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Conversas à Mesa

LAFFAN NO ATLÂNTICO

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É um dos espaços mais agradáveis da linha do Estoril. Não tem a braveza do mar aberto dos restaurantes do Guincho, mas tem o mar elegante e vintage do Estoril, com o Tamariz e outros palacetes a decorarem o panorama. Chama-se Atlântico, uma homenagem ao hotel que foi destruído para que o Intercontinental pudesse viver, e situa-se na pequena moradia adjacente a este hotel. Neste local, já trabalhou Jorge Fernandes, que abriu o restaurante Atlântico com uma carta talvez demasiado abrangente, mas com uma confecção primorosa e bons preços. Depois da saída deste chef, a cozinha afundou.

Chegou agora Miguel Laffan, um cascalense, para reinventar o espaço, que também foi todo renovado. A sua ideia foi colocar os produtos do mar no centro da carta. Não é um restaurante de grelha, mas sim de uma cozinha à base de bons produtos (se a qualidade dos produtos decair, se resolverem reduzir food cost à base dessa qualidade, o restaurante perde o sentido) elaborados a partir de referências tradicionais, como as amêijoas à Bulhão Pato ou o camarão com alho. Tanto num como noutro, a amêijoa e o camarão fazem toda a diferença, coroados por sabores equilibrados.

 

 

 

Ameijoas à Bulhão Pato02@MarioCerdeira.jpg

 

 

 

Camaroes ao alho nobre01@MarioCerdeira.jpg

 

 

 

Robalo de Linha01@MarioCerdeira.jpg

 

 

 

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Depois, há outros pratos à la Laffan, como as vieiras com cogumelos silvestres com um sabor que não se esquece e ao qual apetece regressar. Ou aqueles que revelam a mestria do chef que consegue transformar uma boa tranche de fresquíssimo e marinho robalo de linha e alguns legumes num prato excepcional através da ligação feita pelo molho de açafrão. É exactamente para ligar o prato e dar sentido a tudo que se fizeram os molhos, e este é excepcional. Preços dos pratos rondando os 30 euros, sem as surpresas que temos por vezes quando pedimos o peixe ao peso.

 

Em matéria de sobremesas, experimentei a Mousse de queijo chèvre com mel e alfazema, muito intensa do queijo e a precisar de um novo equilíbrio.

Para aproveitar integralmente o restaurante, é bom ir ver o pôr-do-sol ao bar, com um dos refrescantes cocktails, com e sem álcool. E depois deixe-se ficar, a ver as luzes de Cascais acenderem e o Estoril a iluminar-se de movimento. Com o preço de uma refeição, irá sentir-se um milionário.

 

Ah, já me esquecia. Ao almoço, há uma ementa completa com entrada, prato, sobremesa e bebida por 30 euros. Os pratos variam com os dias da semana, mas repetem-se em ciclos semanais e incluem boas recordações que hoje raramente aparecem, como as lulas recheadas.

 Obrigada ao Mário cerdeira pelas belíssimas fotos.

 

19812786_nmTYF.jpgO chalet Barahona e o comboio a vapor. 

 

O Intercontinental está situado no local onde existia o antigo hotel Atlântico, cuja piscina de água salgada era muito apreciada pelos locais e veraneantes.

Este, por sua vez, nasceu de um palacete, o Chalet Barahona, mandado edificar no fim do século XIX, por Francisco Barahona Fragoso, advogado alentejano. Depois, passou por vários donos, nomeadamente o riquíssimo e santomense visconde de Malanza, cuja fortuna se fez no cacau. Na década de 30, aqui nasceu o Hotel Atlântico pela mão de um casal de holandeses que o ampliou, mas que, por razões económicas, acabaram por ter de o vender em 1939. Durante a Segunda Guerra, era frequentado sobretudo por espiões alemães, mas também por judeus e ingleses, enquanto no vizinho hotel Palácio, as conspirações estavam mais a cargo dos Aliados.Ainda durante a Guerra, mais precisamente em 1941, sofreu grandes obras de ampliação.

 

 

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 O hotel Atlântico, sendo visível a casa onde hoje se situa o restaurante.

Estas fotos são do blog Restos de Colecção.

COMER BEM E BARATO EM CASCAIS

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Cascais tem uma oferta muito limitada e homogénea em termos restaurativos. Com preços altos e pouco previsíveis quando se trata de peixe ao quilo, para cozer ou grelhar, encontramos um bordejo de restaurantes pela Estrada do Guincho. Dos antigos, lembro-me muito bem de frequentar, de quando em quando, o Raio Verde quando era universitária, o mais em conta de todos eles. De todos eles, o meu preferido é o novo Porto de Santa Maria (ver aqui um exemplo, https://conversasamesa.blogs.sapo.pt/jantar-vinico-no-porto-de-santo-maria-118011), cujos preços se equiparam hoje aos dos seus congéneres guinchenses e cuja oferta é bem mais variada. No próximo post, vou falar-vos de uma oferta nova na área de Cascais e que foge ao habitual por aqui.

Hoje, o centro de Cascais cheira intensamente a caril, dos vários restaurantes indianos que lá há. A estes juntaram-se um marroquino, um tailandês e muitos outros dedicados aos turistas, como dubitativos sushis e hambúrgueres pouco apelativos. No centro, salva-se o Beira-Mar, cuja oferta de peixe e marisco do mar cascalense é imbatível. Depois, espalhados na malha da vila ainda sobrevivem três ou quatro locais, quase apenas frequentados por locais, e onde se pode comer bom e barato.

É nestes que como habitualmente, e cada vez que experimentei um novo, arrependi-me. Para peixe, numa oferta mais em conta (um almoço a cerca de 20 euros com sobremesa e vinho), vou sempre ao Vela Azul. Penso que nunca lá vi um camone. Uma bela pescada cozida, sardinhas, carapaus, garoupa e chocos, sempre tudo fresquíssimo. A grelha é eléctrica. Tirando as amêijoas, não há mais marisco.

 

Vela Azul

Travessa Conde Castro Guimarães, lote 2, 2750-642, Cascais

Tel: 21 483 4932

Fecha domingo e segunda

 

 

Para carne, o Beirão, com o seu belíssimo naco de vazia para duas pessoas. É sempre de pedir qualquer carne que leve as batatas chips, maravilhosas, estaladiças e sequinhas. Têm peixe, mas nunca lá o comi...

Este era um típico restaurante de bairro, agora cheio de grandes mesas de chineses e de outros estrangeiros. Os preços aumentaram de mais para o tipo de restaurante. Quanto ao pessoal, é daquele do antigamente, mesmo os jovens, daqueles que fazem o favor de nos arranjarem uma mesa ou de tomarem nota do que queremos, sobretudo quando não somos habitués. Mas fazem este número bem feito, e às vezes até com graça. Podemos considerar um número de variedades...O cozinheiro, esse, resolveu dar uma de chef e é super simpático, fazendo o tour das mesas. Outro número.

O Beirão

Largo de Birre, 2750-234, Cascais

Tel: 21 487 1086

Fecha à quarta

 

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Para o fraguinho assado, o Somos um Regalo, é imperdível. Frango da Guia, bem temperado e grelhado, boa batata frita e atendimento simpático. Sempre cheio e super barulhento. Um must.

 

Somos um Regalo

 

Av. Vasco da Gama 36, 2750-509 Cascais

Tel: 21 486 5487

Fecha à terça

 

 

 

O BARROCAS

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Por ocasião de uma passagem por Alcácer do Sal, resolvi experimentar um restaurante que me havia sido recomendado por pessoa amiga. Tratava-se da Tasca do Barrocas, estabelecimento que fazia juz ao seu nome.

O jantar teve tudo para correr mal. Não havia lugar fora, na esplanada virada para o rio Sado. Foi uma complicação para escolherem uma das 4 mesas vagas para nos sentarem, queriam que esperássemos pelo patrão, o tal Barrocas. Patrão esse que estava sentado num banco da rua ao telemóvel. Depois de esperarmos em pé, resolvemos sentar-nos numa qualquer, à revelia da entidade patronal. Estava um calor das arábias, mas havia um aparelho de ar condicionado que pedi para ligarem. O patrão, entretanto regressado às lides laborais, ligou-o, enquanto refilava qualquer coisa que não entendi, mas que vim a perceber dez minutos mais tarde, quando algum fresco inicial esmoreceu e o aparelho começou a bufar calor. Inquirido o patrão, respondeu que «ele anda assim, passado um bocado cansa-se». Animismo aliado ao fatalismo, tudo bem português. Ao que apurei, o patrão faz o género «irreverente figura», opiniões desfiguradas.

A seguir, veio a fatal praga de melgas da região arrozeira. Tal como as espinhas dos pastéis de bacalhau, a mosquitada vem sempre para mim e faz-me num cristo.

Vieram perguntar o que queríamos comer. A carta é curta, consta de uns arrozes, uma canja de garoupa e umas carnes grelhadas. Veio o patrão logo avisando que seria melhor não escolhermos os arrozes «que a casa estava cheia e ia demorar muito tempo». Obedientes e humildes, escolhemos uma entrada de cogumelos e duas carnes, uma posta de vitela de origens não identificadas e um entrecosto de porco. Tudo acompanhado com batata chip, sequinha, mas não fresquíssima. A posta era agradável, e o entrecosto também. No fim veio um pudim, anunciado como de ovos, que não era desses mas também não era flan. Penso que seria com leite condensado.

Pratos principais entre os onze e os quinze euros, com doses não muito generosas, sobretudo no caso do entrecosto.

Apesar de tudo isto, acabei por sair de lá bem disposta, acho eu, porque lá entrei bem disposta. Achei graça à casa, ao ambiente familiar, à decoração, e, vejam lá, até ao patrão. Às vezes o que nos leva a gostar de um local tem mais a ver com o que levamos para lá do que com o que de lá trazemos...

 

 

 

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O balcão onde o patrão gosta de servir copinhos de branco.

 

 

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A posta de vitela

 

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O entrecosto

 

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A salada com um pormenor interessante: o tomate é servido sem a pele.

 

 

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O pudim

 

 

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 A irreverência do patrão no décor da casa, para desfigurar.

 

A INOCENTE LULA DO FEITORIA

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Matéria é o nome dos vários menus de degustação do Feitoria, o restaurante do hotel Altis Belém. O chef João Rodrigues quis privilegiar o vulgarmente chamado produto na sua cozinha, porque a boa cozinha supõe sempre um bom produto. E para homenagear essa matéria, traz à mesa os produtos base de cada prato, para que o cliente possa ter contacto directo com eles, vê-los, sentir os seus aromas e perceber a importância da sua frescura e da qualidade no resultado final que é lhe é apresentado.

Se os franceses foram os pais deste destaque dado ao bom produto, os americanos levaram esse destaque às últimas consequências e, mais recentemente, os nórdicos transformaram-nos numa religião. Diz-se que em Portugal temos uma cornucópia de abundância de bons produtos. Nem sempre é real. Temos tesouros no mar, mas a sua maioria foge para a exportação. Temos algumas boas raças autóctones de carne, mas os exemplares são tão escassos que para poucas encomendas chegam. Temos saborosos porcos de raça alentejana, que vão para Espanha para se transformarem em presuntos. A nossa fruta e legumes podem ser belíssimos, mas os mais saborosos raramente chegam à distribuição. Infelizmente, a maioria dos nossos consumidores não consegue pagar a diferença de preço do produto standard para o bom produto. Os restaurantes de topo, como o Feitoria, estão a fazer um bom trabalho com os melhores pequenos produtores no sentido de, numa relação bilateral, permitirem a sua sustentabilidade. Para isso, há que adaptar muitas vezes as cartas aos melhores produtos disponíveis, em vez da tarefa mais fácil de elaborar a carta e, em seguida, procurar os produtos que a sustentam.

Indubitavelmente, João Rodrigues tem feito um belíssimo trabalho de campo por todo o país para encontrar e estimular esses pequenos produtores. Indubitavelmente, o produto que chega à mesa do Feitoria é exemplar. Mas confesso que também muito me agradou no jantar que fiz recentemente no Feitoria a maneira inovadora com que o chef me conseguiu surpreender em cada prato, sem nunca desvirtuar a Matéria. Apenas com uma pequena alteração das nossas referências habituais, consegue tirar-nos completamente o chão das nossas convicções e transformar uma simples lula numa experiência que nos abala.

A dita lula chega-nos sozinha no prato, com um aspecto completamente inocente. Porém, à prova, apresenta o seu natural sabor adocicado, sem qualuqer tempero de sal, e uma textura tão macia que se pode comer com a colher que a acompanha. O sal, esse matreiro, está na manteiga de ovelha que rodeia o cefalópode. O mesmo se passa com o imperador com arroz de bivalves, sendo o principal elemento salgado do prato a salicórnia: tanto o peixe como os bivalves têm apenas o seu sal natural. Com estas novas referências somos levados a apreciar o sabor natural dos produtos. De um só golpe, João Rodrigues baralha-nos as referências, surpreendendo-nos e mostra-nos os produtos de excelência com o sabor com que vieram ao mundo.

Gostei também do uso da prensa do pato (famosa presse à canard do Tour d’Argent) para extrair a essência das cabeças dos carabineiros, reforçando o seu sabor. (A propósito, nunca tente extrair sabor das cabeças dos camarões congelados, e nunca o faça com um liquidificador).

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 Aperitivo de groselha e flor de sabugueiro (recordou-me os lanches de miúda, em que enchíamos o copo de groselha com água gelada de uma fonte)

 

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O pão, muito simpaticamente servido

 

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Enxaréu, Ammanita cesarea e azeite Monterosa

 

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Tartelete de favas e papada de porco de raça alentejana (curado no restaurante). Um começo cheio de sabor.

 

 

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 A prensa usada para as cabeças de carabineiro.

 

 

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O carabineiro já com a sua essência.

 

 

 

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 A matéria vem à mesa: imperador e bivalves.

 

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E o respectivo prato.

 

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Copita de Barrancos Portugal com caldo de cozido que quase se mastiga.

 

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Lombo de arouquesa com cogumelos

 

 

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 Pistácio, alperce e gemada. Este não falou comigo...

 

 

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Biscoito pão de ló com creme de limão e ananás, gelado de pimenta preta com toffee de noz moscada e ananás dos Açores fumado com calda de canela. Uma sobremesa fresca e complexa a que não faz jus a foto...O ananás é cortado á mesa e tem um sabor excepcional.

 

 

Foi uma refeição magnífica de equilíbrio, boa matéria e emoção. João Rodrigues consegue trazer-nos novos sabores com um mínimo de manipulação e alteração da matéria. Tranquilamente, João Rodrigues afirma-se como uma referência na nossa cozinha.

O restaurante tem uma vista muito repousante sobre o Tejo, uma agradável varanda e um serviço profissional e cortês. Só não gosto de ser servida com luvas pretas ( a haver luvas, serão sempre brancas na minha opinião).

 

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Bebi este vinho com todos os pratos e foi uma óptim escolha aconselhada pelo escanção.

 


Menu matéria 6 pratos – 135 euros.

 

Restaurante Feitoria

Hotel Altis Belém

Doca do Bom Sucesso

1400-038 Lisboa

Tel: 210400200

Email: reservationsbelem@altishotels.com