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Conversas à Mesa

A IDENTIDADE DE BRUNO ROCHA

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Bruno Rocha, chef do restaurante Flores do Hotel do Bairro Alto, tem vindo progressivamente a afirmar-se como um valor seguro da cozinha contemporânea portuguesa apoiada na nossa tradição. Vem-nos sempre cativando a cada prato, a cada época, sem nunca nos desapontar. A nova carta vem na linha das anteriores, enraizando-se num profundo estudo da história da zona onde se insere o restaurante e, de uma forma mais lata, na da cozinha olissiponense.

Há hoje em dia alguma dificuldade da parte dos próprios cozinheiros em identificarem a sua cozinha. Houve uma época em que tudo era cozinha de autor. Depois passou-se à cozinha inspirada na tradição, em que todos tinham de mencionar uma avó ou uma mãe, verdadeiras mãos de fada na cozinha e com quem tudo tinham aprendido. Hoje martela-se na cozinha de produto, supostamente a vedeta do prato. Porém, a cozinha de produto (não confundir com a cozinha de Mercado, embora se possam cruzar as duas) obriga a que este seja de excelência, e não me refiro apenas do produto central, muitas vezes tendemos a esquecer coisas «humildes», como os ovos, o leite, a farinha e até a água. Desta forma, podemos dispensar certos “enfeites” e permitir que o produto brilhe. Infelizmente, a excelência nem sempre é o caso...

 

Passemos agora à cozinha de autor. Para que esta exista é necessário que os pratos de determinado cozinheiro lhe possam ser facilmente atribuíveis (Identidade), como acontece, por exemplo, com um pintor ou uma escola de pintores. A cozinha de autor pressupõe então uma atitude criativa, um aporte novo e inconfundível na actividade do cozinheiro. A criatividade pressupõe a tal chama de inspiração e não se consegue apenas com muito trabalho, embora seja fundamental o estudo das técnicas, das tradições, da história e da contemporaneidade. Se o cozinheiro não tiver ideia do que já existe no mundo, corre o risco de voltar a inventar a roda pensando estar a criar algo de novo. Mas num próximo post voltaremos à cozinha criativa.

Não tenho dúvida de que a cozinha de Bruno Rocha é de autor. Reconheço nos seus pratos uma linha condutora que passa sempre pela abertura às influências do mundo, sobretudo as lusófonas. Reconheço o rigor com que faz as suas desconstruções. Reconheço a mestria com que equilibra os diversos sabores dos pratos, de modo a que todos sejam reconhecíveis, mas constituindo uma unidade. Reconheço a sua preocupação estética que não escraviza o prato, porque em primeiro lugar está o tal equilíbrio dos sabores. Esta nova carta do restaurante Flores, do Hotel do bairro Alto, não é excepção, pelo menos na parte que pude provar.

 

Vou então analisar a refeição que aí fiz recentemente. Numa entrada denominada Camarões da Mouraria  (foto de abertura) esse equilíbrio está claramente presente, assim como as influências de todas as culturas que hoje enchem este antiquíssimo bairro: malagueta, óleo de palma, coco, coentros combinam-se com o camarão perfeito para nos fazer viajar dentro por todas essas aculturações.

 

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 Batatas bravas de mandioca

 

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A abertura aos trópicos está presente nas «Batatas bravas de mandioca»,que Bruno Rocha serve no início da refeição, cognominando-as de «Desbloqueador de conversas», por ser destina à partilha. Trata-se de uns chips de mandioca que servem de receptáculo a uma maionese adicionada a um estufadinho de tomate, hortelã e tomilho.

 

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Cesta de pão 

 

 

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Alface grelhada e cupita alentejana 

 

 

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Da refeição, destaco o já habitual bom pão. Adorei o de centeio com raspa de limão. Achei muita graça à homenagem de Bruno Rocha aos alfacinhas: um prato de alface de inverno, em que esta é grelhada (uma confecção também presente num outro bairro, o do Avillez). Aqui a alface grelhada no ponto certo combina com o molho de tomate e com a copita de porco de raça alentejana, um dos melhores enchidos que conheço, feito do cachaço.

 

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A Sara uma fantástica profissional da sala

 

 

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Por fim, o Bacalhau “à Brás” do Bairro, nome que me parece suficientemente claro para que o cliente perceba que não se trata da receita tradicional, mas sim de uma recriação. É a melhor recriação deste famoso prato que já provei. Tem logo à partida a vantagem de ser um prato bonito, ao contrario da receita tradicional que se apresenta como uma papa indistinta. No prato estão reconhecíveis todos os ingredientes e se os juntarmos todos numa garfada obtemos o sabor original do prato. Ali estão todos, e apenas todos, os elementos originais do Bacalhau à Brás. O bacalhau de meia cura surge em posta cozinhada no azeite e a lascar, sem nada de fibroso. É vulgar hoje comer estes lombos de bacalhau na maioria dos restaurantes, uma importação de Espanha que nos chega sempre com a mesma qualidade de textura e o mesmo nível de sal. Debaixo desta, a cebola aparece num puré no qual sobressai a acidez de um jorro de vinagre. Se por um lado esta acidez retira um pouco do sabor adocicado do prato, introduz o único elemento exógeno e dissonante, quanto a mim uma adição controversa. Ao lado, a batata palha envolta em espuma de ovo mantém-se crocante. Umas gotas de azeite negro representam as azeitonas. Desta forma, cada um pode fazer as combinações garfadais que entender, quebrando um pouco a monotonia deste prato.

 

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 Rabanada de Brioche e Baunilha e Maçã Assada em Gelado

 

 

Para terminar, comi uma Rabanada de Brioche e Baunilha e Maçã Assada em Gelado, que já adianta o espírito natalício à la française: feita com pão de brioche pouco ensopado ( Bruno Rocha diz que o segredo é usar o brioche congelado, para este não absorver muito leite e ovos) e lentamente cozido em manteiga. Acompanha um gelado de maçã reineta assada em vinho do porto e especiarias.

 

A carta do Flores é diferente, porque não é fechada, deixando ao cliente a possibilidade de escolher o tipo de acompanhamento que lhe apetece ou acha que melhor combina. Exceptuam-se 3 pratos, que são «fechados», isto é completos, entre eles o já célèbre Bacalhau “à Brás” do Bairro. Para auxiliar os clientes a comporem o seu puzzle alimentício, Bruno Rocha trabalha constantemente com a equipa de sala. O pessoal é muito simpático, cortês, eficiente e, nota-se, muito bem preparado. A minha homenagem à Sara.

 

Obrigada Bruno Rocha pelo excelente trabalho que está a fazer no Flores. Este restaurante é uma excelente opção para quem queria fazer o almoço de dia 25 fora. Penso que ainda haverá algumas vagas.

 

Mais uma vez obrigada ao Mário Cerdeira pelas belíssimas fotos