A nossa viagem prossegue leve leve. Só há uma estrada alcatroada, mas há muitos sítios onde parar, tantas solicitações para fazermos pequenos desvios. E são estas paragens que fazem verdadeiramente avançar a viagem.
O Norte é bastante diferente do Sul, estende-se à nossa frente como uma savana pontilhada com árvores de grande porte, mas sem a luxuriância equatorial da paisagem meridional. Deparamos a cada passo com a origem vulcânica da ilha, sobretudo nas negras pedras que bordejam quase toda a costa. As mais pequenas são usadas pelas mulheres para fazer os pisos e chamam-lhes pedra da malagueta. Bem arredondadas pelo uso, adaptam-se à mão de quem as maneja para esmagar sal, malagueta e ervas.
A Lagoa Azul é paragem turística obrigatória, uma reentrância na costa onde a água vira turquesa e se espraia num estreito areal que atrai os banhistas. Pela frente há mais paragens irresistíveis. Por exemplo, para falar com os pescadores, esperar a chegada das pirogas com o peixe, espreitar para dentro dos grandes alguidares de plástico e começar a conhecer as espécies. Os mesmos nomes não correspondem aos mesmos peixes, por vezes são espécies diferentes, outras espécies parecidas. Entre os mais vulgares estão os enormes espadarte e andala, de textura e sabor muito apreciáveis apesar das águas quentes. Por vezes são tão grandes que não cabem nas pirogas, escavadas no tronco de uma árvore, a ocá, e vêm do lado de fora, de arrasto. Outras vezes, são tão pequeninos que só se conseguem comer em frituras. Num dos alguidares carregado de diferentes peixitos, encontro uma cara familiar, com a característica barbicha. Chamam-lhe “sabonete” , e é um salmonete, e fazem-me lembrar tantas corruptelas que existem ao longo da nossa costa.
De volta à estrada, quase me salta o coração do peito quando avisto junto à praia, no meio do capim bem alto, uma das locomotivas Decauville, um formato menor que existia nas roças. Estamos em frente à Diogo Vaz e ela tinha morrido no fim dos carris que traziam o cacau até ao pontão, onde embarcava rumo a São Tomé, porto de escoamento para a Europa. Apesar de tão degradada, ainda fez as minhas alegrias. Vai daí, acabámos a confraternizar com um grupo de mulheres, homens e crianças, todos sentados no chão em redor de uma improvisada venda de vinho de palma. Comprámos o garrafão cheio por 4 euros, partilhámos e confraternizámos. Querem saber o que é o vinho de palma? É o resultado da fermentação do líquido que sai da palmeira depois do corte do dendém. Coloca-se uma garrafa no local do corte e esta vai enchendo e fermentando durante alguns dias. Tem uma gradação alcoólica muito baixa, cerca de 4º a 5º, e é extremamente fresco. Além da aguardente de cana, resquício cultural do ciclo canavieiro do século XVI no arquipélago, este é o único álcool ao alcance da bolsa do pobre. Uma cerveja local, a Rosema, custa 25 000 dobras (1 euro), enquanto um salário mensal agrícola, por exemplo, não vai além dos 60 euros.
A casa típica da ilha é palafita, todas elas são em madeira, abundante por todo o lado
A povoação piscatória de Neves é vibrante. Quando lá chegámos, estava toda a gente na rua principal. Vendedores de tudo e mais alguma coisa espalham-se à beira da estrada, enquanto uma chusma de motorizadas descreve percursos sem nexo requisitando a nossa atenção com o barulho dos escapes, e as crianças de todos os tamanhos saídas das escolas prosseguem impávidas em bichinha pirilau, com as mochilas às costas. Enfim, o povo todo, em toda sua alacridade. De tão devagar que avançamos não posso deixar de reparar numa banca onde se assa peixe, polvo e chocos no carvão. E lá paramos nós, para mais uma cavaqueira sobre a arte de assar no carvão. Pedem-nos cem mil dobras por três pequenos chocos assados (quatro euros), manifestamente acima do que seria o preço local, mas estão no ponto ideal. (Primeira foto do post).
Apesar de tanta paragem, a fome começa a apertar e dirigimo-nos ao Mucumbli, um lodge de ambiente neo-africano chill out, despojado e de bom gosto, cujo restaurante tem uma localização elevada e fabulosa. Será alvo de um outro post.
O padrão de Anambó
A finalizar o passeio, paragem no Padrão, na foz do Anambó, o local onde parece terem chegado os descobridores e onde se estabaleceram os primeiros colonos no arquipélago: homens degredados e escravas negras. Esta primeira tentativa não foi bem sucedida e a maioria veio a falecer. Ali ficou um padrão do qual pouco sobra do original. Mas está lá, para nos lembrar como foi difícil a um povo tão escasso quanto o nosso conseguir povoar as colónias não populadas, como São Tomé e Príncipe.
Mais á frente, um monumento. À saída dos Portugueses, or alturas da independência.
Regresso ao hotel, já a roçar a noite. Para quem não está habituado a África, faz confusão a rapidez com que anoitece, tenha cuidado com as bermas da estrada que se vêm mal mas onde circulam resmas de pessoas, incluindo crianças sozinhas.
Regresso ao Pestana São Tomé e jantar no buffet e no ar condicionado.