Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Conversas à Mesa

O NOVO PÁTEO REAL DE FILIPE RAMALHO

IMG_4243.jpg

 

 

 

O calor já começou a apertar no Alentejo. Apetece a cozinha alentejana, sobretudo em versões frescas e leves. É possível? Filipe Ramalho, no Páteo Real, prova-nos que sim. Este chef de raízes profundas no Alto Alentejo saiu recentemente do hotel Torre de Palma para abrir negócio próprio na zona, mais precisamente na lindíssima vila de Alter do Chão. Ficou com o restaurante Páteo Real, de espaços vastos e generosos, que transformou com bom gosto e leveza. O pátio dá o nome ao restaurante com justeza. É ele que constitui o coração da casa. Parte dele sob um telheiro em madeira, utilizável de inverno, parte coberto por grandes chapéus de sol que emitem boa sombra. Está-se bem. No espaço da esplanada há ainda um bar, que vai estar a funcionar ao longo de todo o dia.

A carta é desejavelmente curta porque inclui sempre um ou dos pratos do dia, com o que dá o mercado ou a organização do chef. No dia em que lá fui, não cheguei já a tempo de provar a costela de vaca (deixo foto da do vizinho do lado que apanhou a última, apesar de não ter provado, para avaliarem o aspecto). Mas fiquei muito bem servida com perna de borrego lentamente cozinhada, suculenta e quase de comer à colher. De companhia, umas migas de batata doce permeadas por pedacinhos minúsculos de pimento e acidificadas por cebola-roxa filamentada. Equipa vencedora. A entrar, veio o naipe da frescura em duas versões: uma salada de pimentos assados com tirinhas de toucinho e coentros e uma salada de polvo com tomate e pimento e coentros laminados. E a genial tarte de farinheira de castanha da D. Octávia da Salsicharia Canense, no Cano. É uma entrada' É uma sobremesa? É uma refeição? Uma fusão? é simplesmente a tarte de farinheira de castanha e pêra bêbeda do Filipe Ramalho.

A fechar, uma tarte de amêndoa tradicional. A doçaria é da responsabilidade da sogra do Filipe, que tem mão para doceira.

Para a viagem foi oferecido um licor de nêspera de textura muito cremosa e a saber ao fruto. Escolhemos um vinho local, Vale Barqueiros tinto, da herdade do mesmo nome sita em seda, concelho de Alter do Chão.

 

Gostei de ver e provar a cozinha de Filipe Ramalho em versão diferente. Tal como esperava, uma cozinha regional, elevada pelo uso de técnicas e saberes diferenciados, com muito sabor e raízes. Parabéns ao Filipe e as maiores felicidades para o Páteo Real. Restaurantes assim fazem muita falta no interior.

 

 

409c70e5-de96-469f-8483-99e69789a11a.JPG

 

1ABF1F17-AFAF-40C8-BB22-A7E88F9400D8.JPG

Salada de pimentos

 

7FC87A3B-0A16-47AB-AC28-74853A61F92A.JPG

Salada de polvo

 

 

5320ef4f-f1a4-4b19-b5fa-d4f97c50d0a3.JPG

Tarte de farinheira de castanha e pera bêbeda

 

 

IMG_4242.jpg

Perna de borrego com migas de batata doce

 

623a45b5-3ed1-4d20-8ad6-a4dfe7fb4a26.JPG

 

c8505422-13ee-411c-aae1-0d28967e9542.JPG

86dfe5c6-a736-46f3-bdc7-353774faf6b8.JPG

Costela de vaca (não provada)

 

 

b5cf829d-e8a6-443a-ad82-a842bb5c290e.JPG

Tarte de amêndoa

 

663ebd93-0e34-408b-98c6-1f94f93ee926.JPG

 

841d8078-631d-4271-87cc-a8861371d756.JPG

 

 

A COMIDA NA ARTE 2

 

Dieter-roth.jpg

 

Em seguimento ao post anterior sobre a Comida na Arte, deixo-vos aqui, e ao longo da tecla, alguns exemplos curiosos que mais me marcaram ao longo da vida sobre a intrusão da comida na arte. Quem me está a ler terá provavelmente outros completamente diferentes.

O primeiro caso de que me recordo tem a ver com alimentação já na fase de putrefacção: fezes. Não me esquece uma das primeiras instalações que vi no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque em que a estrela eram pratos tipo Bordallo Pinheiro, pendurados nas paredes, mas em vez das lagostas e das chouriças estavam cheios de birirotos com as mais diversas formas e tamanhos. Remete-nos poderosamente para o papel do tempo na transformação de tudo. Não me lembro de todo de quem era o artista.

 

 

Unknown.jpg

Azulejos e saudade_2002-thumb-347x800-50395.jpg

Azulejaria verde em carne viva_2000-thumb-800x692-

Três quadros de Adriana Varejão

 

 

Outro momento alto neste tema foi no Museu de Arte Contemporânea de S. Paulo e tratou-se de uma exposição de pintura de Adriana Varejão. Os quadros mostram a realidade geometricamente alinhada dos azulejos portugueses da qual irrompe a carne de um corpo dilacerado. Esse corpo não será individual, mas sim social, e deixa passar a sensação de profundo sofrimento. Segundo a artista, esta carne é a do tecido social índio antes da colonização pelos portugueses. Os azulejos representam a portugalidade que à superfície parece sem mácula. A minha primeira impressão foi justamente da irrupção do nosso eu visceral numa realidade que o quer esconder.

 

 

kaeserennen-1970.jpeg

DSC02063.jpg

Dieter-roth.jpg

Três momentos da instalação de Dieter Roth

 

dieter-roth-1024x762.jpg

O coelhinho de palha e fezes do mesmo

 

Um outro caso, é o do artista Dieter Roth, nascido em 1930 na Alemanha de mãe alemã e pai suíço. Dada o seu país de origem, Roth escolheu o queijo para fazer instalações e quadros. A filosofia subjacente é que todo o produto é um processo, afirmação que faz todo o sentido na cozinha. Em 1970, fez uma célebre instalação numa galeria de Los Angeles: 37 malas de viagem cheias com queijo foram distribuºidas pela galeria. Mas fez mais: esparramou vários queijos de pasta mole nas paredes. O título da exposição em inglês era Staple Cheese (a Race), um trocadilho com Steeple Chase que significa uma corrida de obstáculo para cavalos. Com o passar do tempo (um dia foi suficiente), os queijos das paredes foram escorregando e todos foram apodrecendo, lançando um cheiro pestilento na galeria e enchendo-a de moscas e vermes, os seus verdadeiros aficionados segundo o artista. Roth gostava de trabalhar com estes materiais altamente sujeitos a decomposição e mutação. Uma outra obra sua foi o coelhinho que parecia um chocolate da Páscoa, mas cuja cor castanha afinal não era do chocolate mas resultava da mistura de palha e de cocó cunicular. Nem sempre estas surpresas tão ao gosto da cozinha molecular são boas surpresas...

Roth também trabalhou com massa de pão, um produto que é verdadeiramente um processo, mas um outro artista elevou o pão a outro nível.

  

Genzel.jpg

Três kopfflusslers  de Genzel. Outras figuras existem em madeira bem mais explícitas. 

 

Foi o alemão Karl Genzel, talvez de todos estes o meu preferido porque partilhamos um gosto comum, de muito mau gosto: usar o miolo de pão. Mas enquanto eu apenas faço bolinhas (hábito sinistro que herdei da minha mãe), Genzel fazia figuras com conotações sexuais, muitas vezes com os dois sexos, e de miolo de pão já mastigado (nunca tive essa ousadia), tudo isto no princípio do século XX. Dada a perecibilidade do material, estas figuras em pé, de nome kopfflusslers, não sobreviveram, mas as posteriores feitas em madeira, sim.  Karl Genzel aprece ter sido esquizofrénico, e, em determinada dilacerada altura da sua vida, pretendia ser Jesus Cristo.

 

A COMIDA NA ARTE

 

1454704989_653.jpg

 

A arte está muito virada para a visão. Mas se tivermos em conta que a cozinha provoca emoções e gera ideias e que pretende comunicá-las acima de tudo, pode a cozinha ser arte? A cozinha comunica não só através dos olhos, a apresentação dos pratos, mas também nos toca através dos outros quatro sentidos, sobretudo do olfacto e do palato.

Esta questão de a cozinha ser uma forma de arte, deixemo-la para outra ocasião. Hoje queria falar-vos do uso que a arte faz de alimentos e da cozinha. Em esculturas, em pinturas, em instalações, em filmes ou peças de teatro. Produtos alimentares frescos ou já processados têm sempre grande impacto sobre nós, primeiro pela sua relação com a fome e a sobrevivência, depois pelo seu significado simbólico, finalmente pela beleza das formas e das cores.

 

Arcimboldo_Tierra.jpeg

Arcimboldo, da série Elementos, TERRA

 

579287_poster_l.jpeg

Notável, é a semelhança com os persnagens representados.

 

800px-Arcimboldo_Vegetables_upsidedown.jpeg

800px-Arcimboldo_Vegetables.jpeg

A imagem de cima (taça com legumes) é a invertida da de baixo. 

 

 

Desde sempre, a comida representada na pintura e na escultura. Dos mais conhecidos, destaco os homens feitos de fruta e legumes de Arcimboldo. Dos nossos,  lembro os magníficos quadros/naturezas mortas de Josefa de Óbidos, fontes documentais preciosas para o estudo da história da alimentação. Estão espalhados pelo país, alguns encontram-se na Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, Santarém, outros no Museu de Évora, por exemplo.

 

JosefadObidos-Natureza Morta com doces e barros 16

 

Josefa_de_Óbidos_-_Natureza_Morta.jpeg

Josefa de Óbidos

Depois há os modernos, que causam perplexidade em vez de salivação, como o prato de Mexilhões de Marcel Broodthaers ou o hamburguer gigante de Claes Oldenburg.

No caso dos mexilhões, num piscar de olho à sua nacionalidade belga, o artista quis mostrar que no seu quadro a abertura dos bivalves não corresponde às leis da cozinha, mas às da arte. Os mexilhões fechados deixam de ser comida e passam a ser um artifício estético. Que melhor parábola poderia haver para a cozinha contemporânea, que melhor conselho, do que este: quando a cozinha passa a ser apenas arte ou artifício acaba por perder toda a sua capacidade de nos nutrir e de nos fazer salivar.

 

MB mexilhões.jpeg

 

Num outro registo, o sueco Claes Oldenburg constrói fast food em tamanhos avassaladores que nos fazem perceber melhor a sua nulidade em termos de valor, em termos de qualidade, ficando apenas aquele peso absurdo da quantidade. Oldenburg chama a nossa atenção para a importância da imagem publicitária, para o visual da comida. Um tique hoje tão vulgar nos nossos instagram, nas nossas redes sociais.

 

dropped-cone-collaboration-with-van-bruggen-2001.j

image.jpeg

 

download.jpeg

Claes Oldenburg e fast food

 

 

 

No próximo post, deixarei outras pistas para percebermos esta relação entre comida e arte, mais food for thought.



ESCAPADA EM PONTE DE SOR: COMER

6bc5f593-ca8e-417c-9585-260eb5379afc.JPG

 

 

Para comer em Ponte de Sor, deixo-lhe uma referência: o Quiosque da Relva. O local é idílico, com a ribeira de Sor como pano de fundo e um óptimo relvado para  estender uma manta e fazer a sesta ou para as crianças brincarem á vontade.

O chef/proprietário é o António Prates, nascido e criado em Ponte de Sor e com escola de hotelaria feita no Estoril. Depois de ter feito carreira por fora, resolveu regressar a casa e abrir o Quiosque da Relva.

O restaurante é muito bonito, cheio de vegetação, e tem uma agradável esplanada com vista para a ribeira.

Fiz uma refeição só de petiscos, todos bem confecionados, apresentação sempre primorosa e com bons produtos. A começar, o queijinho Monte da Vinha, da Joana Garcia, complementado com um doce de abóbora. Depois, um picapau com boa e tenra carne, que acompanhei com chips de batata-doce de várias cores. Chips bem fritos e estaladiços. Cogumelos estufados foram também um bom pedido, tudo em doses fartas.

O melhor veio a seguir, uns ovos rotos com batata frita nas melhores condições, em dose abastada, abertos os ovos á chegada à mesa, como compete.

A finalizar, três sobremesas. Uma tarte de queijo, um pudim de abóbora e brownies.

O pudim de abóbora é imperdível, pelo sabor e pela textura húmida. Mas os brownies são do melhor que já comi: cozidos no ponto em que ainda ficam húmidos, e permeados de filamentos de amêndoa crocantes.

Se passar o fim-de-semana e ponte de Sor, acho que vai querer ir almoçar e jantar no Quiosque da Relva. E ao outro dia também.

 

47d23cb9-22b7-4d79-8da8-ce08e1d445e3.jpg

IMG_4017.jpg

 

63e070a4-cf88-4118-9721-6b2857ac0a79.JPG

Queijinho Monte da Vinha

 

713eb2da-9793-4484-ac4d-5f188d7645c1.JPG

Cogumelos com bacon

 

bbe1f6b3-c2fa-4c7c-89c0-ce0f35bd4892.JPG

Chips de batata doce

 

C3D06451-C531-42A3-AC3D-6663C7628275.JPG

Ovos rotos

 

 

 

e7aeac9a-0044-48fc-819d-c58e6f19d30f.JPG

Pudim de abóbora 

 

 

901bea99-538d-48a5-932e-1ec832e1f369.JPG

Tarte de queijo

 

Pág. 1/2