CONVERSAS DE CAFÉ
Em termos gastronómicos, o mundo tem vindo a tornar-se mais complexo para o consumidor comum, alargando exponencialmente o leque de escolhas que, ainda há bem pouco tempo, eram muito limitadas. Felizes, trazíamos da terra o azeite da tia, que mais das vezes era um lampante a saber a tulha; de chocolate havia dois tipos, o dos bolos e o de comer; e bebia-se uma “pinga valente” do palhinhas ou um Dão Grão Vasco, conforme as possibilidades. Hoje em dia, a oferta é infindável e, para podermos escolher, somos obrigados a absorver toneladas de informação.
Todo este processo de sentar o império da razão à mesa terá começado com o vinho. Deixou de ser suficiente apreciá-lo, deixando-nos conduzir pelas emoções
que em nós desperta, tornando-se obrigatório analisá-lo, detectar aromas de couros, feno cortado ou sílex, fazer refinados pairings e sentir o pavor de errar. Este frenesi de conhecimento tem vindo progressivamente a atingir outros mundos gastronómicos, nomeadamente o do café, que se tornou objecto de culto no mundo da gastronomia. Tal como o vinho, rodeou-se de uma linguagem críptica que o consumidor médio raramente entende, e até ganhou um «escanção» chamado barista. Correspondentes ao bouquet do vinho, os inúmeros aromas que servem para classificar o café foram também reunidos por um enólogo, há cerca de 30 anos, numa Roda de Aromas e Sabores.
Sustentável, orgânico, proveniente de comércio justo ou produzido por mulheres, em blends ou de origem única, das grandes fazendas ou de minúsculos e remotos produtores são algumas das alternativas que os consumidores esclarecidos têm de considerar antes de tomarem uma chávena de café. Porém, a árdua tarefa da selecção não se fica por aqui, há ainda que determinar os graus de torra, a granulometria (grau de moagem), e o método mais indicado para cada café e para o nosso gosto pessoal. Fazer café tornou-se uma tarefa de tal forma complexa que obriga a medir os segundos que se deve levar a mexê-lo, ou a inclinação com que a água deve cair sobre o pó.
Hoje, as tendências do gosto vão para cafés mais aromáticos e com menos corpo e, seguindo a tendência geral na cozinha, procura-se uma agradável acidez presente sobretudo em arábicas cultivados em altitude. Para corresponder às recentes tendências, surgiram novos e recuperaram-se antigos métodos que ligam cada vez mais o prazer de tomar um café ao da sua preparação.
De entre estes, destacamos aqui dois, e explicamos a sua utilização. São eles a Aeropress, uma espécie de prensa francesa com a vantagem de o pó não ficar em contacto com o café depois de feito, e a Chemex, um utensílio saído do laboratório de química. Para os experimentar, use o mesmo blend nos dois e encontre as diferenças.
Aeropress
Moagem média
15 g/17 g de pó, ou 2 colheres da Aeropress rasas, para 200 ml de água a 80ºC
A Aeropress foi criada em 2005 por Alan Adler, um fabricante de brinquedos que a construiu à semelhança de um puzzle com apenas três peças (base, êmbolo e porta filtro), cujo modo de encaixe é muito fácil. Ao conjunto pertencem ainda a base para filtros, a colher-medida, a espátula para mexer e o funil, além dos minúsculos filtros redondos em papel.
A Aeropress funciona por prensagem através do ar, permitindo extrair as propriedades do café sem perder os óleos essenciais, e produzindo um café de intensidade média, suave e cheio de sabor. A forma mais fácil de a usar é através do chamado método invertido, que evita eventuais derrames.
- Humedecer o filtro de papel, colocar no porta-filtros e reservar. Humedecer também o anel de borracha e colocar o êmbolo dentro da base, a tocar no nº 4, ficando as duas partes quase completamente separadas, com a abertura da base virada para cima.
- Introduzir o funil na base e deitar o café através deste. Regar com um pouco de água, até atingir o nível 3. Mexer durante 10/20 segundos e deitar o resto da água, até ficar entre o nível 2 e o 1.
- Enroscar o filtro na base e esperar 60 segundos.
- Virar todo o conjunto com cuidado, sobre uma caneca ou cafeteira em vidro.
- Fazer pressão com o êmbolo, lenta e continuadamente (demorando cerca de 20 segundos), até atingir o pó.
Chemex
Moagem média
15 g-20 g de pó para 200 ml de água a 82ºC-93ºC
Conforme nos conta Ian Fleming no seu romance de 1957, From Russia With Love, o snobíssimo James Bond só bebia café feito na Chemex. Criada em 1941 pelo químico Peter Schlumbohm, a Chemex representa a influência crescente do laboratório na cozinha, uma vez que reúne o célebre frasco Erlenmeyer (do nome do químico alemão seu criador) e um funil. A mais elegante de todas as cafeteiras foi considerada digna de lugar cativo no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
- Humedecer completamente o filtro com a água quente. Neste caso, usámos um filtro quadrado dobrado em quatro que, ao abrir-se, fica com forma cónica, devendo o lado das três folhas ser colocado na parte do bico.
- Deitar o café moído e regar com um pouco de água quente, para fazer uma pré-infusão (bloom) durante alguns segundos, mexendo ao de leve com uma colher.
- Juntar o resto da água, sempre em movimentos circulares, das bordas para o centro. Mexer mais uma vez com a colher, para homogeneizar.
Conselhos para fazer um bom café
- Usar sempre água mineral ou filtrada. Não deixar a água ferver, para que não haja perda de oxigénio, potenciador dos aromas. Se possível, usar um termómetro.
- Moer o café imediatamente antes de o usar. Para guardar café moído, fechá-lo num frasco hermético e conservar no frigorífico.
- Dar preferência a cafeteiras em vidro que, sendo neutras, não transmitem sabor ao café.
- Usar filtros exactamente do tamanho recomendado para o porta-filtros, para que o café possa fluir de forma adequada, e regá-los com água quente, a fim de lhes retirar os químicos do branqueamento e para que não saiam do sítio nem se dobrem. Deitar fora essa água.
- Usar uma cafeteira de bico comprido para verter a água com um fluxo regular, das bordas para o centro. Para que a bebida não fique subextraída, é aconselhável fazer uma pré-infusão: regar o pó com um pouco de água e esperar alguns segundos antes de verter o resto da água para que possa ter lugar o bloom ou eliminação dos gases (CO2) provocados pela torra do grão de café.
- Respeitar a granulometria (grau da moagem) do café para cada método. Quanto mais grossa for a moagem, mais facilmente a água passa pelo pó, mas, se a água estiver pouco tempo em contacto com o pó não conseguirá retirar-lhe todas as propriedades, deixando o café subextraído. Pelo contrário, quanto mais fino for o pó, mais resistência oferece à passagem da água. Se a infusão demorar demasiado tempo, podem passar para a bebida óleos e substâncias amargas que lhe dão mau gosto, ficando o café sobre-extraído.
- Não reaquecer café.
- Não compactar o café, à excepção do expresso.
*Conversas de Café, o meu último livro, em edição CTT