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Conversas à Mesa

O FOGO POR ALEXANDRE SILVA

 

 

É FOGO mas não nos consome num lago de chamas nem arde no Inferno. Pelo contrário, este fogo controlado pelo Alexandre Silva (do Loco) e pela sua equipa faz-nos subir ao céu do forno a lenha, onde se tisnam cabritinhos e se douram arrozes, ou dos fogos abertos, onde ardem potes de ferro, revelam-se santolas e se cumprem outras alquimias. O conceito do forno a lenha ter honras de sala é muito comum nos restaurantes espanhóis, mas não por cá, onde os que já raramente existem são relegados para fora da vista. Alexandre Silva deu-lhe protagonismo, juntou-lhe o fogo mais selvagem, o aberto, e tornou-os a base da cozinha do seu novo restaurante nas Avenidas Novas.

Como pode ver no vídeo que dá início ao post e em que entrevisto o chef no seu novo restaurante, a grande dificuldade deste tipo de energia é o controlo da temperatura. É precisa muita experiência para perceber o fogo e os seus efeitos sobre os alientos, porque há sempre muitos factores que mudam no dia-a-dia.

Mas vamos por partes. Quando espreitei as fotos deste novo restaurante na net, pareceu-me tudo muito escuro e negro, mas quando lá entrei o preto torna-se mais uma cor e  o espaço é luminoso e confortável. Penduradas do tecto, caem umas compridas brasas feitas em mármore escavado por dentro para efeitos de colocação da luz. No centro da sala, uma garrafeira luminosa rodeada de grelhas em ferro, numa versão gigante das que se colocam sobre as brasas. Achei especialmente bonitos os tampos de madeira das mesas, que podiam ser ligeiramente maiores, uma vez que se recorre muito às travessas, e não aos empratados.

Quando reservar mesa, peça para ficar junto à cozinha totalmente visível, no fundo do restaurante, a fazer vez de lareira aberta. Assim pode estar perto da magia das chamas e observar o trabalhar dos cozinheiros, sobretudo do Salar, o grande domador do fogo. Por incrível que pareça, não se sente nem um fiozinho de fumo. O investimento na exaustão foi enorme, constituindo uma das maiores fatias do orçamento.

O meu conselho é que chegue antes da hora da reserva para tomar um cocktail no bar. Experimentei dois, mas o que me impressionou foi o das cinzas, cujo fumo se sente no nariz mas não na boca.

Gostei imenso da experiência da cozinha no fogo, uma moda que se irá espalhar entre nós (Veja-se o êxito dos Chefs on Fire no Estoril) e que faz todo o sentido na cozinha portuguesa tradicional ou inspirada na tradição. O fogo irá ser certamente para a criatividade de Alexandre Silva uma fonte de inspiração para ir renovando os pratos inspirados nas nossas tradições.

Serviço simpático, com a equipa a precisar de se entrosar melhor.

 

Em termos de cozinha, alguns acertos menores a fazer, mas um bom conceito bem executado e com preços que permitem ir e voltar com grande prazer. Aqui fica o rol dos pratos que provei em fotografias e respectivas legendas. O Fogo é uma experiência a não perder.

 

Obrigada ao Mário Cerdeira pelo vídeo e pelas fotos.

 

 

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O Cocktail das Cinzas

 

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Couvert

 

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Sarrajão na brasa com escabeche fresco, com uma acidez um pouco brava

 

 

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Berbigão no forno à Bulhão Pato. Finalmente vem sendo reconhecido o valor deste bivalve. Servido sem quaisquer areias, o bulhão pato correcto sem adições exógenas, apenas o suco do berbigão e o limão, aberto sobre brasas de madeira em tacho de ferro.

 

 

 

 

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A santola foi a maior surpresa que tive. Cozinhada no seu próprio vapor dentro de uma caixa metálica fechada sobre o lume. O leve travo fumado dá-lhe um encanto muito especial.

 

 

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O lume aberto dos potes de ferro.

 

 

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A equipa em pleno trabalho. como digo no texto, é preciso uma atenção constante porque o controlo de temperatura não é fácil (ver o que diz Alexandre Silva no vídeo de abertura acerca deste assunto.

 

 

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O cabrito no forno a lenha. Boa a qualidade da carne, em ponto ideal. O arroz de forno estava super saboroso, de nos lambermos. Um senão, os miúdos são de aves, o que causa grande estranheza quando o começamos a comer e sentimos o aroma avícola. Com o cabrito o arroz deve ter só miúdos do cabrito. 

 

 

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Leite-creme de alecrim com gelado de laranja. O alecrim entra bem no leite-creme, bem confeccionado e já se tornou um clássico. O gelado de laranja colocado sobre a capa quente derrete e, embora pouco apelativo de aspecto, faz uma espécie de infusão cítrica ao creme. 

 

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A equipa que doma o fogo: Salam, Joana, Ron, o chef Manuel Liebaut, Marin e Alexandre Silva.

 

FOGO

Av. Elias Garcia 57

1000-114 Lisboa

Tel: 21 797 0052

http://www.fogorestaurante.pt

Fecha ao domingo ao jantar e à segunda-feira

 

FIFTY SECONDS

 

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Nunca tinha ido à Torre de Vasco da Gama, nem sequer ficado cá em baixo a olhar para ela. Falta minha, porque a torre em si é uma obra de arte. Quando resolvi ir com um grupo de amigos ao Fity Seconds fiquei duplamente feliz pelo almoço e pela visita à torre.

Adoro o nome deste restaurante que Martín Berasategui abriu em Portugal, a juntar ao seu portefólio de mais de uma dúzia: 50 segundos é o tempo que o elevador leva a chegar a um mundo deslumbrante em que o panorama, a decoração e a hospitalidade nos cativam de imediato. Trata-se do restaurante de Martin Berasategui, um ano e meio de idade e uma estrela Michelin entre as 12 que os restaurantes do chef basco já possuem, entre eles o navio almirante, em Lasarte, perto de San Sebastian, com 3 estrelas.

As mesas estão dispostas em redor do semicírculo virado para o rio, proporcionando uma vista que nos alegra, esteja sol ou chuva.

Até as cozinhas, todas envidraçadas, têm indubitavelmente a melhor vista de Lisboa, viradas para a cidade e para o Trancão.

Na decoração sobressai a cor de latão, nos lustres, nas lindíssimas garrafeiras ou nas mesinhas de apoio. Ou na casa de banho, onde os vidros de alto a baixo permitem ver a ponte e o rio (eu sei que toda a gente lava as mãos antes de se sentar à mesa, mas recomendo vivamente essa lavagem).

O meu grupo de amigos optou pelo mesmo menu para todos, com um preço de 140 euros sem bebidas. Beberam-se 3 garrafas de vinho e no fim a conta ficou em 190 euros por cabeça.

A cozinha do restaurante está a cargo do chef Filipe Carvalho, cuja formação se fez com vários chefs de renome, nomeadamente Bóia, Vincent Farges e Koschina, e no Lasarte, em Barcelona, onde trabalhou três anos com o chef Berasategui.

Os pratos estão todos comentados nas respectivas legendas. Pessoalmente, gostaria de ver menos cremes e riscos nos pratos, trocando-os pelos mesmos legumes noutros estados mais visuais e com mais texturas.

A refeição foi extremamente agradável, também pelo excelente serviço, de um 3 estrelas, comandado pelo director de sala, Inácio Loureiro. Um trabalho incrível que passa por pormenores que fazem toda a diferença (o manuseamento dos talheres com luvas brancas, por exemplo, como antigamente era costume usar ao longo de todo o serviço de mesa). Todos os pratos são lindíssimos, únicos. Os copos são de uma finura e leveza que até emocionam (da marca alemã Zwiesel).

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Pão de massa mãe, focaccia e brioche com manteigas de diversos sabores e flor de sal

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Aperitivos: no sentido dos ponteiros do relógio:  gamba do algarve com ponzu, folha de piza com burrata parmesão e manjericão, creme de abacate, santola, tomate confitado e crotões de pão, crocante de topinambur tartaro de vieira pera e pimenta da jamaica. Óptimos aperitivos, com uma enorme diversidade de sabores. Eu sei, a mim também me faz confusão uma legenda tão grande e tantos sabores num centimetro quadrado de comida, quase parece a densidade populacional de Tóquio, mas é isso que me atrai neles.

 

 

 

 

 

 

 

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Brandade de bacalhau com maionesa de manzanilla e yuzu, um dos clássicos de Berasategui. sabor concentrado e textura cremosa.

 

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Mil-folhas caramelizado de foie gras, maça verde e enguia fumada. Mais um clássico, mais uma textura incrível. Uma ementa do chef basco sem este mil-folhas é como ir a um concerto dos Rolling Stones e eles não cantarem o Satisfaction. 

 

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A refeição acompanhou até aqui com este espumante da Bairrada, com um leve sabor a maçã verde e muita frescura.

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E agora o célebre tété a baixa temperatura que nos atormenta desde há uns anos para cá, muitas vezes misturado com trufa (Gema de ovo em carbonara de ervas , lâminas de beterraba e carpaccio de papada. Lâminas de trufa. Apesar de não ser grande fã deste tipo de pratos, gostei deste. A função da gema é dar cremosidade e ligar o que está no prato, pelo que é aconselhável desfazê-la e misturar com os restantes elementos.

 

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Vieira corada, creme de couve flor e cebolinho, espuma de manteiga noisette e vinagre de xerez, caviar Oscietra (a classificação dos caviares fica para outro post, mas adianto que este tem origem na China; se fosse russo do Mar Cáspio custaria 25 000 o quilo). um dos pratos de que mais gostei pela combinação do sabor da manteiga com a couve-flor e do caviar com a vieira. Este vai fazer companhia àqueles que ficam na minha memória.

 

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Este branco de terras de xisto do Douro acoampanhou os pratos de peixe.

 

 

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Pescada grelhada, cebola trufada com amêijoas, polenta de salsa e jus de aves acidulado. O peixe extraordinário. Pena que a pescada já quase não exista nas nossas águas frias. 

 

 

 

 

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Lombo de novilho assado na brasa, acelgas e bombom de queijo. Talvez o prato que menos me impressionou, a carne um pouco sozinha, a necessitar de outros reforços texturais.

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Este ET (de Encruzado - de uva branca - mais Touriga Nacional) é de uma região que está em alta, o Dão. Fiquei apaixonada por ele.

 

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Romã, framboesa e amêndoa. a pré-sobremesa fresquíssima a limpar a boca com uma combinação de sabores e texturas simples, mas magníficos. Muito bom.

 

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Outro prato icónico de Bersategui baseado na popular torrija, semelhante à nossa rabanada, mas mais parecida com a french toast (na minha opinião, a nossa rabanada é superior à torrija espanhola). A base é o pão de brioche passado em leite, açúcar e ovos, sendo caramelizada numa frigideira em manteiga e açúcar. A torrija do chef basco, a mistura do leite leva natas e é finalizada com uma cobertura de creme de pasteleiro e amêndoa e caramelizada com o ferro de queimar. No caso vertente, apresenta-se coberta com uma dispensável folha de ouro e acompanha-a um gelado de café, uma excelente combinação. A rematar uma bolacha a saber a cappuccino. 

 

 

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Sempre admirei o cuidado que os pasteleiros colocam nesta última fase da refeição, produzindo verdadeiras obras de arte, a que não conseguimos resistir mesmo depois de uma ementa com inúmeros pratos. o seu tamanho e a sua perfeição encantam-me. gostei do pormenor da simples ed maravilhosa framboesa a que foi dado o estatuto de mignardise.

 

 

 

 

 

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