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Conversas à Mesa

VINHOS, ÂNFORAS E ÓPERA

 

 

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Este Sábado tive o prazer de conhecer a adega e, sobretudo as gentes, de Cortes de Cima por ocasião de um convite para a festa anual da adega. Os proprietários, Hans e Carrie, um dinamarquês e uma californiana, descobriram esta propriedade no fim da década de 1980, altura em que o jovem casal que se conhecera na Malásia, procurava um terreno para plantar vinha. Numa terra de brancos (Cortes de Cima situa-se perto da Vidigueira), pouco quente quando comparada com as regiões vizinhas, resolveram plantar uvas tintas da casta Sirah, não reconhecida pela Denominação de Origem local. Porém, Hans achava que esta casta adquiria de forma harmoniosa as características do terroir e acabou por fazer um vinho que ficou célebre, o Incógnito, uma referência à casta que não podia ser nomeada. Foi este vinho que constituiu o momento mais alto e esperado da festa: após a magnífica exibição de dois cantores líricos que, junto às vinhas cantaram trechos de ópera e canções ligeiras, e de um jantar volante, abriu-se e provou-se uma garrafa de 4,5 l (jeroboam é o nome das garrafas com esta capacidade) de Incógnito de 2011. Os magnums e as maiores garrafas são muito apreciadas porque nelas é menor o rácio oxigénio/vinho, logo este oxigena e oxida menos e envelhece a um ritmo muito mais lento.por noutro lado, as garrafas grandes são feitas em vidro mais grosso e mais escuro, isolando-as melhor da temperatura e da luz.

Hoje Cortes de Cima produz uma grande diversidade de rótulos de brancos (uvas provenientes das propriedades da costa alentejana, perto da Zambujeira do Mar) e tintos. Além do Incógnito, gosto muito do Petit Verdot, uma casta francesa adequada a climas quentes.

Uma surpresa que encontrei na adega: vinho da ânfora, feito à maneira local, mas com algumas diferenças que impedem que se chame vinho da talha. Em primeiro lugar, os recipientes em barro têm uma abertura superior muito estreita, sendo semelhantes a ânforas. Em segundo lugar, não são forrados a pez e cera de abelhas como as talhas locais.

Foi um dia de prazer e aprendizagem. 

 

 

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 A herdade Cortes de Cima ao fundo

 

 

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Barris de carvalho francês

 

 

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O vinho de ânfora em estágio

 

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Uma gigantesca e impecável talha com quase cem anos

 

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Paisagem e azeite de Cortes de Cima

 

 

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Uma homenagem de Hans Jorgensen a outro dinamarquês e outro Hans, o Christian Andersen, no seu bicentenário

 

 

 

EPUR OU A NATUREZA SUBLIMADA

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A brilhante luz que vinha das janelas do restaurante atraiu-me e levou-me a espreitar. Não era a casa de jantar, como eu esperava, mas sim a cozinha. Lá dentro, em torno de uma peça de arte chamada fogão, Vincent Farges movimentava~se de forma leve e parecia mais jovem do que da última vez que eu o vira.

Farges pertence às recentes gerações da cozinha francesa, pós nouvelle cuisine, e mostra as suas origens com todo o seu orgulho no novo restaurante EPUR.

Os menus de degustação do restaurante são prova de que a cozinha francesa está bem viva e de muita saúde, graças às mudanças trazidas por este movimento iniciado no final da década de 1960, em França.

Depois de um período de ausência de Portugal e de muitos mesas de espera que deixou os seus admiradores impacientes, Vincent Farges abriu finalmente o seu restaurante no Largo da Academia das Belas Artes (mais um no centro da cidade), com uma vista sobre Lisboa que nos deixa de boca aberta, e com uma decoração também ela dEPURada e minimalista, mas com o pormenor do tecto prateado a deixar perpassar os seus elementos industriais. A palamenta é de Limoges: também ela depurada e luxuosa e pertencente à colecção Feelings, de Sylvie Coquet. Praticamente toda branca, muito texturada e com alternâncias de brilho e mate, umas pinceladas de cor muito ocasionais, torna-se o fundo ideal para expor as obras do chef. Os formatos dos pratos são bem escolhidos para a função, sendo quase todos lisos à excepção do de carne, mas que tem largueza suficiente para a acção da faca. Não é prático comer em pratos fundos quando há qualquer coisa para cortar, o trabalho fica muito dificultado. O talher é Christofle, complementado pelas belíssimas facas Laguiole de corno das vacas da raça Aubrac para a carne e de umas Laguiole miniatura para a manteiga. Não há toalhas na mesa, o que está em linha com a filosofia do dEPURramento. A loiça foi pensada certamente para brilhar sobre a madeira e morreria sobre panos brancos.

 

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Fui jantar a semana passada a este novíssimo restaurante que apresenta três diferentes menus de degustação para o jantar (4 momentos/90 € + 40 € para vinhos; 6 momentos/125 € + 60 € para vinhos; e 8 momentos (160 € + 80 € para vinhos) e um para o almoço (45 € - entrada ou sobremesa, prato principal e café). Há ainda um prato de queijos portugueses para quem quiser complementar a refeição.

Mas falemos do centro da experiência, a comida.

Mais do que depurar a natureza, Vincent Farges sublima-a. Mantendo-se fiel ao recurso a produtos de grande qualidade, nomeadamente legumes e citrinos, e pelo uso primoroso de técnicas discretas e clássicas, Vincent reafirma a sua identidade numa cozinha leve que mostra a sua atracção pelos legumes. A proteína da refeição tem um mero papel de complemento, ou até como apontamento, numa inversão de papéis cada vez mais presente na cozinha contemporânea, numa clara herança do caminho apontado pela revolucionária Nouvelle Cuisine francesa.

 

Todos os legumes sofreram uma intervenção, seja ela uma marinada ou uma cozedura, uma transformação em pó, puré, sabayon, emulsão ou molho, resultando em sabores ainda mais intensos mas que lhes conservam a frescura e a natureza. Em vez de ir buscar legumes e outros produtos desconhecidos e que viajaram desde o outro lado do mundo, Farges sublima os legumes da época a que estamos habituados (à excepção do ruibarbo, pouco habitual entre nós) escolhidos a dedo pela sua qualidade. A mestria não está só no seu tratamento, mas na forma como são combinados. Por exemplo, a introdução do aipo na pré-sobremesa e a sua combinação com a levemente ácida chicória (sim, a raiz que se usa para substituto de café) e o gelado de matcha produzem uma fresca e inesperada combinação de anis, frutos secos e umami. Foi um dos meu preferidos em toda a refeição.

Deixo-vos aqui os pratos sem grandes comentários porque mudam com frequência, em função da disponibilidade dos produtos e das estações do ano. Nem sequer estão na carta, que apenas menciona categorias gerais onde eles se enquadram, como Mar, Rio, Pomar, Horta, Campo, Terra ou Vintage. 

O serviço está a cargo de gente bonita e elegante, bem trajada, o que já é raro. Bem informados no geral e muito prestáveis e profissionais, mesmo com o restaurante recém-aberto. É sempre bom ver uma senhora no papel de sommelier.

Não posso acabar sem me referir à qualidade do pão, de centeio trigo e sem glúten, mas gostaria de ver pães pequenos, em vez de fatias.

 

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O que me pareceu um pouco confuso foi a apresentação do conceito do restaurante na ementa. Linguagem muito poética? E uma fórmula que dei voltas à cabeça para decifrar, sem êxito.

Ainda bem que regressou a Lisboa, Vincent Farges, a sua comida faz-nos felizes.

 

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Ceviche de pargo com emulsão de grão e pó de sumagre

 

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Pão de trigo, de centeio e sem glúten

Azeite de Trás-os-montes e manteiga do Pico 

 

 

 

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Enxaréu com legumes e citrinos, folha de shiso e molho de pepino 

 

 

 

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Ruibarbo cozinhado em caldo de legumes, telhas de sementes de linhaça, puré de cidra (ou cédrat, um citrino) 

 

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Vitela maronesa matinada com ostra escalfada e sabayon de azeite

 

 

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Pargo braseado com brunesa de lingueirão e toranja,canelonni de alho francês com barbas do peixe, puré da parte verde do alho-francês e molho de champanhe  

 

 

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Cabrito à moda da chanfana cozinhado em borras de vinho tinto e terminado no carvão 

(o sabor levemente fumado do cabrito dispensava o uso do intenso alho negro)

 

 

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Creme de chicória, aipo e gelado de macha, com uma madeleine da mãe de Vincent

 

 

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Gelado de iogurte, financier de pistácio, ruibarbo e creme de framboesa 

 

 

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 Calamansi (adorei a ideia de servir esta fruta fresca cuja casca se come e é mais doce do que a polpa) e mignardises

 

 

Algumas fotos (as melhores) foram cedidas pelo Mário Cerdeira, que mesmo com o telemóvel consegue fazer sempre um trabalho fantástico. Obrigada.

 

 

 

 

 

 

 

COMO CORRE O TEMPO EM TORRE DE PALMA

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Da minha cama super confortável no quarto cor de laranja, vejo a varanda e oiço os passarinhos chirparem enquanto fazem voos rasantes à tangerineira envasada. Estou no hotel Torre de Palma, em Monforte, convidada para um jantar a quatro mãos que junta Filipe Ramalho, o chef residente do hotel, e Leopoldo Garcia Calhau, do Café Garrett (Teatro Nacional D. Maria).

Há que levantar cedo e deixar o conforto do quarto, porque este sábado começa cedo, com uma ida ao mercado de Estremoz.

Esta praça bem viva divide-se por 4 alas bem definidas que reúnem em bricabraque espacialmente organizado as galinhas e os coelhos para criação, os passarinheiros, as velharias, alguns produtores locais de fruta e legumes e a habitual desbunda dos legumes e frutas normalizados.

Os dois chefs compram túberas e espargos verdes para o jantar e, mais adiante, favas e ervilhas em vagem. Por fim as silarcas, também conhecidas por tortulhos, e cientificamente por Amanita ponderosa. São uns cogumelos esbranquiçados e robustos, envolvidos numa película que cede quando eles saem da terra, deixando aparecer o chapéu.

Na véspera, os chefs tinham morto e sangrado um borrego destinado ao evento. Após a ida ao Mercado, podemos assistir ao corte desse borrego: uma parte para o forno a lenha, para o jantar, outra para o ensopado destinado ao nosso almoço e feito sobre lenha, ao ar livre, numa tigela de barro vidrado. Num outro fogo de lenha, os dois chefs fizeram também sopa e arroz de bacalhau, envolvendo os hóspedes na preparação do almoço e no tempero do borrego para o evento da noite. Enquanto isso, as mesas ao ar livre cobriam-se de enchidos da D. Vitória, com fumeiro no Cano, muito perto dali.

Porém, o que parece fazer feliz a maioria dos hóspedes é o ritmo lento com que todas as actividades se desenrolam, moldando um tempo «alentejano» em que tudo tem o seu ritmo, e em que mais importante do que estar feito é mesmo fazer.

Ninguém marcou horas para o almoço, iremos para a mesa quando o arroz achar que é hora de abrir e o borrego apresentar a cor ideal. A provar que o tempo não pode ser apressado, estão os aromas da sopa, do arroz de bacalhau e do borrego, capazes de acordar os romanos que ali mesmo ao lado viveram do século I ao século V. O luxo da Torre de Palma é o tempo, que nunca sentimos perdido ou desperdiçado.

 

 

 

 

 

 

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A varanda do quarto

 

 

O mercado de Estremoz

 

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Filipe Ramalho, o chef do Torre de Palma, e Leopoldo Garcia Calhau, Café Garrett, no mercado de Estremoz.

 

 

IMG_7207.JPGVários tipos de tratamento de azeitonas

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Molhos de temperos 

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Espargos silvestres e túberas

 

 

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 O aloé vera de rosto humano

 

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Silarcas

 

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Passarinheiros

 

O almoço ao ar livre no hotel Torre de Palma

 

 

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A panela da sopa

 

 

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Ao trabalho

 

 

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 A sopa de feijão

 

 

 

 

 

 

 

 

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