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Conversas à Mesa

PRESENTES DE NATAL

 

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Há já alguns anos que resolvi oferecer aos amigos prendas de Natal que sejam degradáveis. A minha opção é oferecer algo feito por mim ou que pertença ao reino da cozinha. Desta forma terá sempre utilidade.

Sei como é terrível receber aquelas prendas que já deram a volta ao mundo e que não trazem recibo de troca, porque já correram várias famílias, a sua longevidade denunciada pelas embalagens que as lojas tiveram em anos anteriores. Os chás que já perderam o aroma de tanta casa em que estiveram, o pot pourri que já não cheira a nada ou, pior ainda, os bibelôs que já conheceram vários proprietários provisórios e que ninguém quis adoptar. Estes são os mais difíceis. Acabamos por escondê-los no fundo do armário, para os colocar à vista na sala quando somos visitados pelos seus doadores, com etiquetas com os nomes, caso contrário a confusão fica instalada.

Este ano, vou evitar tudo o que tenha plástico e reduzir as embalagens ao mínimo, porque o plástico não desaparece e o papel pode ser reciclado, mas há sempre muitos custos para o ambiente, nomeadamente em preciosa água.

Ainda não consegui acabar totalmente com o consumismo e passar a oferecer só amor, mas uma prenda feita por nós torna-se o dois em um: tem uma grande dose de amor na sua confecção e realidade palpável. Se for feita a cozinha, realidade papável. Por isso adoro fazer as broas sem as quais o Natal não é Natal para mim. Com mais uma vantagem, o poder fazê-las com a ajuda da minha neta Diana que tem três anos e adora estar na cozinha comigo. Este gosto saltou a geração da minha filha, que nunca consegui conquistar para a cozinha, mas veio mesmo a tempo. As broas, assim como as bolachas, são uma óptima escolha porque aguentam vários dias. Duas ou três semanas antes do natal, faço seis ou sete receitas delas, guardo em recipientes pequenos e congelo a massa. Quando falta uma semana para a Consoada, todos os dias faço um ou dois tabuleiros delas para oferecer, bem aconchegadas em frascos de vidro ou em latinhas vistosas. Já tenho os meus habitués que todos os anos esperam por elas. Quem me ensinou a fazê-las foi a avó Nela, mãe de um grande amigo. Infelizmente, já faleceu, mas eu passei a fazer as broas para casa dele.

Por que não criar uma tradição só sua, caro leitor? Algo que goste de fazer todos os anos, de preferência com alguém da família ou com amigos, e que possa partilhar no Natal, em vez de andar esbodegado pelos shoppings à procura de coisas para as pessoas colocarem no fundo dos armários? Pense nisso. Aqui fica a minha sugestão do costume, a receita das Broas. Consome algum tempo, mas é um tempo mágico.

 

Broas de espécie

Para 1 dose (dá para um tabuleiro delas)

 

 

Cerca de 1,2  kg de batata doce (de polpa amarela), a fim de obter 750 g de batata-doce cozida e descascada

500 g de açúcar

80 g de coco ralado

80 de amêndoa pelada e ralada

Raspa fina de 3 tangerinas ou 3 clementinas pequenas (só a parte laranja)

3 gemas

2 gemas para pincelar

grangeias pequeninas

folhas de obreia ou hóstia das finas (eu compro online na Casa Januário e chegam sempre bem:

-https://www.casajanuario.pt/pt-pt/confeitaria/papel-de-obreia-emb.-c-5-und)

 

1) Cozer as batatas doces com a casca e descascá-las ainda quentes. Passá-las no passe-vite (ou com a terminação do puré de batata que algumas varinhas mágicas trazem) e pesá-las (750 g).

2) Entretanto, levar o açúcar ao lume com 1,5 dl de água e deixar ferver até ficar em ponto de espadana. O melhor é medir com um termómetro de açúcar: a temperatura deve atingir os 117ºC.

3) Deitar gradualmente a calda sobre o puré de batata-doce e mexer sempre, para ir incorporando.

4) Misturar muito bem o coco ralado e a amêndoa ralada. Em seguida, deitar num tacho, de preferência de fundo espesso, e levar a lume brando. Juntar as gemas e a raspa de tangerina. Deixar em lume brando, mexendo sempre, para cozer as gemas (até começar a fazer estrada).

5) Deixar arrefecer de um dia para o outro. Em seguida, pode congelar e massa e descongelar à medida das necessidades

6) Aquecer o forno a 180ºC. Moldar as broas com duas colheres de chá (como se fossem pastéis de bacalhau) e dispô-las sobre as folhas de hóstia.

7) Levar ao forno durante cerca de 20 minutos, ou em função do forno. Se necessário, rode os tabuleiros para dourarem por igual. Eu gosto delas mais para o acastanhado. Retirar do forno, deixar arrefecer e cortar as broas com uma tesoura.

8) Oferecer em frascos de vidro ou em latas, com laçarotes.

 

 

O BASCO ENEKO EM LISBOA

Os sons fascinam-me. O arranhar dos rr, os kk que mais parecem muros ou paredes, as combinações de consoantes que nos são estranhas. A língua dos bascos é bem mais estranha para nós do que a sua comida. Grandes pescadores de bacalhau como nós, parecem ter chegado até à América onde mantinham secretos os seus bancos. Pescadores de baleias como nós fomos nos Açores. Até têm um vinho levemente gasoso, muito ácido e pouco alcoólico como o nosso verde, o txakoli. Um basco, Eneko Atxa, tem vindo a abrir uma rede de restaurantes inspirados no seu 3 estrelas Michelin, o Azurmendi: Londres, Larrabetzu, Tóquio e Bilbau e o Eneko Lisboa. E abriu num local icónico para os portugueses: no antigo Alcântara-Café, um maravilhoso espaço industrial que mantém a decoração clássica. Pegado com o restaurante, uma tabernas basca, o Basque, que ainda não frequentei. Os menus de degustação têm aqueles nomes bascos que nos lembram mar aberto e aventura: Erroak (Raízes) e Adarrak (Ramificações). Eu experimentei o primeiro, um conjunto de pratos emblemáticos do chef Eneko, a montra dos produtos amados pelos bascos. Quando Eneko afirma que os seus restaurantes servem comida basca com influências locais, aqui não se chegam a notar porque os nossos produtos e até as nossas confecções acabam por ser muito semelhantes, e o menu de degustação Raízes podia ser quase todo nosso. Quando entrei à hora certa que havia marcado, esperava-me a cesta do piquenique na sala de entrada, acompanhada de um copo de txacoli, o vinho branco seco gasoso e pouco alcoólico, típico do País Basco. É uma emoção voltar a entrar na sala do antigo Alcântara-café, que manteve o seu brilho. Na cozinha de finalização à vista, onde tudo se passa sem qualquer barulho, meia dúzia de cozinheiros, todos eles de cabelo cortado e em geral glabros, são comandados pelo chef residente, o brasileiro Lucas Bernardes. Por ele passa tudo quanto vai para a mesa, vindo da cozinha interior ou da cozinha de finalização. A sua atenção aos pratos e à sala é permanente e muito focada; a sua simpatia, imensa. O serviço de sala é formal e discreto, mas cortês e eficiente. A refeição decorreu sempre a bom ritmo, os produtos são todos exemplares. Gostei especialmente de um prato, as castañetas, que não fazia parte da minha ementa mas que, a meu pedido, foi simpaticamente trocado pelo pombo. A salientar: O txakoli marinho da entrada, uma infusão deste vinho com ervas e algas marinhas vale a refeição. Parece que encontraram uma bebida que cura tudo, sobretudo as aflições da alma e que ainda por cima tem um sabor incrível, diferente de tudo o que já provei. Depois o prato denominado Camarões da costa, gel vegetal e granizado de tomate velho (um tomate maturado). Ainda o prato vinha a um metro de mim, já eu sentia o aroma do camarão e do mar. Para mais, o aspecto é lindíssimo. Finalmente, as castañetas (ou castañuelas), de sabor intenso e textura completamente diferente daquilo que conheço. São as glândulas salivares do porco, neste caso ibérico, muito populares na Andaluzia e já servidos por Adrià no El Bulli. Fiquei fã da textura gelatinosa.

O que notei na maioria dos pratos foi a intensificação extrema dos sabores. Esta resulta do lento apurar dos sucos dos ingredientes através do luxo do uso de tempos prolongados. 

Não fiz a harmonização com os vinhos. Comecei a refeição com um copo de txacoli e continuei com um Barão de B, reserva de 2017, Herdade da Calada, com uma textura semelhante à do Chardonnay mas mais leve (Antão Vaz).

Uma visita que vale a pena fazer pela comida, pelo espaço, pelo serviço.

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IMG_7735.jpgO piquenique

 

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PRALINÉ DE COGUMELOS / ERVA-PRÍNCIPE / TXAKOLI MARINHO

 

 

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TÁRTARO vegetal, óleo de caviar e emulsão de plantas e flores

 

 

 

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CAMARÕES da costa, gel vegetal e granizado de tomate “velho”

 

 

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LAVAGANTE assado e descascado, molho, manteiga de café e cebola roxa de Zalla

 

 

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SALMONETE em dois serviços: braseado e assado, molho de pimentos vermelhos no carvão e ervas

 

 

IMG_7769.jpgCARRÉ de Cordeiro com shimeji e couve-flor em duas formas, caviar e pil pil

 

 

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CASTAÑETA de porco ibérico e caldo de legumes montado

 

 

 

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ABACATE e manga

 

 

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AZEITONA PRETA, leite de ovelha e cacau

 

 

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PETIT FOURS

 

 

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O chef Lucas Bernard, super profissional e simpático

 

ENEKO LISBOA

R. Maria Luísa Holstein 15

1300-388 Lisboa

Fecha ao Domingo e à Segunda e só abre para jantares

Tel:  21 583 3275

enekoatxalisboa.com