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Conversas à Mesa

IN LOCO

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Começando pelo fim, o LOCO, novo restaurante de Alexandre Silva, vale a visita. O preço do menu de degustação mais longo, o de 18 momentos custa 85 euros, sem vinhos, e não é caro tendo em conta a qualidade que é apresentada ao comensal.

Num escrito entregue ao cliente logo que este se senta, o conceito da refeição é caracterizado como sendo «uma experiência total» que «desafia as regras», sendo a inspiração baseada na tradição e nos produtos portugueses. A refeição é dividida em 4 etapas que incluem 18 «momentos», sendo a primeira um «andamento» vivace, pela velocidade do compasso gastronómico a que se processa a vinda dos vários amuse bouche, e as seguintes mais lentas, em andante, para as etapas correspondentes ao pão, aos pratos principais e às sobremesas.

 

 

 

Comecemos pela referência aos produtos portugueses. Sem dúvida que os encontrei em praticamente todos os «momentos» da refeição, e todos de muito boa qualidade: a ostra, o salmonete, o rabo de boi ou o atum. Em nenhum deles se encontram referências a receitas tradicionais, à excepção do «pastel de bacalhau», que apesar do óptimo sabor se traduziu numa reconstrução pouco conseguida em que se notava a falta da cremosidade da batata e do ovo.

 

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O «pastel de bacalhau» 

 

 

Quanto à «experiência total» não sei o que significa neste contexto, já que costuma aplicar-se ao uso de todos os sentidos, o que aqui não foi válido em nenhum prato. Uma excepção para o momento do atum, quinoa e petazetas, sendo que estas últimas já não são propriamente um número surpreendente. Ao longo da refeição, foram usados mais dois ou três artifícios. Por exemplo, na altura em que uma menina muito simpaticamente me veio levar à boca uma colherada com atum e quinoa, apeteceu-me pedir-lhe que fizesse antes o velho truque do «aviãozinho», caso contrário não abriria o «hangar». Estes artifícios parecem-me perfeitamente dispensáveis, uma vez que a refeição vale por si só, pelo sabor e criatividade dos pratos, dispensando essas pequenas surpresas que nada lhe acrescentam.

 

Em relação aos pratos, não vou deter-me numa morosa descrição da quase vintena deles, até porque variam consoante o «mercado» ou a época, mas gostaria de salientar aqueles de que mais gostei. Começo pelo fim. As três sobremesas foram magníficas. Desde a tira de gengibre que lava o palato, à irreverência da sobremesa de granizado de aipo com caril verde, passando pela pêra com camomila e miso, extraordinária esteticamente e de equilíbrio de sabores, todas elas remataram com leveza aquela refeição. Andando para trás, gostei muito, mesmo muito, do lombo de salmonete com feijão fermentado e bergamota. A textura e o sabor do peixe deixaram-se enlear naqueles sabores adocicados, fazendo-lhes frente. O que, de início, me pareceu uma quantidade grande, depressa se sumiu com prazer. Muito bom o pregado combinatório das ervas mediterrânicas com os sabores orientais do coco. Muito boa também a ostra cozida à mesa no vapor, combinando o picante e o adocicado. Quanto ao prato de grão com mão de vaca (esta quase ausente) achei-o pesado e despropositado, quase no fim de uma refeição que já ia longa.

 

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Salmonete

 

 

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Pregado 

 

 

 

 

 

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 Ostra

 

 

 

Uma palavra ainda para o «momento» do pão, uma aparição grata neste tipo de cozinha em que os hidratos de carbono são sempre escassos. Deliciei-me com o molho do bife sem bife, para molhar o pão. Realmente, quem é que precisa do bife quando há pão e molho?

 

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Pão, manteigas, azeite e molho de bife

 

 

Os primeiros momentos dos amuse bouche fizeram-me lembrar um pouco a loucura da passagem de planos de alguns programas de televisão inovadores dos anos 90. Os planos eram tão curtos que não chegávamos a conseguir ver nada. As doses destes micro pratos são tão curtas e sucedem-se tão rapidamente que quase não conseguimos sentir-lhes o gosto. Mas este talvez seja um problema geracional. À gente jovem agradará certamente esta sucessão rápida de sabores.

 

A minha refeição foi acompanhada com água e a seguir ao momento do pão com um Costa SW de 2013, da Quinta do Brejinho, que se aguentou muito bem com o resto dos pratos. No fim, a gostosa aparição do balão e de um agradável lote de cafés com uma boa torra.

 

 

Para terminar o post, gostaria de dar os meus parabéns ao Alexandre Silva por ter tido a coragem de avançar para um projecto próprio. Gostei muito do espaço em preto e branco, do toque quente da madeira de oliveira, da garrafeira, do destoalhado das mesas, da escolha cuidadosa de toda a utensilagem, do esmerado serviço feito pelo pessoal da cozinha, do trabalho muito profissional do escanção e da presença constante do chef na sala. Este era um restaurante contemporâneo que fazia falta em Lisboa. E um local certamente a voltar a visitar.

 

 

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LOCO

Rua dos Navegantes nº53 B, Lisboa, junto à Basílica da Estrela

Telefone: 213951861

reservas@loco.pt

De terça a domingo, só aos jantares

 

 

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Pão com chouriço

 

 

 

 

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Atum

 

 

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Mexilhão

 

 

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Navalha

 

 

 

 

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Gengibre

 

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Pêra

 

 

 

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Mignardises 



 

 

 

 

 

LÓGICA, CONSISTÊNCIA E CRIATIVIDADE NO FLORES

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Com grande espanto, vi esta semana um concurso culinário na televisão chamado Chopped. Destina-se a profissionais da área, que têm de fazer vários pratos com os ingredientes escondidos em estapafúrdias cestas mistério. Delas saem carne de cobra, gafanhotos e miolos de cabra na companhia de misturas para bolo de baunilha, marshmallows, gomas e ovos milenares chineses. Vai daí que os desgraçados dos cozinheiros têm de apresentar uma entrada, um prato principal e uma sobremesa onde este tipo de ingredientes têm obrigatoriamente de entrar, e cujo resultado sendo inimaginável já se imagina. Não é que este concurso me fez finalmente compreender por que razão cada vez encontramos mais em certos dos restaurantes combinações tão estranhas quanto estas e que resultam igualmente em desastre? Será que nesses restaurantes, os cozinheiros, coitados, são obrigados a usar cestas mistério tipo Chopped, trasformando as respetivas ementas em arraiais de disparate?

Graças ao Senhor, há quem ainda quem consiga de forma brilhante apresentar uma cozinha contemporânea, surpreendente, saborosa e lógica. É o caso do Bruno Rocha, de quem já aqui falei, e que agora está na chefia do restaurante Flores do Hotel do Bairro Alto. Comprovei-o no lançamento da nova carta, para o qual fui convidada.

Foi um evento muito divertido. Tudo começou com uma viagem no célebre eléctrico 28. A bordo, no meio de subidas e descidas, curvas e contracurvas, Bruno Rocha fez a proeza de servir um cocktail criado pelo barman do hotel e duas entradas da carta. Uma delas, a recriação da lisboeta meia desfeita, estava muito bem conseguida e, na minha opinião, reflecte na perfeição o conceito da cozinha do chef: ao grão-de-bico é retirada a película exterior, o bacalhau apresenta-se lascado e com textura impecável, a acidez do vinagre está representada por uma cebola picle, o ovo do jardim é de codorniz e apresenta a gema selmi-líquida. O resultado é um prato elegante cujos sabores originais estão agudizados e harmonicamente combinados. Para saber se estas reconstruções dos pratos originais valem ou não a pena, basta colocar-me a questão seguinte: prefiro esta versão ou a original? Neste caso, a minha resposta seria a do Bruno Rocha. Só assim vale a pena mexer em prato consagrados. Claro que cada versão faz sentido nos seus lugares naturais, um hotel de cinco estrelas ou uma taberna da Mouraria.

A inspiração do restaurante Flores é hoje a cozinha lisboeta e portuguesa com os melhores produtos, como o requeijão de Sicó usado numa das entradas, mas sempre refrescada pelas influências africanas e asiáticas, que também estão presentes em Lisboa.

Está muito bem entregue o Flores nas mãos de Bruno Rocha. Um espaço do Chiado a não perder. Daqui a dois anos, o hotel do Bairro Alto ter-se-á estendido a outros três prédios vizinhos e terá um novo restaurante no piso superior. Até lá aproveite para se deliciar com a carta de Primavera Verão no agradável restaurante Flores do rés-do-chão deste hotel do Largo Luís de Camões.

 

 

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O agradável passeio no eléctrico 28, com a meia desfeita à janela.

 

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Tártaro de tomate e orégãos: deixem o tomate brilhar e cada vez que o Verão se aproxima mais, mais ele deixa transparecer o Sol.

 

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O FORTALEZA DO GUINCHO AO LONGO DO TEMPO

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A minha amiga Conceição Martins passou a sua infância na zona da Malveira da Serra. Recorda com saudade os aniversários dos 6 e 7 anos festejados com pais e irmãos na bateria da Alta, actual Fortaleza do Guincho, na década de 50: «Levávamos um tacho e os precisos, apanhávamos uns gravetos e uns toros de lenha, fazíamos o lume e a minha mãe cozinhava. Brincávamos por ali, dentro das muralhas e era um dia de felicidade.»

Nessa época, estava tudo em ruínas pelas quais muita história já tinha passado ao longo de mais de 300 nos. Embora tenha sido edificada em 1642, a bateria da Alta foi reforçada no século XVII, como parte de um conjunto de fortificações destinadas a proteger a nossa costa durante a Guerra dos Sete Anos. No século XIX, essas fortificações estiveram abandonadas e degradaram-se até ao surgimento de nova Guerra, desta vez a Liberal. Finda a refrega, voltaram a degradar-se até se transformarem nas ruínas onde Conceição Martins brincou em criança. Os seus oito anos já não puderam ali ser festejados, uma vez que a Bateria do Alto fora comprada em hasta pública, no ano de 1959, por D. Manuel de Portugal, que a reconstruiu totalmente e a transformou no Hotel do Guincho. Em 1975, o edifício foi adquirido por Stanley Ho, com o objectivo de o transformar numa residência sua, o que nunca chegou a acontecer já que, em 1982, foi considerado de interesse público. Até hoje, mantém-se na posse deste empresário chinês funcionando como hotel.

 

Em 1998, Antoine Westermann tornou-se consultor do restaurante, e Marc le Ouedec, o chef de cozinha. Em 2001, o restaurante ganhou a primeira estrela Michelin, que se mantém até hoje. Em 2004, é alterada a imagem decorativa do hotel, que perde o confortável ar inglês e se achinesa, saindo muito fora do gosto europeu. Hoje,  a decoração está um pouco menos oriental. Em 2005, Vincent Farges passou a chefiar a cozinha, que só deixou 11 anos volvidos para Miguel Rocha Vieira, deixando muitas saudades nos frequentadores do restaurante.

 

Achei curioso partilhar convosco uma série de fotografias de festas celebradas no hotel. É interessante ver a evolução do bom gosto decorativo e restaurativo em apenas 3 ou 4 décadas.

 

O meu obrigada à Petra Sauer, directora do Fortaleza do Guincho, por todos os documentos que me facilitou e pelos esclarecimentos. 

A foto de início é de Orson Wells na sala das damas do Fortaleza do Guincho.

 

 

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Brochuras do tempo do Hotel do Guincho, propriedade de Dm Manuel de Portugal a partir de 1959. Veja-se o «marketing» medieval que vendeu durante muitos anos o hotel. a primeira é do princípio dos anos 60, a segunda do fim de 70, princípio de 80.

 

 

 

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Banquete medieval com os empregados de mesa vestidos à época e os cabritos assados no meio da sala situada no piso inferior. O hotel realizou durante várias décadas este tipo de festas inspiradas no facto de o edifício ser uma fortaleza.  

 

 

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A sala das damas (junto ao bar), uma mistura de estilos rústico e inglês (década de 70)

 


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A sala das damas (junto ao bar), em estilo inglês. Foi nesta fase que eu conheci o Fortaleza (década de 80)

 

 

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 A sala das damas 2016

 

 

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Mesa de casamento, com o bolo de noivo visível ao fundo.

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Mesa de banquete com muitos mariscos, maioneses e outros molhos, salada russa, etc. A inspiração já era o mar.

 

Foto 2.JPGBuffet sincrónico: além do clássico peixe frio (robalo?) coberto por gelatina, enfeitado com maionese e rodeado de aspics, já estão na mesa um outro «peixe», a lampreia de ovos, uma tarte de maçã e saladas. Anos 80.

 

 

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 Ementa da Passagem de Ano e de Século: 1999/2000. Esta era a opção mais barata: 50 contos. O chef era Marc Le Ouedec e o consultor Antoine Westerman.

 

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Sobremesa de 2016, Miguel Rocha Vieira, que trouxe a cozinha portuguesa e inspirada no entorno para o Guincho. 

 

 

 

TINTA DE CHOCO

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A cozinha molecular trouxe a tinta de choco para a ribalta usando-a sobretudo no trompe l’oeil: para simular carvão, pedras e para envolver certo produtos numa capa negra.

Este líquido negro é produzido por uma glândula dos cefalópodes e é rico em melanina. Tem a sua graça, um sabor salgado, mas não a peixe. É muito usado pelos italianos em massas e risottos, mas só conheço um prato da nossa cozinha tradicional, mais ou menos recente, que o contém, os deliciosos chocos com tinta.

Ultimamente, os pratos dos chefes têm usado e abusado da dita tinta, muitas vezes sem qaulquer lógica de sabor ou de estética. Já se tornou um conceito estafado. Qualqer coisa exótica para envolver o peixe? Pinceladas de tinta de choco. Os pastéis de massa de choux precisam de vida? Uma tira de tinta de choco de ponta a ponta. O bolo do caco está pálido e há falta de alfarroba? Vai de tinta de choco.

 

Há coisas fantásticas, a tinta de choco é uma delas. Não abusem delas. Mas por este caminho, qualquer dia já nem os chocos com ela me vão saber bem.

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