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Conversas à Mesa

Não há bacalhau da Noruega como o primeiro

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Fiz esta semana uma viagem a Tromso, na Noruega, para conhecer mais aprofundadamente o bacalhau nas suas origens e para perceber como ele é consumido localmente.

Embora estivéssemos fora de época, fomos à pesca com pescadores profissionais e com cana de pesca.

Ainda estava eu a descer linha, já começava a sentir uns bons puxões. O bacalhau é tremendamente voraz, nada de boca aberta e é pouco esquisito em termos alimentares. Tive de imediato a sorte de apanhar um bom peixe com cerca de quatro quilos, que ainda deu luta a trazer para bordo. A parte final foi por conta dos pescadores, que o puxaram com uma gancheta. Acho que a alegria está bem patente na minha cara.

 

(veja-se a barbatana caudal recta, uma boa dica para reconhecer o bacalhau)

Maria de Lourdes Modesto em defesa do pastel de bacalhau

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 Da parte de Maria de Lourdes Modesto recebi este texto que urge chegue ao conhecimento de todos os que se interessam pela nossa gastronomia. Aqui vai publicado na íntegra.

 

 

Socorro, que isto dói.

Levantei os olhos, e deparei com uma verdadeira obscenidade no ecrã do meu
televisor: um pastel de bacalhau a esvair-se em queijo Serra da Estrela. Não
pode vir mais a propósito é "com uma cajadada matar dois coelhos". Duas
das mais queridas e conseguidas especificidades da nossa gastronomia, numa
pornográfica e ridícula figura! Julgo que vi, e foi-me confirmado, que a
ideia seria do Turismo de Portugal. Chamar a atenção para o nosso católico e
recatado País com aquela obscena imagem, parece-me obra do diabo, quiçá, do
estado islâmico.
O queijo Serra da Estrela já está habituado a estas diabruras o que me leva
a pensar que pessoas com responsabilidades nunca o conheceram na sua
pujança: maduro e cortado à fatia; mas o inocente pastel de bacalhau, 

 

 

Senhores ! Porquê?.
Não desconheço que as autoridades, por desespero da população, estão muito
preocupadas com os toldos que abrigam a referida aberração, mas... e na
Cultura, não há ninguém com papilas saudáveis, bom gosto e que saiba que o
pastel de bacalhau é uma das joias mais perfeitas e mais queridas da nossa
gastronomia popular?
Ninguém com poder toma conta "disto"?
Maria de Lourdes Modesto

Bem Comer & Curiosidades, de José Quitério

capa quitério

 

 

 

Hoje, dia de Camões e dia de Portugal, não podia ter escolhido melhor assunto para vos falar: o novo livro de José Quitério. Bem Comer & Curiosidades, que começa justamente com uma citação do maior poeta:

«Pois sabei que a Poesia

vos dá aqui tinta por vinho

e papéis por iguaria.»

 

Nos seus livros, todos eles, Quitério conseguiu superiormente transformar a escrita gastronómica em poesia, a tinta em vinho e os papéis em iguaria. António Mega Ferreira chamou-lhe «gastrónomo doublé de escritor». Pegando nestas palavras eu diria que Quitério é um escritor doublé de gastrónomo, tal é o prazer que nos proporciona a sua leitura. A sua escrita transforma as iguarias e o vinho numa prosa aditiva e de estilo imediatamente reconhecível, que temos dificuldade em abandonar.

Porém, para mim, essa não é a razão que me leva quase diariamente a consultar os seus livros. O verdadeiro motivo prende-se com a seriedade e a quantidade de informação que Quitério fornece. A mais nenhuns (tirando o caso, em geral noutra vertente, de Maria de Lourdes Modesto), a mais nenhum me entrego com a confiança total, cegamente, com a certeza de que tudo quanto sai da sua pena é de palavra de honra. Só ali aparece o que foi exaustivamente investigado, cuidadosamente peneirado. As suas fontes são sempre fiáveis e correctamente citadas. Éa erudição prazenteira, coisa tão difícil de achar.

 

O Bem Comer & Curiosidades é o híbrido de dois livros já publicados pelo autor há uns bons anitos, mas que se mantêm completamente actuais, porém esgotados. Foram-lhe enxertadas novas informações em certos capítulos, como no caso do Bacalhau à Gomes de Sá, e até novos capítulo, vide o da galinhola. É um magnífico pretexto para voltar a ler tudo. Tem um bom tamanho e é maneável. Deveria ser manual das escolas hoteleiras e de cozinha, sendo livro obrigatório para todos os que não costumam «obtemperar com os paladares depravados pelas iguarias à francesa.» (citação de Camilo Castelo Branco que também abre este livro) e também para os que costumam obtemperar.

 

Viva o 10 de Junho, viva Camões, viva Portugal e viva o José Quitério

 

FEIRAS E MERCADOS

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Numa conversa tida ontem num almoço tertuliano com amigos, referiu um deles que os nossos verdadeiros irmãos são os galegos e não os brasileiros. Estes tendem mais para nossa prole, pese-lhes por vezes a eles essa ideia. Eu gosto muito do Brasil, e não poderá ser de outro modo enquanto me lembrar da maneira generosa como a minha família, incluindo eu, foi recebida em terras vera-crucenses em 1975, quando o meu pai, saneado de um banco, para lá imigrou à procura do pão para a boca. Nessa altura, era mais o que nos unia do que o que nos separava, apesar de muitas estranhezas de língua e hábitos a que nos fomos adaptando. Lembro-me ainda do choque que o meu pai sentiu quando entrámos num lojão e o empregado o tratou por moço, sendo ele homem na casa dos 50 e já de cãs. Ou quando da primeira vez que ligámos a televisão comprada a prestações no Ponto Frio e demos de caras com um programa que só dava anedotas de portugueses, o Manel e o Joaquim. Mas vamos ao que nos interessa, a comida.

 

IMG_3699.JPGCom o meu amigo Eduardo Girão e a funcionária do Bar da Lora

 

Uma das melhores coisas que o Brasil tem são as feiras. Ainda hoje me fascinam os mercados, como o Mercadão de São Paulo ou o Mercado Central de Belo Horizonte, vivíssimos, ricos nos mais variados ingredientes e recheados de botecos onde se come bem e barato. Ao contrário das nossas feiras onde o artesanato disponível consiste em alguidares de plástico e trapos Made in China, as que visitei no Brasil vendem muito artigo útil feito localmente, para além de artesanato e quinquilharias. O Mercado de Belo Horizonte vende até pequenas bolas de torra para café.

 

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Uma bola portátil para torra de café, como a que usa o aventureiro Todd Carmichael (Torrefactora La Colombe), no programa Dangerous Grounds.

 

Tive a sorte de, recentemente, ter tido um amigo a guiar-me no Mercado Central através da imensidão de frescos, alguns deles desconhecidos para mim. Foi o Eduardo Girão, jornalista e bloguista (o blog do girão, ver aqui), supersimpático e muito conhecedor de matérias alimentares, que também me levou a almoçar a um buteco (tasco) do Mercado onde, por tuta e meia, comi uma das refeições que melhor me soube na vida: o Bar da Lora.

 

 

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Mandioca, linguiça e pica pau de carne de vaca

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Fígado e pimenta de biquinho

 

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Mandioca com pimenta de biquinho

 

 

Fígado de picar com pimenta de biquinho

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No Bar da Lora, tudo é feito nesta minúscula cozinha 

Por cá pela terrinha, transformámos os nossos mercados em praças de alimentação, deixando para trás o seu principal objectivo, a venda de frescos. Por infelizes circunstâncias várias, que também se prendem com preços e horários, passaámos a frequentar quase apenas supermercados, minimercados e hipermercados. O mercado da Ribeira já estava morto quando deu lugar a um gigantesco emaranhado de bancas de comida; o de Campo de Ourique estava em morte lenta. O caso exemplar do mercado de Cascais, onde convivem em boa harmonia as peixarias, as bancas de legumes, pão, enchidos e queijos com os restaurantes dá-nos alguma esperança para o futuro.

 

No Brasil, quem não quer ir ao mercado, tem a opção das feiras de bairro. Tudo está fresquíssimo, tudo tem serviço de preparação, desde a fruta aos legumes.

Em São Paulo, nunca deixo de percorrer a minha feirinha de bairro preferida, situada junto da Óscar Freire e da Haddock Lobo, no Jardim Paulista. Quem me levou lá pela primeira vez foi uma grande escritora e investigadora da área da alimentação, a Rosa Belluzzo, que recentemente publicou um dicionário desta área e que também tem um livro maravilhoso sobre comidas em Machado de Assis. As nossas visitas à feira acabam sempre a comer pastel de vento, uma espécie de gigantescos pastéis de massa tenra que, tal como os nossos de quem descendem, incham com o ar. Em geral, são feitos por japoneses, que só os fritam à medida que vão sendo pedidos. O negócio é todo de rua: nas pontas das feiras, debaixo de toldos, encontramos umas pantagruélicas frigideiras com um óleo sempre claríssimo onde se retorcem os tais pastéis, retirados um a um do meio de alvos panos de saca. Com eles gosto de beber um fresquíssimo caldinho de cana de açúcar, do toldo ao lado.

 

 

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Obrigada meus irmãos por ainda terem mercados e feiras.

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