CONGRESSO DOS COZINHEIROS DIA 1
Organizado pelas Edições do Gosto, cujo rosto visível é Paulo Amado, o Congresso dos Cozinheiros e um acontecimento importante no mundo da restauração e até da gastronomia. Não apenas pelas presenças dos produtores que alugam espaços para apresentar os seus produtos, ou pelas apresentações dos chefs ou pelos painéis de especialistas, mas sobretudo por permitir o convívio informal entre os vários players do negócio da comida. Aliás, é costume encontrar mais gente fora do anfiteatro do que lá dentro.
O primeiro dia de congresso teve apresentações interessantes. Gostei especialmente de 3, todas elas orientadas para explorar a matriz de gosto de determinada região através do uso e transformações dos produtos locais: a de Cláudio Pontes (À Terra, Azor hotel, S. Miguel), a de Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão, Santarém) e a dos gémeos russos Ivan e Sergei Berezutskiy (Twins Garden, Moscovo).
Cláudio Pontes apresentou três belíssimos vídeos de Mário Cerdeira sobre a sua relação com os produtos locais, alguns deles desconhecidos no Continente, e a sua cooperação continuada com os produtores, ambos pilares da sua cozinha. É a garantia de cooperação do chef e do restaurante com alguns produtores que permite que estes cresçam e vinguem. Carnes de uma muito antiga raça bovina de trabalho, a Ramo Grande, são maturadas até adquirirem texturas mais macias e sabores surpreendentes. Um bom exemplo é o sete da pá, que fez parte da demonstração de cozinha, proveniente de uma vaca com sete anos e com sete meses de maturação. O período máximo de maturação a que Cláudio Pontes sujeitou a carne foi setecentos e poucos dias (mais de dois anos). Em conjunto com uma empresa de solidariedade social de Ponta Delgada, a Biokairós, o chef açoriano tem sempre os legumes biológicos de que necessita. Outra vertente da sua investigação são os peixes não comerciais existentes no Atlântico açoriano, onde nadam mais de 600 espécies. Conheço bem e há muitos anos o trabalho do Cláudio, por quem tenho muita admiração.
Na apresentação de Cláudio Pontes e João Fevereiro, vemos logo na frente o peixe-lagarto, «feio e bom» sgundo as palavras do primeiro. do lado direito, grelha-se o sete da pá.
Os ossos roídos do sete da pá são bem esclarecedores do seu nome.
Algumas das carnes salgadas e secas de Rodrigo Castelo, que vamos poder comer e comprar na Taberna Ó Balcão
O lúcio com tratamento bacalhoeiro
Outro cozinheiro que admiro, o Rodrigo Castelo, apresentou o trabalho que está a fazer com produtos da sua região. Curioso, o tratamento que dá ao lúcio, uma espécie de água doce que invadiu os rios portugueses, o lúcio-do-norte, Esox lucius, um predador com 700 dentes que foi introduzido no sistema fluvial português na década de 1970 e que chega a atingir grandes dimensões (150 cm e 30 kg), crescendo rapidamente. Rodrigo escala-o, seca-o e salga-o como se de um bacalhau se tratasse. A sua escolha recaiu no lúcio por ser um peixe com pouquíssimo sabor: depois de assado no carvão, o nosso cérebro quase o identifica com o bacalhau. Além do peixe de rio, o chef e restaurador escalabitano também resolveu trabalhar carne de porco e de vaca, salgando e curando ao ar. Pegou em cortes menos valorizados, como o saborosíssimo cachaço, e transformou-os dentro da nossa matriz de conservação (sal, secagem e fumo). Acho meritório que se trabalhe com as nossas tradições de conservação, em vez de ir buscar sabores e métodos exógenos, como a fermentação, a que podemos achar graça experimentar, mas que pertencem a matrizes de outros povos. Como por exemplo aos russos. Foi a história contada pelos gémeos Ivan e Sergei Berezutskiy (Twins Garden, Moscovo). Eles usam a fermentação para produzir bebidas (vinho e cerveja) a partir de legumes e certas frutas, com baixos teores alcoólicos (por exemplo, tomate, ruibarbo e beterraba) e usam-nas em vez do vinho (embora tenham uma garrafeira de fazer inveja), para harmonizações com o seu menu de degustação à base de vegetais. Têm uma quinta nos arredores de Moscovo, onde cultivam esses vegetais e onde criam animais, que por sua vez alimentam com as sobras do restaurante. A ideia parece interessante, os pratos que apresentaram atraentes, mas não provei nada. A imagem não podia ser mais politicamente correta, além do conceito do zero desperdício, doam os lucros da sua mesa do chef para um fundo que defende crianças com deficiências, cria abrigos para animais e ajuda a restaurar igrejas ortodoxas. Conseguem arranjar alguma coisa que falte neste quadro?
O conceito destes irmãos é preparar e manipular os produtos antes que estes cheguem à cozinha, como é o caso dos cogumelos hidratados com caldo de caranguejo em vez de água, plenos de umami, ou zelar pela sa qualidade extrema, cuidando deles e colhendo-os na melhor altura na sua datcha.
Os gémeos russos são iguaizinhos
Os pratos do Twins Garden apresentados com as respectivas harmonizações de bebidas fermentadas. Aqui um de tomate com uns cogumelos que em vez de absorverem água para crescerem, absorvem um caldo de caranguejo e ganham o seu sabor.
Um prato do menu de degustação de vegetais todo ele à base da abóbora, incluindo o 'vinho' de abóbora.
O último é um tomate verde em cujo recheio é usado também tomate maduro. Tomates fermentados com chocolate branco e pistácio, sorvete de pistácio.
Assisti ainda a uma conferencia do professor Carlos Ribeiro, neurocientista da Fundação Champalimaud, mas o tom da comunicação foi quase uma explicação para crianças e a informação fornecida teve o seu interesse, mas podia ter sido mais completa. Alguém diga ao Neurocientista que os cozinheiros têm um cérebro.
infelizmente, nao pude assistir á demonstração do João Rodrigues.
Paulo Amado, venham mais Congressos dos Cozinheiros tão interessantes como este. Parabéns.
Gostei imenso das fardas da Prochef, sobretudo desta jaleca de um algodão respirável de grande qualidade e com um corte bem feminino. Na mão da Orquídea Silva.
E também gostei da demonstração do Luís Barradas com salmão selvagem Alaska, que nada tem a ver com o salmão de cultivo que chega até nós. esta espécie de salmão-vermelho ou sokai.