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Conversas à Mesa

A PIOR DESCONSTRUÇÃO DO MUNDO

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Não sei por que razão o restaurante de comida brasileira chamou a minha atenção, mas a carta prometia. Dadinhos de tapioca, Escondinhos, Barriga de porco apururucado, enfim tudo coisas apetitosas de que já tinha saudades. Num fim de tarde de Agosto, lá marchei para o D. Beija, na Duque de Loulé. E como a vida tem destas coisas (para vos falar aqui no blog de um restaurante tenho muitas vezes de correr três ou quatro que se revelam inenarráveis), lá levei mais um barrete.

A saber, os dadinhos de tapioca não estavam crocantes e o escondidinho de caranguejo escondia um recheio de mau sabor. Salvou-se a carne de porco que estava saborosa e com acompanhamentos interessantes mas nada apururucada, justamente o adjectivo que tinha captado a minha atenção (apururucado ou pururucado refere-se à pele do porco estaladiça, geralmente através de desidratação e fritura, típica da cozinha caipira).

Mas o mais frustrante estava para vir. Recaiu a minha escolha de sobremesa no Romeu e Julieta, uma tradicional combinação de goiabada e queijo, já, pensava eu, a jogar pelo seguro. Quando eu me preparava para as esperáveis fatias de queijo e de goiabada, eis que surge a recriação, sob a forma de uns rolinhos de massa frita que encerravam a dita combinação, mas que se revelaram intragáveis devido ao mau sabor do óleo da fritura que já tinha durante muito tempo trabalhado com peixe e carne. Pedi para trocarem por outra sobremesa, desta feita o Brigadeiro de Panela que se anuncia como “A sua própria panela de Brigadeiro como se fosse feito em casa, mas melhor”. E vem aqui a explicação do título do post: o que veio para a mesa não foi uma recriação, mas sim uma desconstrução do mundo, a pior do mundo. Tratava-se de um pratinho onde se enfileiravam quatro tigelinhas: uma de bolacha picada, outra de confeitos de chocolate, outra com 3 framboesas e outra, maior, com a massa do brigadeiro penso que enlatada (pensando melhor, acho que a enlatada que eu conheço sabe melhor...). Não nos foram dadas instruções, mas com a colherzinha serviria supostamente para passar a massa de chocolate nos confeitos e na bolacha (as framboesas não faço a mínima para que eram, provavelmente para dar acidez à coisa, algo que está na moda). Para resultar em pleno, a desconstrução é algo de muito difícil de fazer e que requer criatividade. Eu diria “Não tente fazer em casa o que viu em restaurantes de fine dining, é muito perigoso”. Quem nem sequer sabe cozinhar os pratos tradicionais, não se meta em cavalarias desconstrutivas. Não pode ser mais ridículo, frustrante e enganador para o cliente. 

 

 

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A barriga de porco com ananás caramelizado e mandioca

 

 

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 O tal Romeu e Julieta, sobre uma cama de uma mistura de queijo com um sabor estranho e a massa a saber a mau óleo de fritura.

 

AS TRUFAS DO FRANCISCO SIOPA

 

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Para vos abrir o apetite para o novo livro DO CACAU AO CHOCOLATE, trabalho de uma equipa da qual faz parte o nosso famoso chocolatier e pasteleiro Francisco Siopa, actualmente chef no Hotel Penha Longa, aqui ficam duas receitas de trufas da sua autoria. São apenas uma de muitas receitas com chocolate de nos fazer babar. Edição CTT, à venda nas lojas dos correios. 

 

 

 


 

TRUFAS NEGRAS

1 kg de chocolate preto, temperado

100 g de cacau em pó

 

Para 50 trufas

 

Ganache

250 g de natas

20 g de glucose

210 g chocolate preto com 70% de cacau

40 g de manteiga sem sal

 

  1. Ferver as natas com a glucose. Verter sobre o chocolate preto cortado em pedaços pequenos e misturar com o batedor de varas até ficar homogéneo.
  2. Quando esta mistura atingir 35°C, juntar a manteiga à temperatura ambiente. Deixar arrefecer, de preferência de um dia para o outro, ou até a massa endurecer.
  3. As trufas podem ser feitas com as mãos (untadas com manteiga) ou com o saco de pasteleiro, munido do bico redondo n.º 8.
  4. Colocar num tabuleiro e levar ao congelador durante 1 hora (até não pegarem).

 

Acabamento

cacau em pó q.b.

 

Passar as mãos no chocolate temperado e enrolar as trufas. Em seguida, passá-las no cacau em pó.

 


 

TRUFAS DE LIMONCELLO

 

São ótimas prendas para o Natal! Para estas trufas são necessários umas bolinhas de chocolate branco que se vendem nas lojas de produtos para bolos. O limoncello é um licor de limão originário da região meridional de Itália.

 

Para 50 trufas

50 bolinhas de chocolate branco (vazadas)

 

Ganache

250 g de natas

100 g de glucose

raspa fina de 1 limão

500 g chocolate branco

30 g de manteiga sem sal

1 dl de limoncello

 

  1. Ferver as natas com a glucose e a raspa de limão.
  2. Verter sobre o chocolate branco cortado em pedaços pequenos e misturar com o batedor de varas até ficar homogéneo.
  3. Quando esta mistura atingir 35°C, juntar a manteiga à temperatura ambiente. Adicionar o limoncello.
  4. Rechear as bolinhas de chocolate branco, enchendo-as bem. Deixar repousar durante cerca de 6 horas.

 

Acabamento

500 g de chocolate branco temperado

100 g de açúcar em pó

 

Passar as mãos no chocolate branco acabado de temperar e enrolar as trufas no chocolate. Em seguida, passá-las no açúcar em pó.

O FUTURO DO TAVARES

 

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 Mais uma vez o restaurante Tavares muda de mãos. Ninguém sabia verdadeiramente se estava aberto, porque a comunicação social o ignorava completamente nestes dois ultimos anos. Não foram uma nem duas as vezes que lá passei de propósito para confirmar que o restaurante ainda respirava. Agora passou para as mãos do Grupo Multifood, o mesmo do Alma, do Pesca, do Tapisco e da Sala de Corte, Vitaminas e Honorato. Rui Sanches, dono do grupo, afirmou, qual chinês, que o restaurante não ia sofrer modificações. Para já, claro, enquanto provavelmente o grupo escolhe o destino que lhe há-de dar. 

A decoração do Tavares não é sacrossanta, pode ser mudada. Aquele excesso de talha, a repercutir a vizinha igreja de S. Roque, não é eterno. Os espelhos cuja missão é aumentar o espaço um pouco estreito do restaurante, idem (talha e espelhos datam da renovação de 1903, feita por Manuel Caldeira). Os lustres são de aquisição recente (1956). Essencial, é o aproveitamento do primeiro andar (muito bonito, tirando as pinturas, que são terríveis). Também não é obrigatório fazer ali um restaurante de fine dining, serai até interessante ver surgr um conceito inesperado. O que é importante no Tavares é o espaço emocional, toda a história que ali se desenrolou, com mais ou menos dramas. 

 

 

Desejo a Rui Sanches toda a sabedoria para conseguir transformar o Tavares conservando todas essas memórias. Enretanto aqui fica o post que escrevi há uns anitos sobre o Tavares.

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 Na época de Peudennier

 

 

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 Um reservado do Tavares (principio do século XX)

 

 

 

 

 

O abre-fecha do Tavares é uma constante na sua história de muito mais de 200 anos. Mortes dos proprietários e falências são as causas top 2 do seu encerramento periódico. A compulsão para a reabertura acaba sempre por se impor, e lá vai aparecendo quem lhe devolve o esplendor. Haja esperança no fascínio que esta casa sempre exerceu, fruto quiçá do brilho das suas talhas e das suas pequenas histórias.

Ser antigo tem, algumas vezes, as suas vantagens. Ser antiga permitiu-me ter comido no Tavares Rico algumas vezes ao longo dos anos 60 e princípio dos anos 70, à mesa dos meus pais que achavam que aprender a comer fazia parte da educação das filhas. Depois tanto eu como o Tavares tivemos períodos menos abastados e só regressei às suas mesas no tempo do Peudennier, altura em que fiz com Martim Cabral um programa para a SIC sobre este restaurante. Segui depois o Tavares do Avillez e do Aimé Barroyer, grande chef e grande homem que antevejo irá encontrar rumo próprio muito em breve e a quem desejo as maiores felicidades.  

 

 

A mensagem que aqui vos quero deixar é de esperança, o Tavares há-de reabrir ainda com mais glória. Sempre foi assim e assim há-de ser, é mesmo uma afirmação de fé. Em 21 de Janeiro de 1956, O Cronista (jornal que se publicou quinzenalmente a partir 5 de Junho de 1954, passando a semanal em 4 de Fevereiro de 1956 até 1958) dedicava um artigo à Reabertura do Tavares, mais uma com novos proprietários e com um «serão literário e mundano» dos Amigos de Lisboa onde se encontravam figuras como Matos Sequeira, Ramada Curto, Luís de Oliveira Guimarães, um dos colaboradores do jornal, e até Gago Coutinho, já de provecta idade.

Como sempre, a curiosidade ia para a decoração. Como estaria? Teriam tirado as talhas douradas?

«[...]os lisboetas supuseram que a sua decoração interior seria totalmente remodelada sob os impulsos de uma ânsia de modernismo, sem carácter apropriado e inconfundível. Felizmente tal não sucedeu. O bom senso e o bom gosto, a elegância e o equilíbrio, prevaleceram sobre as inovações da arte decorativa moderna, que nem sempre são inteiramente satisfatórias.»

 

 

Prossegue O Cronista apontando que se manteve o estilo «tendo-se apenas substituído os lustres e os candelabros por outros mais ricos e mais luminosos.»

Entre os entreténs de recorte mais ou menos literário dessa noite, declamou-se um soneto intitulado Tavares Rico, do poeta Cardoso Martha (ver nota em baixo), que rezava assim:

 

«Cento e setenta e dois já vais contar.

Um parabém, e por aqui me fico.

Por ti passou muitíssimo bom “bico”

E outros muito ainda hão-de passar.

 

Quem tiver bom ouvido, há-de escutar

Nos silêncios da sala, o verbo rico

Do Eça, do Junqueiro (e até do Erico)

Que bons pitéus cá vinham empançar

 

Almas dos que lá vão! Ficai sabendo

(se é que não estais aqui e nos estais vendo)

que o Tavares abre hoje as suas portas.

 

Faço votos, ilustre companhia

Que, como outrora, saia a freguesia

Bem comida e bem bebida e a horas mortas. 

 

 

 

O Tavares não fica por aqui. Há-de voltar em toda a sua glória e, como afirmou Martha,

Por ti passou muitíssimo bom “bico”

E outros muito ainda hão-de passar.