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Conversas à Mesa

A TÁBUA DE QUEIJOS

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De uma visita à Suíça e à Alsácia resultou uma tábua de queijos, cuidadosamente trazidos embalados em vácuo e sem qualquer incómodo olfactivo.

Com um conjunto destes queijos pode fazer uma refeição ou terminar uma. Não há regras para o conjunto, mas é sempre conveniente ter um ou dois queijos de sabor menos intenso para fazer a passagem entre os outros. No caso da minha, essa função foi exercida pelo bouchon e pelo emmenthal. Lembre-se que em função do tempo de cura, o sabor do mesmo queijo pode variar muito. Para essa mesma função de limpar a boca ou atenuar sabores coloquei as nozes e as uvas sem grainha. O objectivo deste post é despertar-lhe o gosto pelos queijos, sejam eles nacionais, que os temos belíssimos, ou estrangeiros.

 

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Da Suíça, são suave o emmentaler (neste caso um Emmentaler Schweiz, AOP, Appelation d’Origine Controlée, em português DOP) e o rahmkäse. Este último foi comprado directamente ao produtor, este rapaz vindo do Graubünden, o cantão dos Grisões, uma região montanhosa de onde provém a célebre carne seca com o mesmo nome. Aqui fica situada Davos, a cidade mais alta da Europa, tornada célebre pelo realização anual do Fórum Económico Mundial.

De França, todos os outros. Foram comprados numa pequena casa de affineurs em Colmar, a Fromagerie Saint Nicolas, datada do século XVII.

A primeira escolha foi o munster AOC, cujo nome parece ser uma corruptela de Monastère (mosteiro), uma vez que a sua origem está nos monges beneditinos italianos que se instalaram na região de Vosges em 688. Este queijo também se vende com o nome geromé, que lhe era dado numa região vizinha. Na Alsácia, come-se de uma forma que recomendo: apenas com batatas novas cozidas com a casca. Por vezes, acompanha-se com um queijo fresco em pasta aromatizado com salsa e cebolinho, para aliviar a boca do seu sabor intenso. É de leite de vaca, textura cremosa, com cerca de 600 g. Durante o fabrico, é lavado com cerveja, pelo que a bebida ideal para o acompanhar é a essa mesma cerveja, ou um vinho branco alsaciano com a casta Gewürztraminer.

O chèvre é um pasta mole de leite de cabra, um Mothais à la feuille, do Poitou. A sua textura é muito untuosa. Possivelmente teve origem na permanência dos exércitos árabes no Sul de França, que com eles trouxeram rebanhos de cabras, animais que não exisitam nesta região.

O tomme, ou tome, originário da Sabóia, de pasta mole e sabor frutado proveniente do pasto no leite das vacas, come-se habitualmente com pão. Os queijos têm entre 1,5 e 3 quilos e dele existem inúmeras variedades em função das aldeias.

O comté AOC é uma enorme roda com mais de 35 quilos, ideal para ser guardado durante muito tempo. Como necessita de muitos e muitos litros de leite, é obra de conjunto dos vários produtores que o depositam num local comum onde é feito o queijo, recebendo depois o seu quinhão proporcional. Originário do Franche-Comté (Nordeste), de onde lhe vem o nome, tem uma pasta que deve estar isenta de «olhos». Quanto mais tempo de cura tiver, melhor se torna, mas esta não deve exceder os 3 anos.

 

O bouchon é de leite de cabra, e foi o que menos gostei. A sua textura não estava seca como deveria e o sabor nada de especial.

 

O queijo não assinalado na imagem é um desconhecido, porque me esqueci do seu nome. Apenas sei que é magnífico, de pasta muito mole e de leite de ovelha.

 

 

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DONA ANA FAZ CALULU EM SÃO TOMÉ

 

 

O Calulu de S. Tomé e Príncipe é uma espécie de antigo nutracêutico, bem representativo da filosofia de Hipócrates, o grego que nos aconselhava a fazer da comida os nossos medicamentos. Feito a preceito, o calulu quando leva mais de 40 plantas diferentes e, se nenhuma planta é tão inocente como pode parecer, imagine-se uma simbiose de quatro dezenas delas em franca convivência! Como essas plantas são geralmente colhidas em plena natureza por quem as vai cozinhar, é bom que essa pessoa saiba bem o que está a fazer. Há quem me tenha aconselhado a só comer calulu feito por quem tenha mais idade. «Só como calulu pela mão da minha avó» ou «só confio na minha mãe para me fazer o calulu» e até «antes de comer o calulu, pergunto sempre a idade de quem o cozinhou» foram afirmações peremptórias que ouvi no arquipélago.

Há calulus em Angola e em S. Tomé, cada um deles com as suas características. No Brasil há um prato dos tupi-guarani com algumas semelhanças denominado caruru.

A D. Ana, cozinheira no Passante, o restaurante ao lado do hotel Pestana Miramar, quis mostrar-me como se faz um calulu como deve ser. Quando entrei no Passante, cá fora estariam 31º, mas com uma humidade superior a 90%. Lá dentro, não sei, mas com o fogão a carvão a trabalhar em pleno na cozinha estava um pequeno inferno. Sobre as bancadas acumulavam-se as plantas para o calulu. A minha primeira tarefa foi separá-las uma a uma sobre uma mesa e identificá-las. Os nomes são sugestivos e exóticos: pega rato, guimboá do mato, folha preta, folha tartaruga, folha fraqueza, língua de vaca, rosabilanza, pau pimenta, alfabaca, otage, mússua, maquequim e a indispensável folha mosquito, que se acrescenta no fim. Contei em redor dos quarenta diferentes plantas. É o somatório de todas elas mais a sua interacção que torna o calulu uma comida tão especial, tão curativa do corpo e da alma.

O ingrediente principal é geralmente o peixe seco, andala, voador, atum ou ful-ful, mas também se usa o camarão do ri e o búzio do mar. Dona Ana começou por colocar no panelão a cebola, o tomate, sal, azeite de dendém, quiabos, fruta pão. Em seguida, todas as plantas embrulhadas numa folha de bananeira atada, tipo ramo de cheiros. Passado duas horas, retira-se a fruta pão e as folhas e pisam-se. Adiciona-se o peixe (sem espinhas), ferve mais uma hora e junta-se a fruta pão e as folhas pisadas para engrossar o calulu e volta a ferver. Juntam-se a têmpera (pimenta branca) e «fecha-se» o calulu com farinha de mandioca. Acompanha com arroz, fuba de milho e/ou angú (banana pisada no pilão).

Com o calulu bebe-se vinho tinto, embora uma Roseima, a cerveja santomense, seja cada vez mais popular.

É um prato que vale a pena experimentar pela combinação entre os sabores extremamente vegetais, algum aroma a terra, e o salgado do peixe.

 

 

 

O HORTELÃO DO OESTE

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Há centenas de variedades dele. Vermelhos, amarelos, laranja, castanhos, pretos ou verdes; minúsculos, pequenos, grandes; redondos, ovais, compridos, curtos, com formas curiosas. Mais ácidos, mais doces; o muita polpa, quase sem polpa; com muitas semente, quase sem sementes. Há centenas de variedades de tomate. Rui Neiva Correia desenvolveu juntamente com os quatro filhos uma microprodução de tomate e de uma enorme variedade de legumes que conhece pelo nome e trata com carinho. Toda a produção é feita em paz com a natureza, usando métodos ancestrais de controlo das pragas e da polinização, como as tiras com cola ou as plantas companheiras.

Há alguns dias atrás tive a oportunidade de conhecer essa produção, e o pai Rui e dois dos filhos, O Miguel e o Diogo. Quando cheguei ao armazém dos legumes, estavam a fazer as sementeiras. Com extremo cuidado, colocavam uma semente de tomate quase microscópica nos pequenos orifícios dos tabuleiros de sementeira. Sobre a mesa, estava um caixote acabado de encher com tomate groselha amarelo, uma tarefa devoradora de tempo já que esta variedade tem cerca de 0,5 cm de diâmetro!

Por toda a parte havia caixas com tomates de cores, feitios e tamanhos improváveis que entusiasticamente me convidaram a provar e eu fui provando, tantos sabores, uns mais ácidos, outros mais doces, outros dulcíssimos até realizar que o tomate é realmente um fruto. Depois de ter explorado o tomate apanhado, chegou a altura de ir para o campo, ver as variedades de tomate e de pimento que cuja época está mesmo a terminar (aliás, só existem porque o calor se prolongou estranhamente) e que começou em há 3 meses, e todas as variedades da colecção Outono/Inverno e que estão justamente a começar. Desta última fazem parte couves chinesas, acelgas das cores do arco-íris, alfaces de todas as texturas, couves d folha e de cabeça, alhos franceses, beringelas brancas, roxas e raiadas, espinafres, abóboras, cenouras de todas as cores e por aí fora.

O escoamento destes produtos é feito em duas direcções. Os particulares podem encomendar através do telefone 914 951 214, através do Facebook (https://www.facebook.com/hortelaodooeste/) ou por e-mail (hortelaodooeste@gmail.com ). Por 10 euros já podem receber um cabaz criado à sua medida ou surpresa, recheado dos mais frescos legumes da época, acabados de colher maduros.

Um dos objectivos do Hortelão do Oeste é conseguir fazer chegar à restauração todas estas preciosidades que cultivam. Para já, têm tido boa aceitação. É urgente que os restaurantes sejam flexíveis nas suas cartas para poderem acomodar os produtos que melhor se apresentam em determinada época. Sem essa flexibilidade, os restaurantes só conseguem consumir da abundância e constância industrial. Supondo que até tenham uma carta sazonal, é importante que saibam fazer face a alterações provenientes das imprevisíveis variáveis da agricultura. Caso contrário, só lhes pode valer a segurança da indústria que lhes envia insípidos e infalíveis tomates tirados a fotocópia. Numa altura em que os cozinheiros enchem a boca com o «produto» está na altura de os usarem, porque há já muitos disponíveis. Felizmente, já há alguns cozinheiros a fazerem sábias alianças com produtores corajosos como o Hortelão do Oeste, para nosso grande gáudio.

 

PS: Cuidado com o tomate, pode tornar-se uma obsesão como a que atacou o príncipe Louis-Albert de Broglie que cutliva quase setecentes variedades dele no jardim do seu palácio (http://www.parismatch.com/Vivre/Gastronomie/Louis-Albert-de-Broglie-L-aristo-de-la-tomate-594976). 

 

 

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O tomate do viajante é levado no bolso e, quando necessário, podemos retirar umas partes do tomate sem que o resto fique ferido: todos os pedaços são independentes, constituindo uma espécie de cacho.

 

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Um dos terrenos, já com legumes de Inverno

 

 

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O minúsculo tomate groselha na planta e colhido

 

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Beringela raiada e a respectiva flor

 

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Beringela branca, a que deu origem ao nome inglês (eggplant)

 

 

 

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Alfaces que são uma pintura flamenga

 

 

 

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Diversos pimentos. Têm tanto sol dentro deles que até sabem bem crus.

 

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Algumas das mais de 80 variedades de tomate

 

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Uma salada mutivariedades 

 

 

 

PASTELÕES E OUTRAS COISAS DA ALSÁCIA

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p> Vincent é Laurent Schmidt, um homem para o redondo, aquele redondo suficiente para inspirar confiança na sua profissão. Ele é o dono de uma loja que reúne a mercearia fina (designação antepassada de gourmet), o Traiteur (a comida pronta, tourtes,patês en croûte), a charcutaria, um talho especializado ( poules de Bresse, por exemplo). A montra está repleta dos produtos da região, outrora envolvidos nas massas para que se conservassem mais tempo. Antigamente nem essas massas se comiam! Pato, foie, fiambre, vitela, porco, aves, queijos, com vinho ou com cerveja, as tourtes (tapadas), as tartes (destapadas) e os pâtés en croûte recheiam uma massa folhada incrível, que se deixa aquecer no forno de casa sem perder qualidades. Na Alsácia, os enchidos são fumados porque o clima é demasiado húmido e as carnes apodreceriam antes de secarem não fosse a contribuição do fumo. A minha escolha recaiu sobre a tourte de pato e foie e duas fatias de pâté en croûte de mousse de foie d'oie e de Riesling. Ao jantar, aquecemos o pastelão e acompanhámos com salada de alface icebergue (essa alface de cabeça tem pouco sabor, mas muita textura e tempo de duração, e nem precisa de ser lavada. Para sobremesa trouxe um pain d'épices com mel das florestas alsacianas. Entretanto por Colmar já tinha almoçado uma outra especialidade da região, a tarte flambée, ou flammenküche, uma base de massa de mas de pão extremamente fina, que se cozia ao memo tempo que o pão. É coberta com o queijo fresco da região (o beleskäs, que também se costuma come com o Munster), cebola e toucinho. Uma maravilha. Hoje vem cortada em cunhas, mas o preceito é em rectângulos. Tudo, claro, acompanhado com um Riesling.

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