ALGARVE 2017/VII – SÃO GABRIEL
Todos os anos lá vou nas férias algarvias, a menos que haja algum contratempo (o ano passado falhei). É sempre emocionante encontrar a nova carta, sempre cheia de surpresas, já que a base da actual cozinha de Leonel Pereira é sobretudo experimental. O que ele está a fazer neste momento é explorar so produtos do mar algarvio, numa parceria com diversos projectos da Universidade do Algarve. A ideia é descobrir mais espécies de peixe, moluscos ou bivalves que sejam abundantes para poderem aliviar a carga que se exerce todo o ano sobre os clássicos lingueirões, lamejinhas e amêijoas. Os cientistas estudam-nas e o Leonel avalia a sua viabilidade na cozinha, sujeitando-as a todas as espécies de confecções. Um projecto extremamente interessante e sério e que poderia ocupar mais chefs em vez de manifestos de intenções.
Os taralhões
No jantar que fiz no S. Gabriel em Agosto provei dois exemplares do mar que desconhecia completamente. O taralhão é usado em feijoadas e como petisco no Algarve. É um molusco da classe dos bivalves, com um aspecto estranho. Basicamente é uma amêijoa gigante com um pénis que chega a atingir um metro a sair para fora dela. Vive enterrado a grande profundidade na areia, lançando esse apêndice, que não é mais do que um tubo de alimentação, até alcançar a água (em breve, aqui no blog sai um post sobre o taralhão). Pode comer-se a parte do peito (a que fica dentro da amêijoa) ou o pé. Norte americanos, japoneses e chineses são grandes consumidores, e o seu preço é elevado. Na China, por mimesis, é considerado afrodisíaco; nos EUA, é cultivado em aquacultura. O taralhão tem sabor adocicado, que combinava bem com o sabor fumado do molho. Leonel cozinhou o «pé» e o «peito». O pé é mais resistente ao dente, mas de uma forma agradável.
O ferro de engomar, ou pata de burro, é um búzio (Cymbium olla). Tem sabor mais marinho do que o anterior e Leonel cortou-o fino e serviu-o com fatias de melancia prensada em vácuo, à la Adrià. Apenas isso, uma combinação magnífica.
Outro prato que gostava de salientar é a Lula Nitro com Pétalas de Choco e Caviar (foto a abrir o post). Esteticamente muito cuidado, numa ementa com poucas preocupações estéticas aparentes) as pétalas de choco irisadas são lascas de choco que se separam após a cozedura, mas apenas quando provem de exemplares como uma idade muito específica. Por outras palavras, para obter este efeito, é necessário determinar a idade do choco.
O prato que mais me impressionou, no entanto, foi o único de carne, embora sem grande impacto estético. Caramba Leonel, que intensidade, que força, que redundância. A intensidade do sabor do porco bísaro maturado durante 40 dias (para mim estava no seu máximo), a força dos sabores das couves fermentados, e a redundância destes dois elementos, só aliviada pela inteligente inclusão da pêra.
Gostei também da elegância do Bulhão Pato da Ria, com a ostra, a amêijoa, o mexilhão e o lingueirão a salientarem a sua frescura numa rodela de sabores à Bulhão Pato gelatinizados.
Menos conseguido nesta ementa e o nível quase constante de sabores salgados e umami marinhos. Era necessário algum alívio de quando em quando.
Os restantes pratos
Estrela do Mar, lagostim, plâncton ( a massa da estrela do mar estava pouco estaladiça)
Carabineiro18 s em água do mar, açorda, ovo
Vieira fresca mergulho, consomé de citrinos
Cadeirada de atum, batatinha fumada, vegetais
Em matéria de doces, gostei muito dos lábios das borras do vinho do pai do Leonel, que nos dá enfim o alívio das intensidades anteriores ao lavar o palato.
Borras de vinho caseiro, beterraba calcificada
Laranja amarga, caramelo, violetas
Chocolatier
Mignardises
Não posso rematar sem uma palavra de apreço para a nova e magnífica garrafeira e pelo esforço dos dois sócios em todos os anos investir no restaurante. Muito louvável. O serviço também melhorou muito desde 2015.
São Gabriel
Estrada Vale do Lobo
Quinta do Lago
8135 Almancil - Portugal
Telefone: 289 394 521