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A brilhante luz que vinha das janelas do restaurante atraiu-me e levou-me a espreitar. Não era a casa de jantar, como eu esperava, mas sim a cozinha. Lá dentro, em torno de uma peça de arte chamada fogão, Vincent Farges movimentava~se de forma leve e parecia mais jovem do que da última vez que eu o vira.
Farges pertence às recentes gerações da cozinha francesa, pós nouvelle cuisine, e mostra as suas origens com todo o seu orgulho no novo restaurante EPUR.
Os menus de degustação do restaurante são prova de que a cozinha francesa está bem viva e de muita saúde, graças às mudanças trazidas por este movimento iniciado no final da década de 1960, em França.
Depois de um período de ausência de Portugal e de muitos mesas de espera que deixou os seus admiradores impacientes, Vincent Farges abriu finalmente o seu restaurante no Largo da Academia das Belas Artes (mais um no centro da cidade), com uma vista sobre Lisboa que nos deixa de boca aberta, e com uma decoração também ela dEPURada e minimalista, mas com o pormenor do tecto prateado a deixar perpassar os seus elementos industriais. A palamenta é de Limoges: também ela depurada e luxuosa e pertencente à colecção Feelings, de Sylvie Coquet. Praticamente toda branca, muito texturada e com alternâncias de brilho e mate, umas pinceladas de cor muito ocasionais, torna-se o fundo ideal para expor as obras do chef. Os formatos dos pratos são bem escolhidos para a função, sendo quase todos lisos à excepção do de carne, mas que tem largueza suficiente para a acção da faca. Não é prático comer em pratos fundos quando há qualquer coisa para cortar, o trabalho fica muito dificultado. O talher é Christofle, complementado pelas belíssimas facas Laguiole de corno das vacas da raça Aubrac para a carne e de umas Laguiole miniatura para a manteiga. Não há toalhas na mesa, o que está em linha com a filosofia do dEPURramento. A loiça foi pensada certamente para brilhar sobre a madeira e morreria sobre panos brancos.
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Fui jantar a semana passada a este novíssimo restaurante que apresenta três diferentes menus de degustação para o jantar (4 momentos/90 € + 40 € para vinhos; 6 momentos/125 € + 60 € para vinhos; e 8 momentos (160 € + 80 € para vinhos) e um para o almoço (45 € - entrada ou sobremesa, prato principal e café). Há ainda um prato de queijos portugueses para quem quiser complementar a refeição.
Mas falemos do centro da experiência, a comida.
Mais do que depurar a natureza, Vincent Farges sublima-a. Mantendo-se fiel ao recurso a produtos de grande qualidade, nomeadamente legumes e citrinos, e pelo uso primoroso de técnicas discretas e clássicas, Vincent reafirma a sua identidade numa cozinha leve que mostra a sua atracção pelos legumes. A proteína da refeição tem um mero papel de complemento, ou até como apontamento, numa inversão de papéis cada vez mais presente na cozinha contemporânea, numa clara herança do caminho apontado pela revolucionária Nouvelle Cuisine francesa.
Todos os legumes sofreram uma intervenção, seja ela uma marinada ou uma cozedura, uma transformação em pó, puré, sabayon, emulsão ou molho, resultando em sabores ainda mais intensos mas que lhes conservam a frescura e a natureza. Em vez de ir buscar legumes e outros produtos desconhecidos e que viajaram desde o outro lado do mundo, Farges sublima os legumes da época a que estamos habituados (à excepção do ruibarbo, pouco habitual entre nós) escolhidos a dedo pela sua qualidade. A mestria não está só no seu tratamento, mas na forma como são combinados. Por exemplo, a introdução do aipo na pré-sobremesa e a sua combinação com a levemente ácida chicória (sim, a raiz que se usa para substituto de café) e o gelado de matcha produzem uma fresca e inesperada combinação de anis, frutos secos e umami. Foi um dos meu preferidos em toda a refeição.
Deixo-vos aqui os pratos sem grandes comentários porque mudam com frequência, em função da disponibilidade dos produtos e das estações do ano. Nem sequer estão na carta, que apenas menciona categorias gerais onde eles se enquadram, como Mar, Rio, Pomar, Horta, Campo, Terra ou Vintage.
O serviço está a cargo de gente bonita e elegante, bem trajada, o que já é raro. Bem informados no geral e muito prestáveis e profissionais, mesmo com o restaurante recém-aberto. É sempre bom ver uma senhora no papel de sommelier.
Não posso acabar sem me referir à qualidade do pão, de centeio trigo e sem glúten, mas gostaria de ver pães pequenos, em vez de fatias.
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O que me pareceu um pouco confuso foi a apresentação do conceito do restaurante na ementa. Linguagem muito poética? E uma fórmula que dei voltas à cabeça para decifrar, sem êxito.
Ainda bem que regressou a Lisboa, Vincent Farges, a sua comida faz-nos felizes.
Ceviche de pargo com emulsão de grão e pó de sumagre
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Pão de trigo, de centeio e sem glúten
Azeite de Trás-os-montes e manteiga do Pico
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Enxaréu com legumes e citrinos, folha de shiso e molho de pepino
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Ruibarbo cozinhado em caldo de legumes, telhas de sementes de linhaça, puré de cidra (ou cédrat, um citrino)
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Vitela maronesa matinada com ostra escalfada e sabayon de azeite
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Pargo braseado com brunesa de lingueirão e toranja,canelonni de alho francês com barbas do peixe, puré da parte verde do alho-francês e molho de champanhe
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Cabrito à moda da chanfana cozinhado em borras de vinho tinto e terminado no carvão
(o sabor levemente fumado do cabrito dispensava o uso do intenso alho negro)
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Creme de chicória, aipo e gelado de macha, com uma madeleine da mãe de Vincent
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Gelado de iogurte, financier de pistácio, ruibarbo e creme de framboesa
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Calamansi (adorei a ideia de servir esta fruta fresca cuja casca se come e é mais doce do que a polpa) e mignardises
Algumas fotos (as melhores) foram cedidas pelo Mário Cerdeira, que mesmo com o telemóvel consegue fazer sempre um trabalho fantástico. Obrigada.