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Conversas à Mesa

BILHETES POSTAIS: COMER EM SINGAPURA

 

 

A comida de Singapura é influenciada pela China, Malásia e Tailândia, embora tenha características próprias. Emblemático dessas características é o bak kut teh, abaixo descrito. Comida de rua em Singapura é, em geral, segura, mas fica aqui alguns endereços que experimentei. Também aqui pode encontrar restaurantes de topo, dois dos quais estão entre os 10 primeiros dos 50 Best, mas que infelizmente não tive tempo para experimentar (nomeadamente o Odette, número 1 da Ásia, e o burnt Ends, número 10).

É imperativo fazer uma das refeições no CÉ LA VI, no topo do Marina Sands, mesmo ao lado da piscina infinita. O restaurante é muito animado, tem uma vista espectacular e não é demasiado caro (uma refeição com 2 pratos custa 45 dólares de Singapura – 33 euros). Experimente o Bak Kut Teh vegetariano. Já um quarto no hotel Marina Bay Sands custa em Fevereiro cerca de 1500 dólares de Singapura (perto de 1000 euros).

 

1 Bayfront Avenue Marina Bay Sands Tower 3, Singapura 018971

 

 

 

Incomparavelmente mais barata foi a minha refeição bak kut teh, prato típico de Singapura e da Malásia. Uma tigela de caldo super aromático onde boiam umas folhas de couve e se empilham costelinhas de porco tão longamente cozidas que a carne se separa sem qualquer hesitação do osso para se desfazer prazeirosamente na nossa boca. Foi no Maxwell Road Hawker Centre, uma espécie de food court sem o centro comercial. Há vários em Singapura. Aqui comi muito bem e muito barato. De entre muitos, escolhi uma barraquinha de bak kut teh servido por um senhor muito muito velho que não falava uma palavra de inglês. O negócio fez-se comigo a apontar para o prato numa ementa com fotos e nomes em inglês de aparência bastante sebosa. O segredo nestas coisas é não olhar muito para o pormenor. Foi o melhor prato que comi em Singapura e que muito gostaria de voltar a comer. Pode comer-se com uma colher e pauzinhos para segurar as costelinhas enquanto se roem. Recomendo vivamente (8 dólares de Singapura – cerca de 3,9 euros). A única sobremesa que vale a pena (e provei várias) é a fruta vendida numa das bancas muito bem arranjada e a dar prazer à vista.

 

1 Kadayanallur St, Singapura 069184

 

 

 

Muito barata também foi a refeição que fiz num antro situado num beco pela curiosidade de ter tido uma estrela Michelin em 2016. Era propriedade de um pai e um filho, mas o pai faleceu. Comi numa mesa de plástico numa espécie de terraço, tudo completamente sujo comme il faut. À escolha só há três pratos: um de peixe frito e dois de porco, com e sem caldo. A emparelhar dois tipos de sopa à escolha, uma de feijão preto, outra de algas. Optei pela de algas e pelo porco com massa larga. Depois de 15 minutos na bicha (só locais, nem um turista à vista), cheguei ao balcão da minúscula cozinha onde está um rapaz a lavar loiça com uns panos para onde não vale a pena olhar, um outro que recebe o dinheiro e ajuda a empratar e o cozinheiro (o filho). A coisa processa-se da seguinte forma. Depois de apontarmos para a foto do que queremos (o rapaz que recebe o dinheiro não fala uma palavra de inglês), o cozinheiro começa a cozer a massa, processo que demora uns segundos mas que supõe o traslado de várias águas e caldos quentes de umas tigelas para as outras. Em seguida, chegam as carnes (tirinhas finas de carne e de fígado e almôndegas) numas tigelas e são incorporadas no caldo juntamente com a massa. Por fim, umas tirinhas de peixe frito. Vai tudo para um prato fundo previamente aquecido com as águas da cozedura da massa que, juntamente com a tigela da sopa, nos são entregues numa bandeja de plástico com malagueta cortada em molho de soja. A apreciação? Não vale de todo a pena. A carne não sabe bem, o fígado ainda pior. A única coisa boa era a sopa de algas. Não vale de todo a deslocação, nem pela piada do balé culinário. Para rematar, fumei um cigarro no relvado fronteiro e deitei as beatas numa lata de Milo destinada ao efeito. Preço da refeição: 8 dólares de Singapura (5,2 euros). Critérios da Michelin na Ásia...

BLK 466 Crawford Lane #01-12 Singapura 190465

www. Taihwa.com.sg

BILHETES POSTAIS: A SINGAPURA DAS REGRAS

 

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Singapura é o país das regras, mas das regras que são para cumprir, porque há vigilância e as multas não são nada leves. Quando são só multas e não penas de prisão.

As que eu acho mais emblemáticas são estas:

É proibido vender pastilha elástica. Os turistas podem entrar no país com 2 caixinhas de pastilha. Tudo isto porque se verificou que sai caro limpar a pastilha elástica que as pessoas colam por todo o lado e deitam para a rua. Cuidado se estiver a comer pastilha, nunca a deite para o chão. A multa é pesada.

 

É proibido fumar ao ar livre fora dos locais assinalados, que são raros (talvez menos de cinco dezenas em toda a cidade). Consistem em áreas de 2m por 2m, delimitados por umas linhas amarelas. Dentro delas, existe um cinzeiro que é despejado com muita frequência. Não tente fumar fora dessas áreas. 

Há bairros inteiros, nomeadamente Orchard Road, o paraíso das compras, onde não se pode fumar.

É obrigatório puxar o autoclismo nas casas de banho públicas. Adoro esta e acho que devia ser implementada por cá. Quem não o faça, fica habilitado a uma multa mais pesada que a nossa de excesso de velocidade.

Dar de comer aos pombos, grafitar, ou tocar um instrumento musical em público sem licença é proibido. E todas estas coisas não são apenas proibidas, são mesmo punidas.

O MELHOR PUDIM DE OVOS

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Depois da vaga de todos os pudins serem abades de priscos, a restauração e os programas de receitas da televisão resolveram baptizar o pudim flan de pudim de ovos. Uns dizem que é de ovos porque leva ovos, outros afirmam que flan é um pudim que sai de uma caixa, uma coisa instantânea. O Flan tem uma grande tradição nos nossos restaurantes e embora haja muito flan de caixa ainda há quem o faça bem feitinho. Mas o que caracteriza o flan é justamente a presença dos ovos

Ora existe um pudim de ovos em quase todos os nossos livros de cozinha e é muito diferente do flan. O pudim de ovos não leva leite, e o açúcar é sob a forma de calda. A quantidade ovos é também muito superior à do flan, para o mesmo tamanho.

A receita do pudim de ovos encontra-se já em livros do início do século XX. No Olleboma (Culinária Portuguesa) leva 500 g de açúcar em ponto e 24 gemas e a forma não é caramelizada, mas sim untada com manteiga. Parece ser baseado no pudim de ovos do João da Mata, que manda deitar uns pingos de caramelo no fundo da forma que se unta com óleo de amêndoas doces.

Já o Alinanda diz que a forma deve ser forrada com o caramelo. O Isalita apresenta as duas versões, com manteiga e com caramelo. Há receitas em que se refere que o pudim é cozido em banho-maria, como no Isalita (que retoma a receita do Alinanda, aromatizando o açúcar com um pau de canela e uma casca fina de limão), outras não.

O que todos eles têm em comum é serem feitos com uma calda de açúcar (500 g é a quantidade habitual para todos os pudins) a que se acrescentam muitas gemas, por vezes misturadas com duas claras. Há quem aromatize o pudim com conhaque ou com vinho do porto.

Pela minha experiência, o pudim deve cozer sempre em banho-maria, sobre um pano dobrado imerso na água. A canela e o limão parecem-me dispensáveis, já 0,5 dl de vinho do porto é uma boa aquisição.

No meu caso optei por forrar a forma, com caramelo, mas também pode ser apenas untada com manteiga, fica ao critério de cada um.

 

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Seria bom que os restauradores, pasteleiros, cozinheiros e pessoal de sala compreendessem que os nomes que colocam nas ementas correspondem a receitas codificadas. Por que não chamar bife com batatas fritas a umas fatias de carne assada com batatas fritas, por exemplo? Deixem tranquilo o nosso flan, uma instituição tão antiga.

 

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Aqui fica a receita:

Caramelo

1 chávena de açúcar

1 dl de água

 

Coloque o açúcar e a água num tacho e mexa. Em seguida, não é necessário mexer mais, para o açúcar não ficar tipo areia. Leve a lume médio alto, até ficar castanho dourado. Não deixe escurecer demasiado, para não ficar amargo. Quando estiver na cor desejada, despeje-o na forma de pudim, segurando-a com uma luva, uma vez que o metal vai aquecer muito. Vá rodando a forma até estar toda caramelizada. Se necessário, use uma colher para barrar os cantinhos onde o caramelo não chegou. Reserve.

Para o pudim

450 g/500 g de açúcar ( eu usei os 450 g)

2,5 dl de água

1 colher de sobremesa de manteiga

12 gemas

1 clara

 

1) Pré-aqueça o forno a 170º.

2) Deite água quente num tabuleiro e coloque um pano da loiça dobrado em quatro no centro, de modo a ficar imerso na água.

3) Num tacho, deite o açúcar e a água e leve ao lume até ficar em ponto de pérola. A melhor forma para o avaliar é usar um termómetro de açúcar (temperatura 108º).

4) Retire do lume, deixe arrefecer ligeiramente e junte a manteiga. Mexa até derreter.

5) Numa tigela, misture as gemas e a clara, batendo o menos possível.

6)Deixe arrefecer ligeiramente a calda e deite-a em fio na tigela das gemas, mexendo sempre, para as gemas não talharem.

7) Vaze na forma untada e leve ao forno, colocando a forma sobre o pano da loiça dobrado. Deixe cozer durante cerca de 50 minutos. A partir dos 40 minutos, verifique a cozedura com um dedo, para avaliar a textura do pudim. Não o deixe cozer demasiado. Assim que o dedo encontrar alguma resistência e que, ao abanar a forma, o pudim não abane por estar ainda líquido, está pronto.

8) Retire do forno e deixe arrefecer antes de desenformar para um prato fundo.

 

 

 

 

MAUS FÍGADOS

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Gosto muito de tudo quanto é vísceras, desde rins e fígado, a miolos e coração. De todas elas, talvez a minha favorita seja o fígado. A proibição da venda do baço, que se raspa para engrossar o molho das iscas e para o deixar com uma textura única, foi um rude golpe para as iscas e para mim. Hoje, que voltou a ser permitida a sua venda, não se encontra em lado nenhum. Os talhos queixam-se de que os matadouros não os disponibilizam.

Hoje em dia, cada vez é mais raro encontrar vísceras nos restaurantes. Dos miolos nem se pode falar, o rim está desaparecido e apenas se vão encontrando as iscas de fígado.

Recentemente, comi duas vezes iscas muito más. A primeira vez foi no Faial, no restaurante Medalhas, e as iscas tinham um horrível travo doce. O molho tinha levado ketchup, que impossibilitou a segunda dentada. Questionada a cozinheira sobre a razão do uso deste condimento, esta explicou que, como os açorianos imigrados nos EUA pediam sempre ketchup para por nas iscas, ela terá resolvido incluí-lo à partida no molho.

A última vez foi já esta semana e num local onde eu tinha grandes expectativas acerca das iscas, porque me tinham dito que usavam baço no molho: a Taberna da Rua das Flores. No quadro negro da ementa estava escrito «Iscas Mirandesas com elas». Perguntei se o adjectivo aposto às iscas significava que o fígado era de carne de vacas mirandesas e se o molho levava baço, o que foi confirmado pelo pessoal da sala. Fiquei a salivar.

Grande desilusão: as iscas devem ter cozido na marinada, porque estavam demasiado esponjosas e moles e com um sabor muito amargo a qualquer bebida alcoólica não evaporada que deixava um mau gosto na boca. Os benefícios da fritura não se faziam sentir nas iscas, que pareciam apenas cozidas e estavam extremamente salgadas. A batata era de fraca qualidade e trazia casca, bastante amarga. O molho estava bastante líquido, não satisfazendo a saudade que eu tinha do baço. O pessoal da sala, muito simpaticamente, ofereceu-se para trazer outras iscas, mas desde logo afirmando que só a quantidade de sal podia ser mudada. No fim, não comemos as iscas, mas o pessoal de sala não os cobrou.

Continuo à procura de umas boas iscas com molho de baço.

 

 

 

 

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