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Conversas à Mesa

ALGARVE2017/II - A NOÉLIA

 

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Hoje não vos vou falar da comida da Noélia, mas sim da Noélia. O ano passado escrevi-lhe uma carta a confessar o meu amor pela sua comida. Este ano, é mesmo uma declaração de amor pessoal.

A Noélia chega ao restaurante às 9 da manhã e sai do restaurante bem depois da uma da manhã. Durante este tempo, ela está sempre na cozinha. Os seus níveis de concentração são incríveis, parece um atleta de alta competição. É ela que põe a mão em tudo o que sai para a sala, ao contrario de muitos cozinheiros que acham que a comida é uma técnica e que a equipa pode fazer tudo por eles. Só que a comida portuguesa, a nossa comida, tem muito a ver com a mão, com o jeito, com o tempero, com o tempo, com a maneira como se roda a colher de pau.

Qualquer um frita a pescada, mas as rodas de pescada fritas pela Noélia são especiais, têm a quantidade certa de sal e de polme, o tempo de fritura certo, a viragem exatamente a meio dela. Não têm um bocadinho de polme de fora. São feitas com amor e com paixão? São feitas com muito profissionalismo, saber, honestidade e dedicação. E pela Noélia, não pelo ajudante que entrou ao trabalho há uma semana.

Por isso a comida da Noélia é tão apetecível, por isso as pessoas fazem bicha à volta do quarteirão a toda a hora para terem o privilégio de comer o que a Noélia cozinha, por isso para muitas pessoas não há férias no Algarve sem uma refeição na Noélia.

A Noélia faz comida tradicional portuguesa e sobretudo algarvia, a terra dela. Às vezes gosta de inovar. Desta vez comi com as rodas de pescada fritas um arroz carolino de tomate e abóbora. Não sei se foi feito com amor, acredito que sim, mas deu-me vontade de a amar e fiquei grata. Porque a Noélia não se limita a cozinhar, ela faz serviço público. A Noélia faz-me feliz. 

 

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 As amêijoas à Bulhão pato como se querem, polpudas e sem adições

 

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As rodas de pescada fritas 

 

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O arroz de tomate e abóbora

 

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Umas belas farófias fiéis à tradição

 

 

 

 

 

 

CARTA AO HOMEM DA GRELHA

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 Sr. homem ou mulher da grelha

Escrevo-lhe para enviar um pedido. Eu sei como é difícil suportam horas e horas de calor à grelha para que possamos usufruir de um magnífico peixe ou de pedaço de carne grelhadosr Eu sei como a vossa p:rofissão é difícil e requer uma técnica e um saber profundo. Mas por favor, depois de todo este esforço, façam mais : limpem as grelhas. Andam os sabores todos muito confusos, a carne sabe a sardinha, o frango sabe a cebola e por aí fora. No fim estraga-se um robalo acabado de pescar ou um belíssimo entrecosto de porco alentejano. Acaba por saber tudo a Feira Popular, dominando sobre todos os gostos o da sardinha.

 

Assim, poderá o homem da grelha responder ao mostrengo do sabor a Feira Popular

 

A sardinha que está no fim do mar

Ou o frango que se ergueu a voar

a febra que aqui ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo

Minhas grelhas negras do fim do mundo?

E o homem da grelha disse tremendo

«Para a próxima eu limpo-as num Segundo.»

 

 

 

 

 

O DOWNUNDER É DA TERRA DO SKIPPY

carne

 

 

Aos australianos não se lhes conhece nenhum corpo culinário notável, mas hoje exploram com inteligência uma cozinha de fusão entre ingleses, Ásia e bosquímanes. Entraram no mundo da fama da cozinha através do programa Masterchef, graças a três personalidades altamente televisivas, dois cozinheiros e um crítico gastronómico.

Hoje é moda buscar os produtos e as técnicas locais, do tempo dos bosquímanes (os bushmen) e valorizam-se carnes tradicionais, como o crocodilo (não o Dundee), a ema e o canguru (ou melhor ainda, o wallaby, uma espécie mais pequena e valorizada).

E não é que, vindo dos nossos antípodas, um australiano, Justin Jennings, abriu um restaurante em S. Bento? E não é que eu resolvi ir experimentar?

 

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batatas

 

 

 

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O restaurante tem duas salas. Fiquei em cima, na que dá para a rua, bem mais agradável e com a cozinha à vista. A lista é curta: crocodilo, canguru e vaca, um vegetariano, massa, peixe do dia, salmão e fish and chips. Crocodilo não aprecio. Canguru lembra-me o adorável Skippy (o canguru herói de uma série que passou na TV nos anos 70) e não consigo comê-lo. O resto não me pareceu muito atraente, tendo acabar por optar, assim como o meu companheiro de refeição, pelo bife da vazia (23 euros) de black angus com molho à escolha (béarnaise) e batatas fritas em gordura de pato. O prato é agradável, as batatas ótimas e a carne boa, sobretudo quando comparada com a que se come ultimamente em Lisboa. Mas por 23 euros sei de vários locais onde posso comer coisas mais interessantes. Para entrada, pedimos gyosas (yaki, as salteadas) com salada, que se deixaram comer. Para sobremesa, um incrível bolo de tâmaras com molho de caramelo e gelado que valeu a ida ao Downunder. E uma intensissíma tartelete de chocolate e caramelo salgado com pipocas.

Foi uma refeição agradável que ficou por 35 euros por cabeça, sendo as gyozas divididas por dois e o vinho a copo. Talvez tire mais partido do restaurante quem queira experimentar as carnes exoticas para nós. A sala estava vazia e o chef ausente.

ABAIXO A HIERARQUIA DOS PEIXES

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VIVA O CARAPAU MANTEIGA

Os carapaus manteiga (Trachurus trachurus) que tive a felicidade de comer no Ribeirinha do Sado sabem a mar. Foram um dos peixes com mais sabor a mar que já comi na minha vida. Parecem comida simples, mas não são. Efectivamente, eles resultaram de uma vasta cadeia de complexidades até chegarem à minha mesa. Em primeiro lugar, terem sido apanhados por barcos de pesca artesanal, provavelmente através da arte da pesca do cerco (sobre esta arte ver aqui no blog). Este tipo de pesca permite que o peixe chegue à lota no mesmo dia em que foi apanhado e em óptimo estado. E ao nosso prato logo no dia seguinte. É um verdadeiro privilégio poder usufruir do melhor peixe do mundo. Outra complexidade da cadeia é saber quando os comer. O carapau manteiga é um peixe cuja gordura atinge o seu ponto máximo, e portanto de sabor, nos meses de Verão. Pescado entre a Comporta à lagoa de Melides, este carapau reconhece-se pela pele mais clara que o carapau normal e pelo tom amarelado do rabo e de parte do corpo. A alimentação do animal também faz parte da razão do seu sabor. Por vezes ainda se encontram restos dos camarões que constituem a sua alimentação e o segredo do seu sabor amariscado. Não os deixe no prato, o sabor é fantástico, assim como o do seu fígado, que rivaliza em sabor com o do salmonete. A quarta complexidade da cadeia é saber grelhá-los de modo a ficarem ainda com aquele leve fio rosé junto à espinha (mas nada de sangue). A quinta complexidade são os acompanhamentos dos carapaus. Ali na Ribeirinha, servem quatro tipos de deliciosas migas (de sabor muito intenso, mas contidas de alho): espinafres, beterraba, pimentos e alho. Mas também, e eu prefiro, umas incríveis batatas cozidas com azeite. Ainda acha que uns simples carapaus grelhados são assim tão simples? Ah e tudo isto por 10 euros. Para sobremesa, peça um saboroso e bonito conjunto: torta de laranja e pera com moscatel e laranja. E marque mesa para a esplanada. O vinho branco a acompanhar foi o Alcube Reserva de 2015, que aconselho.

 

 

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O carapau manteiga é a prova de que não há hierarquia no mundo dos peixes e que o rei e o imperador pode ser o carapau, caso esteja na sua época e seja manteiga.

De 22 de Julho a 6 de Agosto acontece em Setúbal o Festival do Carapau manteiga este ano. Aproveite para o comer em toda a sua plenitude nos restaurantes aderentes.

 

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O carapau come-se sobre fatias de pão que absorvem a gordura e que no fim se pede para torrarem. 

 

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Ribeirinha do Sado

Avenida Luísa Todi 586

Setúbal 2900-457

+351 265 238 465

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