascinante, dominada por diversos mecanismos de defesa. A começar pela belíssima concha calcária com que defende o seu corpinho mole e apetecível. A formação de pérolas no seu interior advém de uma reacção a um ser estranho que se introduza no interior da concha. Imediatamente a ostra começa a produzir madrepérola para o isolar e evitar que se propague.  

Dita afrodisíaca devido à riqueza em zinco, a ostra tem ela mesma uma vida sexual auto-suficiente, sendo hermafrodita. Começa por ser macho e passa a fêmea. Depois de ter a concha formada, a ostra nunca mais saí do sítio, alimentando-se dos nutrientes da água corrente salgada. A cultura do Anjo é de solo, sendo as ostras colocadas em águas baixas.

 

 

 

 

 

 

 

 

Ali se encontram ostras gigas ou ostras-do-pacífico  (Crassostrea gigas), vindas do Japão para a Europa no fim do século passado, e as portuguesas ou angulatas (Crassostrea angulata), de tamanho um pouco mais pequeno.  Na minha opinião, a melhor forma de as comer é mesmo acabadas de abrir se nada, sorvendo todos os sucos, sem nos importarmos que escorram pelo queixo. Talvez seja isso que as torna afrodisíacas.

Obrigada ao Mário Cerdeira pelas fotos.

 

Já agora, vejam a diferença entre um robalo e um robalo baila.

 

BAILA

 ROBALO

 

 

 

 

 

A Carioca dos cafés

 

 

 

 

A Carioca é uma das últimas casas de café de Lisboa. Mais precisamente de chás e cafés.foi fundada em 1936 e hoje pertence aos cafés Negrita. A decoração é linda, com maravilhosos painéis pintados sobre madeira e protegidos por vidro, alusivos aos temas em questão. Vende bons cafés de monoorigem, como o Colômbia ou o Magarogype da Nicarágua, um arábica de grão gigante, apelidado de grão-elefante. Há também arábicas de São Tomé e Timor. Em lotes destacam-se o lote Tavares (servido no Gambrinus e no interrompido Tavares) e o da casa. Fazendo parte da decoração, vários moinhos de café de todos os tamanhos. O grão é guardado em gavetas forradas a folha. A completar a minha felicidade também vendem bolachas, retiradas das antigas caixas em folha com tampo transparente. Até têm araruta! Vale a visita. Na Fundo da Rua da Misericórdia, frente à igreja dos Italianos.

 

 

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