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Conversas à Mesa

BOAS FESTAS COM UMA MESA RICA

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Um Pudim Abade de Priscos como o do Rei Miguel Oliveira, o Pudim do Abade, é a imagem que escolhi este ano para representar a ceia de Natal portuguesa. Porque é perfeito e representa o luxo da doçaria portuguesa, muito feita do equilíbrio entre excesos. Também a nossa ceia representa o equilíbri entre os excessos: à simplicidade de um bom bacalhau  bem curado e cozido na perfeição na companhia das couves mais frescas, com os talos a requerer alguma mastigação e as batatas de textura perfeita que só se desfazem na boca, a essa simplicidade segue-se a explosão voluptuosa da doçaria a rebentar de ovos e de açúcar.

Quem tem a sorte de a ter que se deixe levar pela mesa, sem outras preocuações. Temos o resto do dia e da ano para pensar. E que cada um seja feliz à sua maneira.

Boas Festas é o que lhe desejo, a si que me tem acompanhado ao longo do ano. Obrigada por estar comigo. 

 

 

10 DESEJOS PARA A COZINHA PORTUGUESA EM 2018

 

 

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AQUI FICAM OS MEUS 10 DESEJOS PARA A COZINHA PORTUGUESA EM 2018

 

 

  1. Que se faça justiça salarial na cozinha dos restaurantes. Se queremos ter bons profissionais, pessoas com formação profissional a trabalhar, nas cozinhas, há que pagar-lhes o seu justo valor. É preciso não esquecer que a profissão de cozinheiro, de pasteleiro ou de ajudante é muito exigente em termos físicos e de horários. Para parar o corrupio de entradas e saídas nos restaurantes, é preciso manter os salários em níveis justos e não explorar ninguém, muito menos os mais frágeis.
  2. Que continue a aumentar a qualidade dos nossos cozinheiros. Ainda há poucos anos era difícil nomear uma dezena de cozinheiros de topo. Contavam-se pelos dedos das mãos. Hoje, já é difícil contá-los, de tantos que são. E as melhores notícias é que há imensos jovens entre eles.
  3. Que haja cada vez mais chefs pasteleiros nos bons restaurantes. Num país como o nosso de enorme e antiga tradição em pastelaria, com tanta doçaria para valorizar, há todas as razões para que existam chefs pasteleiros nos restaurantes de topo. E que estes pasteleiros sejam pagos pelo seu justo valor, porque o merecem.
  4. Que se reponham as toalhas de pano nas mesas dos restaurantes. As superfícies nobres, como a madeira, podem ser muito calorosas, mas não há nada mais bonito e mais higiénico do que uma toalha de algodão ou de linho alva e imaculada. Sei que é uma grande despesa, a da lavandaria, mas de grande efeito sobre o cliente. Já nos outros restaurantes, aqueles que apresentam as toalhas de fibra em cores berrantes que apenas se sacodem e nunca se lavam, desejo que as deitem para o lixo e usem apenas toalhetes de papel não recicláveis.
  5. Que se usem cada vez mais os nossos produtos. E que estes sejam de boa qualidade. Nas cozinhas, passada a onda da cozinha da avozinha, entrámos no ciclo do produto. Fala-se muito do produto, mas faz sentido falar dele se for de qualidade. Para isso há que pagar a diferença de preço e. depois será preciso ensinar o cliente a respeitar essa diferença de qualidade e a pagar-lhe o preço. Dada a parca apetência das nossas classes sociais endinheiradas pelo produto de qualidade, e a sua fixação inabalável na quantidade, não será tarefa fácil.
  6. Que se estreitem os laços entre produtores e cozinheiros. Para que os produtores possam fornecer produtos de qualidade diferenciados é necessário que haja um compromisso por parte dos cozinheiros em manter o seu consumo, estabelecendo-se uma relação sustentável. Sim, que a sustentabilidade também passa por aqui. Só assim cozinheiros e produtores poderão crescer juntos.
  7. Que em 2018 haja restaurantes de cozinha regional com estrelas Michelin. Ou restaurantes dos nossos maravilhosos peixes e mariscos, os melhores do mundo. Temos destes restaurantes com uma cozinha de incrível qualidade, assim possam os respectivos restauradores investir na sala e nos precisos para a michelinice. Como é possível que um país como Portugal, que se orgulha da qualidade e da variedade das suas cozinhas regionais, não tenha restaurantes deste tipo com estrelas?
  8. Que haja algum cuidado nas licenças para os restaurantes do centro das cidades e vilas. Cascais, por exemplo, é dominada por um omnipresente cheiro a caril. Seria interessante que nos centros onde há maior quantidade de restaurantes e de turistas, se pudessem achar sobretudo restaurantes de comida portuguesa.
  9. Que Portugal se torne um importante destino gastronómico. Isto é, que os turistas venham a Portugal não apenas pela natureza ou pelos monumentos, mas também pela sua cozinha, até agora praticamente desconhecida no estrangeiro.
  10. Por último, e extravasando, que a qualidade da nossa cozinha em casa e nas cantinas melhore, acomodando mais produtos frescos, de modo a que a alimentação possa tornar-se um factor de saúde e não de doença.

 

NOVAS TRADIÇÕES PARA A CEIA DE NATAL

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Hoje, vim aqui para lhes deixar duas receitas de bacalhau do livro Semear Sabor Colher Memórias, assinado por mim e pela Justa Nobre. ambas são uma forma de manter a tradição de comer bacalhau à ceia, mas também de criar novas tradições com pratos mais modernos e elegantes, adequados a famílias mais reduzidas. Podem parecer complicadas, mas parte delas pode ser feita com alguma antecedência. E a mesa de Natal fica linda. 

 

TORNEDÓ DE BACALHAU COM MOLHO DE LIMÃO, AMÊNDOAS E LEGUMES GRELHADOS

 

Para 4 pessoas

Bacalhau

2 postas altas de bacalhau, com cerca de 350 g cada, demolhadas

2 colheres de sopa de azeite

2 dentes de alho, picados

20 g de toucinho entremeado fresco, cortado em tirinhas

15 g de amêndoa lascada (cerca de 3 colheres de sopa)

1 dl de caldo de bacalhau (ver em baixo)

1 colher de chá de amido de milho (maisena)

1 colher de sobremesa de sumo de limão

Sal e pimenta preta

Legumes

4 fatias de tomate com cerca de 0,5 cm de espessura

8 fatias de curgete com cerca de 0,5 cm de espessura

 

  1. Retire a pele e as espinhas às postas de bacalhau e reserve as

espinhas. Corte as postas ao meio e dê‑lhes uma forma arredondada,

envolvendo‑as numa tira da pele (segure‑a com um palito),

fazendo uma espécie de .tornedó.

  1. A seguir, faça o caldo de bacalhau: num tacho, deite 5 dl de água,

150 g de aparas de bacalhau, as espinhas reservadas e 1 dente de

alho e deixe fervilhar durante 10 minutos. Coe o caldo e reserve.

  1. Numa frigideira antiaderente, aqueça o azeite e marque os tornedós

durante 30 segundos de cada lado. Retire para um prato e leve

ao forno aquecido a 170º C durante 5 minutos, para acabar de os

cozinhar. Reserve este azeite na frigideira.

  1. Na mesma frigideira, junte o alho picado, o toucinho e a amêndoa e salteie no azeite até o toucinho ganhar cor. Junte 1 dl do caldo de bacalhau e deixe ferver durante mais uns segundos.
  2. Dissolva o amido de milho em 2 colheres de sopa do caldo de bacalhau e junte ao molho. Deixe engrossar ligeiramente e adicione o sumo de limão. Tempere com sal e pimenta preta.
  3. Aqueça bem um grelhador de placa e grelhe as fatias de tomate e de curgete temperadas com sal. Reserve.
  4. Em cada um dos pratos, espalhe um pouco de molho. No centro, empilhe uma fatia de curgete, uma fatia de tomate, outra fatia de curgete e cubra com o tornedó de bacalhau. Enfeite a gosto.

 

 

 

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Bacalhau Cozido em azeite com grão-de-bico esmagado e couve

 

Para 4 pessoas

4 lombos de bacalhau com 180 g cada

6 dl de azeite

2 dentes de alho com a casca

1 folha de louro

1 pé de alecrim

400 g de couve-lombarda, cortada em tirinhas finas

400 g de grão-de-bico cozido

sal e pimenta preta

 

  1. Aqueça o azeite numa frigideira onde caibam os quatro lombos de bacalhau. Quando o azeite estiver a cerca de 80º C (verifique com um termómetro), coloque os lombinhos, os dentes de alho, a folha de louro e o pé de alecrim. Tape e leve a lume brando durante 5 a 7 minutos, sem deixar ferver e mantendo a temperatura em redor dos 80º C.
  2. Quando o bacalhau estiver pronto, retire 1 dl do azeite para outra frigideira e aqueça bem. Salteie a couve-lombarda em tirinhas durante 1 minuto. Tempere com sal e pimenta preta.
  3. Retire mais 1 dl de azeite para uma outra frigideira, ou para uma caçarola, e aqueça. Quando estiver quente, junte o grão-de-bico bem escorrido e aqueça, envolvendo no azeite. Com um esmagador de batata, ou um garfo, esmague grosseiramente o grão-de-bico de maneira a que ainda fiquem alguns grãos quase inteiros.
  4. Sirva os lombinhos com o grão-de-bico e a couve-lombarda.

 

 

 

DAS ORIGENS PARA O À TERRA

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Estou na ilha açoriana de S. Miguel dentro de uma carrinha com a equipe de cozinha do hotel Azor, capitaneada por Cláudio Pontes, e com dois outros chefs, Henrique Mouro e Vasco Lello. Seguimos rumo a uma praia nos arredores de Ponta Delgada, que acaba por ficar pontilhada por todas aquelas jalecas brancas fazendo recolecção de ervas e outras plantas: espinafres, bem carnudos, nastúrcios, folhas e flores, planta do gelo, com o seu sabor salgado e meio amariscado, arroz do mar, com as suas folhinhas redondas e carnudas em forma de bago, tudo chega em braçados que os cozinheiros acarinham com orgulho. Todas elas eu irei encontrar no meu prato, nessa noite ao jantar no restaurante Á Terra do hotel Azor, justamente apelidado de «Das origens para o À Terra». 

Para continuar a fazer jus ao conceito, seguimos para o Rei dos Queijos, o maior distribuidor da ilha, onde os chefs escolhem diversos queijos de S. Jorge e de S. Miguel, todos eles gigantescas rodas mais ou menos curadas. 

O nosso últtimo destino é uma ONG, a Biokairos na Quinta do Priôlo, onde se desenvolve um projecto de agricultura biológica empregando pessoas com deficiência. A ajudar está o célebre Avelino, uma das personalidades mais famosas no arquipélago pelo seu saber profundo em relação a plantas. Este homem apaixonante de fala tem um projecto de agricultura biológica na terceira, o BioFontinhas. Já estive com ele algumas vezes e quando me separo dele fico cheia de pena de não poder passar temporadas só a ouvi-lo falar de plantas e de alimentação. 

Daqui, os chefs recolhem rabanetes pretos, pequenas folhas de acelga, rebentos e até folhas de bananeirs. Esta procura e incorporação dos produtos locais é característica da cozinha dos três, que têm em comum terem sido sous-chefs de Aimé Barroyer.

O jantar, que desde o segundo dia divulgação já tinham os seus mais de setenta lugares esgotados foi magnifico. Teve uma estrutura (infelizmente ausente de muitos destes eventos a várias mãos), um crescendo, tendo a sua intensidade ido sempre a subir até ao último prato de carne, o osso buco, um claro fortissimo. Teve uma lógica, apresentando-se como um hino aos produtos dos Açores, sempre reconhecíveis e valorizados. Teve uma vertente vínica, de harmonização comida/vinhos, que se conjugaram de forma muitas vezes surpreendente e nada clássica. Alguns deles eram de António Maçanita, talvez os mais "fora da caixa". Lá voltaremos. E, last but not least, teve o sabor que só cozinheiros com o talento destes três conseguem pôr no prato. É tranquilizador ver que há cozinheiros que conseguem valorizar as cozinhas regionais portuguesas com boas técnicas, novos conceitos, como o recurso a ingredientes biológicos, e práticas de cariz social, como a colaboração com pequenos produtores com quem mantêm relações permanentes e a cuja disponibilidade conseguem adaptar-se, mantendo-se sempre fiéis ao sabor. Termino com uma pergunta: por que razão havemos de perseguir a surpresa e a novidade em influências importadas e muitas vezes descaracterizadas quando afinal tanto uma como outra podem encontrar-se cá dentro, haja talento conforme ficou provado neste jantar por Claudio Pontes, Henrique Mouro e Vasco Lello?

Seguem-se as fotos dos pratos, da autoria de Mário Cerdeira, e a descrição dos vinhos nas legendas. Pena que não vos possa transmitir o sabor.

O director do hotel, Pedro Alvellos, manifestou a intenção de prosseguir com este tipo de evento em 2018. 
 

 

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Biokairos06©MárioCerdeira.jpgCinco imagens da Biokairos, na Quinta do Priôlo. 

 

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Novilho sobre trigo ou a vaca no seu pasto: cornetos recheados com carne

 

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Chips de moreia

Sexy Sparkling Gold (espumante servido com todos os amuse-bouche)

 

 

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Vasco Lello: Lírio em tabaco micaelense, leite fermentado e funcho. Uma soberba forma de entrar na refeição, quase uma espécie de pequeno-almoço nórdico com o leite e o fumado. A folha de tabaco, cultura que já foi muito importante nos Açores, leva-nos para a época em que tanto a Madeira como os Açores eram o campo experimental dos produtos trazidos dos trópicos. 

 

 

Chef Henrique Mouro_Lula54©MárioCerdeira.jpg

Henrique Mouro, Lula gigante, milhos das ilhas e BioFontinhas a trincar. A lula em várias texturas, grelhada e panada, com o adocicado do milho e o crocante das bagas vermelhas de milho rei, um doce/salgado, reforçado este último as planta do gelo. 

Rosé Fita Preta Non Millésimé Um Rosé notável, non millésimé porque não tem ano, resultando de diversos rosés de características diferentes que o tornam único. Belo casamento, tudo em tons claros, sem agitações.

 

 

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 As lulas gigantes acabadas de chegar à cozinha.

 

 

 

 

Chef Claudio Pontes_Espadarte57©MárioCerdeira.jp

Cláudio Pontes: Espadarte do canal, lapas e cebolas do mar. O peixe afirmando-se em toda a força da sua textura, que até faz empalidecer as lapas. 

Socalcos do Bouro, Loureiro 2016, verde DOC, a casta Loureiro a eplicar por que razão se vem impondo cada vez mais.

 

 

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Vasco Lello, Peixe rei com o rei ananás e os minhotos. Aqui começa a refeição a escalar, e nós a pensar como pode o prato seguinte ser ainda mais intenso. O que é certo é que até ao fim foi sempre a subir. Os três últimos são aliás os meus preferidos. aqui, o peixe rei, um peixe colorido tipo bodião, faz frante ao molho de intensidade cárnica e recebe a frescura e salinidade das folhas de espinafre cruas apanhadas na praia. 

Palpite Branco 2016 (Alentejo)

 

 

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 Peixe rei

 

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Henrique Mouro: Coelho regional, feijão arroz e nabos de Santa Maria: Prato excepcional, facilmente identificável com o Henrique, com coelho da região, os magníficos nabos de Santa Maria, só quem prova é que percebe, e o minúsculo feijão arroz

Isabella A Proibida, 2016. Para mim, uma das melhores harmonizações da refeição, com esta uva da região identificada pelo «proibida» a brilhar.

 

 

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Cláudio Pontes, 100% osso buco, araçá e alho-roxo. A carne de vaca estufada até se desfazer, os sabores do tutano com a espuma de alho e a acidez do araçá a deixarem saudade da refeição neste último prato que seria um fortissimo em linguagem musical. 

Socalcos do Bouro Tinto, verde DOC, com a casta Vinhão, a sua acidez e a incrível cor, a fazerem as honras ao fortissimo do prato, representando alguma ideia do palato vínico português.

 

 

Chef Pastelaria João Araujo_Sobremesa59©MárioCe

João Araújo, chef pasteleiro: Tamarilho cheio de salva ananás para sugar. Uma pré-sobremesa de frescura 

 

 

Chef Pastelaria João Araujo_Sobremesa58©MárioCe

A Horta Biokairos, da equipa doce surpresa do Ivan. Uma forma leve de acabar a refeição com diversos legumes, abores e texturas e uma homenagem à Biokairos. 

 

 

 

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Cláudio Pontes, vindo do Tavares, Aviz e do Douro Azul, para chef executivo dos hotéis Azor: um em ponta Delgada e outro nas Furnas

 

 

 

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Henrique Mouro, ex Assinatura e Bagos, os dois últimos, a iniciar agora o seu trabalho no Areias do Seixo.

 

 

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Vasco Lello, ex Pestana Palace e Flores, do Hotel do Bairro Alto, actualmente no Café Colonial do Hotel Memmo.

 

 

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