Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Conversas à Mesa

UM ALMOÇO DE REIS

IMG_3059.jpg

 

 

Uma das criaturas marinhas que mais amo, é a ostra. Aliás, só consegue comer ostras quem as adore, porque são criaturas que se comem vivas (muito cuidado para não comer nenhuma morta), como aliás todos os bivalves. Os portugueses sempre gostaram delas, e antigamente era coisa popular, vendida nas esquinas, depois de aberta em fogareiros.

Eu gosto delaS sem nada, nem sequer limão, para poder usufruir do incrível sabor a mar. É bicho que só se pode comprar em local de confiança e com a certeza de que esteve na depuradora. É óptimo comê-las num sítio onde as abrem para nós, mas também é encantador abri-las e comê-las em casa.

 

IMG_3051.jpg

IMG_3052.jpg

 

Recentemente, encomendei um pack a uma empresa em que tenho muita confiança, a Aquanostra (https://www.aquanostra.pt/en/), que traz a casa ostras e outros bivalves. Por 17 euros, consegue ter em casa um pack fantástico com uma dúzia de ostras gigas do Sado (pode escolher uma versão de ostras mais ou menos carnudas), uma boa faca para as abrir e até o limão para as temperar. Vem tudo muito bem acondicionado e bonito, com packs de gelo para manter a temperatura e numa caixa de esferovite. Eu encomendei também um quilo de amêijoa boa, a nossa melhor, e era de uma qualidade e tamanho que raramente se encontram.

Depois, é estabelecer a logística. Ponha duas pessoas na cozinha a abrir as ostras (depois de lhe apanhar o jeito as gigas abrem-se bem, as ostras planas são mais complicadas) com boas facas. Não opte pelas mais baratas, escolha o melhor. A faca que vem no pack é excelente. Cuidados a ter quando se abrem: primeiro, não deixar perder nenhum líquido, colocando as ostras abertas imediatamente em equilíbrio sobre gelo, de preferência picado; depois, ter o cuidado de retirar qualquer esquírola de casca que tenha ficado sobre a ostra. Pão escuro e manteiga com sal são um acompanhamento perfeito.

 

 

IMG_3056.jpg

IMG_3058.jpg

 

IMG_3060.jpg

IMG_3055.jpgIMG_3061.jpg

IMG_3062.jpg

IMG_3064.jpg

 

Uns gomos de limão para quem quiser. Para beber, um champanhe, um espumante ou um verde, como o Soalheiro.

As amêijoas fi-las à Bulhão Pato. Um bom azeite, de preferência do sul, mais doce, dentes de alho, tudo bem aquecido. Deitar as ameijoas (rejeitando alguma aberta), lume alto e tapar. Dois minutos depois está tudo aberto. Retirar do calor, deitar umas pingas de limão. Há quem deite no fim uma colherada de manteiga, para espessar o molho. Experimente, logo vê se gosta. Muito pão para molhar, directamente da caçoila.

 

Foi uma refeição de reis.

A POSTA MIRANDESA

4175adda-c7f0-4b18-8c4c-a2323dc5e7cf.JPG

 

Aparece assim muitas vezes designado nas ementas este prato típico da região de Miranda, em Trás-os-Montes, embora ultimamente também surja como Posta à Mirandesa. A introdução do à, que significa à moda de, parece querer descartar a obrigatoriedade de o confeccionar com vitela de raça mirandesa. Será que é legítimo elaborar este prato com outras raças bovinas? Mas também será legítimo usar outros cortes que não o habitual pojadouro, no norte designado por chã de dentro. Hoje em dia, é habitual encontrá-la do lombo, para compensar a ternura que se perdeu por serem usadas vitelas mais velhas ou até vacas. Depois há ainda a questão do modo como é grelhada e do molho e respectivos acompanhamentos.

Recorramos um pouco à história da Posta Mirandesa.

António Desidério, restaurador e proprietário do Solar Bragançano, recorda-se de comer a posta nas feiras onde acorriam carroças de feirantes com as vitelas penduradas para exposição e corte. A carne era cortada para levar para casa ou para ser grelhada nas brasas, feita ao lado da carroça e só com sal grosso como tempero. Pedia-se pelo peso e comia-se em cima de uma fatia de pão, cortada como o Palaçoulo, a freguesia de Miranda onde faziam, e fazem, bons canivetes. A sua ternura era o que mais impressionava, porque as vitelinhas não tinham mais de 4 meses e rondavam os 80 quilos de peso. O tempero era apenas sal grosso e não havia qualquer molho para tempero. Além da vitela, estas carroças também vendiam carne de porco da barriga e havia um pipo onde se enchiam jarros de vinho tinto. À mesa comia-se no prato com faca e garfo.

  Recorrendo a José Quitério (who else...), encontramos a receita mirandesa, da posta dada nesta língua por António Mourinho, um padre local, etn e fundador dos Pauliteiros de Miranda de Duas Igrejas, que, já entrado na idade, saiu de padre para se casar:

“La Pôsta como Is mirandesas lhe chamã yê el petisco melhor i mais pronto que s’arranja ã Tierras de Miranda. Yê la maça de la bitela assada nas brasas i fôrtes, só cũ sal, siê outros temperos. El molho sai d’la própria carne, antrassada por dentro.», conta o padre Mourinho referindo que a posta “é o prato campesino das feiras de Terras de Miranda, Mogadouro e Vimioso, feito ao ar e comido com faca e garfo”.

O que daqui tiramos é que a posta só era temperada com sal e não levava outro molho senão os próprios sucos.

 

O molho que hoje acompanha a posta mirandesa parece ter sido criado pela Gabriela, dona de um pequeno restaurante em Sendim, na vizinhança de Miranda, terra do planalto mirandês onde se fala o sendinês, uma versão local de mirandês: No planalto mirandês criava-se muito gado, o tal da raça mirandesa. Eram bichos possantes destinados ao trabalho, e ninguém se lembraria de matar vacas de trabalho. O que se matava eram as tais vitelinhas pequenas, antes que começassem a dar despesa ou a tirar forças à mãe através da aleitação, ou a disputar-lhe o feno e o pasto.

Ora a tal Gabriela começou a servir a posta das feiras no seu restaurante e resolveu adicionar-lhe um molho, guardado em segredo, mas cuja base eram o azeite e o vinagre. O acompanhamento, batatas cortadas em quartos e alouradas. Esta Gabriela teve uma filha, a Alice, que por sua vez teve um filho, responsável actual pelo restaurante. A posta continuava a ser proveniente do pojadouro de uma vitela pequena, que não devia ultrapassar os 4 meses.

 

IMG_3030.JPG

A célebre Gabriela, do restaurante homónimo, exemplo de restauradora lusa e transmontana. Ainda hoje se mantém a casa que inaugurou.

 

E cá voltamos a José Quitério, para que nos ilumine. Conta ele que, em 1981, esteve a comer a posta no Gabriela. Quem esteve também a comer a posta na Gabriela nesse ano foi José Saramago que descreve a experiência no livro Viagem a Portugal. Já nesse ano estava Alice, a filha de Gabriela, aos comandos. Conta quem as conheceu que eram as duas mulheres de força e determinação e tanto a barba da mãe como o  bigode da filha impunham respeito. José Saramago descreve a posta que lá comeu como sendo «gigantesca, nadando em molho de vinagre» «que faz transpirar as maçãs do rosto.» e de «Carne branda, que a faca corta sem esforço». 

 

Mas regressemos ao nosso José Quitério. Conta ele que em 1982 voltou a comer a posta pela mão da Alice na Quinzena Transmontana, um dos festivais regionais organizados por Nuno Lima de Carvalho, responsável pela animação cultural e artística da Sociedade Estoril Sol, e que teve lugar no Casino Estoril. Nessas alturas isentas de DOC, ninguém se preocupava com a raça dos bichos, mas sim com a sua ternura e sabor.  

Hoje, queremos saber a raça dos animais. E mirandesas, não há vacas que cheguem para tanta posta. Daí que se tenha começado a fazer posta de outros raças, compensando o tamanho dos animais com um corte mais tenro, mas menos saboroso, como o lombo. A graça e o sabor de serem grelhadas nas brasas também já não é comum. enfim, transformou-se a posta num bife que só se distingue dos outros pelo tal molho de azeite e vinagre, a que geralmente se junta alho e picante. Quanto aos acompanhamentos, inexistentes na feira, de batatas alouradas na Gabriela, passaram a batatas à murro ou batata frita. Os grelos, acompanhamentos de tudo no inverno transmontano, também se perderam pelo esparregado de nabiças, muito bom pela acidez também, ou de espinafres, de pouco valor neste caso.

 

4de02a00-092f-4405-8533-0c97c05bd120.JPG

 

Mais uma chega: aquela posta gigantesca do pojadouro descrita por Saramago tem tendência a ser substituída pelo naco, com metade do tamanho. 

No meu entender, o nome Posta Mirandesa devia ser acarinhado de defendido em Trás-os-Montes, correspondendo a um pedaço de carne do pojadouro de uma vitela muito jovem grelhado nas brasas e de raça mirandesa. Que traga o molho da Gabriela, ou outro ainda melhor. O acompanhamento não me parece tão importante, seja ele batata alourada, à murro ou frita, com ou sem nabiças. Depois, quando formos comer a Posta à Mirandesa, que seja o que se quiser, talvez um bife com batatas fritas.  

 

IMG_2843.jpg

A posta à mirandesa do restaurante O BRASA é de lombo de vaca. 

A fotografia da carne nas brasas é do Solar Bragançano.

 

 

AS ALHEIRAS DO LUÍS PORTUGAL

Conheço o Luís Portugal há muitos anos, desde os velhso tempos de muita actividade no Nerba, em Bragança. Ainda ele não sonhava que havia de ser Masterchef e ter um restaurante chamado Tasca do Zé Tuga, mesmo em frente ao castelo de Bragança. Gosto da comida que ele lá faz, mas isso fica para o proximo post, mas, sobretudo gosto muito dele. Foi esta última razão (confesso que a primeira também...) que me levou a fazer as quatro horas de camonho para a apresentação do seu último livro. Chama-se Cozinha com Memória e na parte receitual participa ainda o Pedro Jorge, um jovem ribatejano que também andou pelos Masterchefs. Para rematar, last but not least, os textos são do meu amigo Pedro Cruz Gomes e estão muito bem esgalhados. Tive o prazer de ser convidada para fazer parte da sua apresentação. Aqui deixo os meus parabéns aos 3 porque o livro tem receitas óptimas e fáceis de replicar em casa e é muito divertido devido à troca de emails entre os dois cozinheiros. 

IMG_2965.jpg

 

eles trocam as suas memórias de vida e de cozinha.

 

 

IMG_2971.jpg

 

0CB2F97A-191D-4633-AA4E-0D21F2EB51E4.JPG

Luís Portugal com Pedro Cruz Gomes

 

 

Resolvi apresentar-vos este livro de uma forma participativa: através de uma erceita de alheira com puré de maça e malagueta que fiz hoje para o meu almoço. Facílima de reproduzir, teve um resultado saboroso e com aromas modernos que tornou a alheira diferente. Aqui fica em primeira mão a receita tal como eu a fiz.

 

Para petisco serve 4 pessoas

 

1 alheira

 

Puré de maçã

4 maçãs reinetas

1 malagueta fresca (opcional)

1 pedaço de 2 cm por 1 cm de gengibre fresco 

 

Picar bem a alheira. Aquecer uma frigideira antiaderente seca e cozinhar a alheira, virando-a de todos os lados. Retirar a gordura que vai surgindo. 

Quando estiver bem seca, retirar-lhe a tripa com uma faca afiada. cortar a alheira em quatro pedaços e levar novamente ao lume alto até ficar bem dourada, deixando-a ganhar uma crosta. Reservar.

Descascar e descaroçar as maçãs e cozê-las no microondas só com uma colher de sopa de água (cerca de 8 minutos). 

 Ralar finamente o gengibre. Eu não usei a malagueta, mas se quiser usar, retirar-lhe as sementes e picar finamente. Aquecer 1 dl de azeite num tacho e deitar o gengibre,  a malagueta e a maçã. Deixar cozer em lume brando. Triturar tudo com a varinha mágica.

 

Juntei-lhes também uns figos que costumo apanhar nos meus passeios a pé. Assei-os no forno com mel e vinho da Madeira e um fio de vinagre balsâmico.