Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Conversas à Mesa

UMA LIÇÃO COM PEIXE DO RIO

1174-14@MarioCerdeira.jpg

 

 

Carpa, achegã, lúcio, barbo e lúcio-perca são peixes de água doce que podem ter os seus apreciadores, mas que não fazem a alegria da maioria das pessoas. A carpa pode saber a lama, o barbo a limos e todos eles têm muitas espinhas. Conseguir transformar estas espécies de rios, lagos e barragens em peixes que competem com os do mar não é tarefa fácil. Foi este o desafio colocado a três chefs num jantar que teve lugar no hotel Santa Margarida, em Torna, Oleiros: Paulo Matias, do Porto de Santa Maria (Cascais), Bruno Neves, do Lux Lisboa Park Hotel e André Ribeiro, do Hotel Santa Margarida (Oleiros). Este último ficou responsável pelos vários aperitivos servidos antes do jantar, todos com sabores da região, muitos à base de cabrito estonado de Oleiros: croquetes, empadinhas e almôndegas do caprino, derivações do maranhos (um bucho de cabra recheado com carnes deste bicho, outros enchidos, arroz, e perfumado pela hortelã).

 

1174-44@MarioCerdeira.jpg

Os aperitivos 

 

 

A acompanhá-los esteve um curioso e leve vinho branco desta região, o Callum, proveniente de vinhas de Oleiros, que pela semelhança que tem com o vinho verde, parece terem vindo do Minho. Estas vinhas têm a particularidade de terem sobrevivido à filoxera, doença que matou grande parte das vinhas europeias no século XIX.

 

1174-11@MarioCerdeira.jpg

A carpa do Zêzere e a uva-morangueira, de Bruno Neves. Na foto de capa, os filetes de Paulo Matias. 

 

 

Dois pratos se destacaram no jantar, ambos com peixes do rio. A entrada, da autoria de Bruno Neves, juntava fatias finas de carpa pescada na véspera no rio Zêzere com a acidez de uma marinada das uvas-morangueiras. As escamas dos peixes fritas introduziam a textura estaladiça. O resultado foi surpreendente e extremamente agradável. Marinada, a carpa ganhara uma profunda dimensão de sabores.

Pela mão de Paulo Matias, o primeiro prato principal voltou a surpreender, voltando a afirmar inequivocamente que, quando bem tratado com as técnicas adequadas, ainda que simples, o peixe do rio é uma boa alternativa ao de mar. Uma dessas técnicas que dá profundidade de sabor ao peixe do rio, sempre um pouco dessaborido, e até lhe reafirma a textura. O resultado foram uns magníficos filetes de carpa, todos rigorosamente despinhados, panados numa mistura de panko com escama do peixe fritas e trituradas. Os filetes estavam dignos de serem servidos no Porto de Santa Maria... A acompanhá-los umas preciosas migas de tomate.

Este jantar foi uma prova retumbante do valor que o peixe do rio pode ter na nossa gastronomia quando tratado com técnicas adequadas e criativas. Não é por acaso que tudo isto se passou nas Beiras, onde se faz uma cozinha de aproveitamento de tantos produtos até hoje desvalorizados e onde o peixe do rio com migas atinge todo o seu esplendor.

 

 

1174-51@MarioCerdeira.jpg

Os 3 chefs: à esq., Bruno Neves, ao centro, André Ribeiro, e à dta., Paulo Matias.

 

1174-42@MarioCerdeira.jpg

 Os vinhos, os queijos e os azeites que foram parceiros do evento, de onde destaco o magnífico azeite Olmais.

 

A PROIBIÇÃO DE OSTRAS E TRUTA

Crassostrea_gigas_p1040847.jpg

 

Na década de 60, a grande poluição do estuário do Sado e do Tejo e a sobre-exploração das ostras levaram à quase extinção da ostra portuguaise, a Crassostrea angulata. Dada a grande procura de ostras pelos franceses, Portugal optou por introduzir uma outra variedade de ostra, a japonesa (Crassostrea giga), que rapidamente se reproduziu e massificou em toda a Europa.

Está actualmente o nosso governo a elaborar nova legislação sobre espécies exóticas. entre as espécies que estão propostas para exóticas, situam-se duas, a truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) e a ostra-japonesa (Crassostrea gigas), ambas de aquacultura, que há anos são aqui cultivadas e fazem parte da nossa gastronomia. Ambas são consideradas invasoras. Hoje começo aqui no blog uma série de posts sobre este assunto. A primeira palavra é da APA, Associação Portuguesa de Aquacultores, através de um texto o seu Secretário-geral, Fernando Gonçalves.

 

 

 

Texto de Fernando Gonçalves

Como se sabe, Portugal é um dos maiores consumidores per capita de pescado (peixe, bivalves, crustáceos) do mundo e o maior na Europa. Para conseguirmos responder a este elevado consumo e, apesar de ser um país com uma costa muito extensa, somos obrigados a importar cerca de dois terços do pescado para suprir a procura. Actualmente, a nossa balança comercial de pescado tem um défice a rondar os mil milhões de euros.

Desta forma, Portugal tem uma grande apetência para desenvolver a produção em aquacultura, uma vez que o nosso elevado consumo a justifica plenamente e ainda porque temos boas condições para a implementação de unidades de aquacultura (água de grande qualidade, várias zonas estuarinas, rios e albufeiras) e a evolução tecnológica que permite tornar esta actividade sustentável do ponto de vista ambiental, social e económico.

 

A truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) e a ostra-japonesa (Crassostrea gigas) são duas espécies basilares na nossa aquacultura e, em conjunto, contribuem com cerca de 15% do total da produção nacional. Geram perto de 5 milhões de euros em volume de negócio, na sua grande maioria da exportação, e são responsáveis por cerca de meio milhar de postos de trabalho em zonas rurais e costeiras, afastadas dos grandes centros urbanos. Estas espécies, produzidas por toda a Europa, já se encontram no nosso país desde há várias décadas. A truta foi introduzida pelo Estado nas diversas bacias hidrográficas nacionais desde o início do século passado tendo sido, paralelamente, promovida a sua produção em aquacultura a partir da década de 60. Os repovoamentos dos rios promovidos pelo Estado, continuam a incluir esta espécie de truta. No caso da ostra-japonesa, a sua introdução aconteceu na década de 70, após as mortalidades massivas da ostra portuguesa (Crassostrea angulata) nos estuários do Tejo e Sado.

 

Apesar da importância destas duas espécies no panorama aquícola nacional, o governo, através do Ministério do Ambiente, prepara-se para aprovar uma nova legislação acerca das espécies exóticas, em que é criada uma nova lista de espécies invasoras, substituindo o Decreto-Lei nº 565/99. Nesta lista, o Ministério do Ambiente inclui as espécies truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) e ostra japonesa (Crassostrea gigas). Com a publicação desta nova legislação, os produtores de truta e ostra terão de escoar os seus stocks de produção no espaço de dois anos e posteriormente encerrar as suas unidades, pois não existem outras espécies alternativas. Isto tudo quando em toda a Europa a produção aquícola de truta e ostra se baseia nestas duas espécies, estando enquadradas pela própria legislação europeia que não as reconhece como invasoras, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 708/2007 e posteriores actualizações. Esta situação terá implicações em muitos concelhos do nosso país como, por exemplo, Montalegre, Paredes de Coura, Castro D´Aire, Sabugal, Gafanha da Encarnação, Setúbal, Sagres, Lagos, Olhão, Tavira e Castro Marim.

De todos os estudos e publicações feitas em Portugal, não existem evidências que comprovem qualquer impacto negativo destas duas espécies nos ecossistemas ocupados, não interferindo com as espécies indígenas, nem tão pouco tendo um carácter invasor como acontece com outras espécies, por exemplo, o peixe gato siluro (Silurus glanis) ou a ameijoa asiática (Corbicula flumínea).

 

Caso a legislação seja aprovada tal como a conhecemos hoje, em breve deixaremos de poder degustar as nossas ostras, que tão boas aceitações têm acolhido no nosso país (onde o consumo está a aumentar) e, especialmente, em França (maior consumidor mundial). Também deixaremos de poder ter à disposição as trutas dos nossos rios, tão tradicionais e presentes nas ementas de qualquer restaurante do interior Norte e sempre frescas e prontas para uma boa grelhada.

Passaremos a importar estas duas espécies da nossa vizinha Espanha e França…

 

O CRU MORRE PELO JOSPER

chefs_love_the_josper_oven_heres_why_youll_enjoy_i

 

 

Já há muito que vínhamos sendo dominados pelo imperialismo do cru. Ventos do Oriente trouxeram sushis e sashimis do Japão. Por influência dos EUA e do Brasil, onde tudo se come com uma gordurinha, depressa estes crus se conubiaram com queijos, creme e outros, maioneses e se deixaram envolver nas frituras oleosas. Mas ir ao sushi permaneceu um mito urbano do saudável, por associação ao cru. Longe vão os tempos em que era a cozedura que garantia a saúde dos produtos…

Proliferam os restaurantes de sushi de salmão e de outros peixes de viveiro, por vezes servidos em tapetes rolantes com sabor a industrialização. mas nada destrói a fama saudável destes comeres orientalizados.

Os tártaros foram moda, destronados pela acidez dos crus, vindos da América do Sul (Peru). Ceviches e causas (pratos típicos de Lima, a capital, de origem muito antiga, com limão, batata e ají, o picante de diversos tipos de malagueta) inundaram o nosso mercado restaurantivo. A ajudar esteve o nosso gosto pela acidez conservativa do escabeche, herdado dos Mouros. Estes pratos não ficaram encarcerados nos restaurantes típicos da América do Sul, mas infiltraram-se por todo o lado, estrelando produtos mais nossos, como o polvo, por exemplo.

 

José Quitério diz que para haver cozinha o produto tem de passar pelo fogo, sendo fogo o equivalente a qualquer forma de calor. Recusa ele que o limão, ou qualquer outro produto ácido, coza os ingredientes, desta forma enquadrando ceviches e carpaccios fora da culinária.

Hoje, as tendências da cozinha abandonam finalmente os crus e começam a glorificar o fogo, quer em festivais cárnicos quer em novos restaurantes, como os Rib, ou o Fogo, a abrir brevemente por Alexandre Silva e outros.

Com a moda do fogo, chegou o Josper, já muito presente há 6 ou 7 anos em muitos restaurantes do Algarve pela mão de chefs estrangeiros. Mas é muito mais antigo que esta nova vaga em Portugal. Foi criado em 1970 e o seu nome resulta da junção do dos seus criadores: os catalães Josep Armangue e Pere Juli, É esta empresa que hoje não tem mãos a medir para fornecer restaurantes em todo o mundo com estes maquinismos a carvão que controlam o fogo.

 

 

 

berasetegui josper.jpg

Berasategui recebe o seu Josper

 

 

pere josper.jpg

Pere Juli condecorado pelo seu trabalho 

 

 

rustidor-home.jpg

Um grande Josper 

 

josper-grilovaci-trouba-hjx-38.jpg

Um mini Josper 

 

 

 

É um daqueles aparelhos que de vez em quando invadem as cozinhas profissionais, logo seguidos pelos modelos miniatura para casa. Tudo sempre caríssimo, mas vendido juntamente com a ilusão de que o amador dotado de determinado maquinismo pode elevar a sua cozinha à dos chefs.

É um combi de grelhador e forno, sendo a função da grelha a principal. Como tal, é dotado de uma porta que permite manter os ingredientes suculentos, uma vez que conserva todos os vapores. O ar entra através de uma gaveta em baixo e a exaustão faz-se através de uma outra caixa em cima. Por outro lado, temperaturas, que quase chegam aos 350º, podem ser alcançadas e mantidas facilmente. No fundo, O JOSPER foi a solução encontrada para permitir manter os sabores da grelha ao ar livre em restaurantes fechados, sem fumos nem outros inconvenientes. Por outro lado, na parte superior do forno há uma zona de pouco calor, onde os alimentos podem acabar a sua cozedura ou manterem-se quentes.

Entretanto, já se fabricam em Portugal grelhadores tipo Josper de muito boa qualidade.

 

 

O Josper não substitui o forno a lenha, que é em primeiro lugar um forno, adequado para cozeduras muito lentas e muito adequado à cozinha portuguesa. Quem sabe se com esta vaga de fogo, não ha quem recupere os fornos a lenha na cozinha contemporânea.

O CHEF EM CASA

 

IMG_9910.JPG

 

 

Sexta-feira passada tive seis convidados para o jantar em minha casa e não mexi um dedo. O jantar foi muito bom, produtos da maior qualidade, da batata à dourada selvagem, e a cozinha ficou impecavelmente limpa, como se por ali não tivessem passado dois tipos de aperitivos, um amuse-bouche, uma entrada, um prato principal e uma sobremesa. O meu anjo-da-guarda foi o Kiko, um dos chefs da empresa Supperstars, que faz refeições em casa do cliente.

Esta história começa com a minha participação como jurada num concurso levado a cabo pela Supperstars na Feira do Livro de Lisboa. Como gentileza, ofereceu-me esta empresa um jantar em casa para 6 pessoas. Escolhi eu o chef, O Kiko, que fora justamente o vencedor do referido concurso, e a ementa, de entre as várias propostas presentes no site. O chef chegou cerca de 2 horas antes do início da refeição, com algumas coisas adiantadas, mas fez muitas outras aqui, sem necessitar senão de alguns tachos.

Todo o jantar foi servido empratado e todos os pratos trazidos pelo chef, com a respectiva explicação, e por ele levantados. Tudo ficou metido na máquina ou lavado e arrumado. E acima de tudo, tive a possibilidade de proporcionar uma excelente refeição aos meus convidados. E não fiquei com sobras, o que também pode ser uma grande vantagem.

Aqui fica o registo de toda a refeição e os contactos e preços.

 

 

IMG_9911.JPG

Canapés de salmão marinado pelo Kiko sobre finíssimas tostas de pão de Rio Maior. os canapés da primeira foto são blinis com creme fraîche e lima com «caviar» de arenque. todos fresquíssimos.

 

 

IMG_9909.JPG

Amuse bouche: dourada de mar com abacate e um molho «oriental» e malagueta

 

 

IMG_9908.JPG

Entrada: burrata com nozes e salada de várias folhas verdes.

 

 

IMG_9907.JPG

Bochechas de porco com um molho precioso com cogumelos e um puré feito de batatas tão saborosas que apetecia não parar de comer.

 

 

IMG_9906.JPG

Mini pavlovas com chantilly e lima e frutos vermelhos. A lima dava ao chantilly e ao suspiro um equilíbrio de acidez. 

 

 

 

 

Todos os meus convidados ficaram felizes. 

 

O preço desta refeição é de 35 euros por pessoa. nada mais se paga. Por minha conta  ficaram as bebidas, mas também é possível encomendar harmnizações com vinho e cerveja. No site encontra inúmeros chefs, diversos preços de refeição e até cozinha étnica. Veja em

 https://www.thesupperstars.com/pt-pt/

 

 

 

 

 

 

 

 

Pág. 1/2