Numa conversa tida ontem num almoço tertuliano com amigos, referiu um deles que os nossos verdadeiros irmãos são os galegos e não os brasileiros. Estes tendem mais para nossa prole, pese-lhes por vezes a eles essa ideia. Eu gosto muito do Brasil, e não poderá ser de outro modo enquanto me lembrar da maneira generosa como a minha família, incluindo eu, foi recebida em terras vera-crucenses em 1975, quando o meu pai, saneado de um banco, para lá imigrou à procura do pão para a boca. Nessa altura, era mais o que nos unia do que o que nos separava, apesar de muitas estranhezas de língua e hábitos a que nos fomos adaptando. Lembro-me ainda do choque que o meu pai sentiu quando entrámos num lojão e o empregado o tratou por moço, sendo ele homem na casa dos 50 e já de cãs. Ou quando da primeira vez que ligámos a televisão comprada a prestações no Ponto Frio e demos de caras com um programa que só dava anedotas de portugueses, o Manel e o Joaquim. Mas vamos ao que nos interessa, a comida.
Com o meu amigo Eduardo Girão e a funcionária do Bar da Lora
Uma das melhores coisas que o Brasil tem são as feiras. Ainda hoje me fascinam os mercados, como o Mercadão de São Paulo ou o Mercado Central de Belo Horizonte, vivíssimos, ricos nos mais variados ingredientes e recheados de botecos onde se come bem e barato. Ao contrário das nossas feiras onde o artesanato disponível consiste em alguidares de plástico e trapos Made in China, as que visitei no Brasil vendem muito artigo útil feito localmente, para além de artesanato e quinquilharias. O Mercado de Belo Horizonte vende até pequenas bolas de torra para café.
Uma bola portátil para torra de café, como a que usa o aventureiro Todd Carmichael (Torrefactora La Colombe), no programa Dangerous Grounds.
Tive a sorte de, recentemente, ter tido um amigo a guiar-me no Mercado Central através da imensidão de frescos, alguns deles desconhecidos para mim. Foi o Eduardo Girão, jornalista e bloguista (o blog do girão, ver aqui), supersimpático e muito conhecedor de matérias alimentares, que também me levou a almoçar a um buteco (tasco) do Mercado onde, por tuta e meia, comi uma das refeições que melhor me soube na vida: o Bar da Lora.
Mandioca, linguiça e pica pau de carne de vaca
Fígado e pimenta de biquinho
Mandioca com pimenta de biquinho
Fígado de picar com pimenta de biquinho
No Bar da Lora, tudo é feito nesta minúscula cozinha
Por cá pela terrinha, transformámos os nossos mercados em praças de alimentação, deixando para trás o seu principal objectivo, a venda de frescos. Por infelizes circunstâncias várias, que também se prendem com preços e horários, passaámos a frequentar quase apenas supermercados, minimercados e hipermercados. O mercado da Ribeira já estava morto quando deu lugar a um gigantesco emaranhado de bancas de comida; o de Campo de Ourique estava em morte lenta. O caso exemplar do mercado de Cascais, onde convivem em boa harmonia as peixarias, as bancas de legumes, pão, enchidos e queijos com os restaurantes dá-nos alguma esperança para o futuro.
No Brasil, quem não quer ir ao mercado, tem a opção das feiras de bairro. Tudo está fresquíssimo, tudo tem serviço de preparação, desde a fruta aos legumes.
Em São Paulo, nunca deixo de percorrer a minha feirinha de bairro preferida, situada junto da Óscar Freire e da Haddock Lobo, no Jardim Paulista. Quem me levou lá pela primeira vez foi uma grande escritora e investigadora da área da alimentação, a Rosa Belluzzo, que recentemente publicou um dicionário desta área e que também tem um livro maravilhoso sobre comidas em Machado de Assis. As nossas visitas à feira acabam sempre a comer pastel de vento, uma espécie de gigantescos pastéis de massa tenra que, tal como os nossos de quem descendem, incham com o ar. Em geral, são feitos por japoneses, que só os fritam à medida que vão sendo pedidos. O negócio é todo de rua: nas pontas das feiras, debaixo de toldos, encontramos umas pantagruélicas frigideiras com um óleo sempre claríssimo onde se retorcem os tais pastéis, retirados um a um do meio de alvos panos de saca. Com eles gosto de beber um fresquíssimo caldinho de cana de açúcar, do toldo ao lado.
Obrigada meus irmãos por ainda terem mercados e feiras.