Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Conversas à Mesa

LAURENTINA, O REI DO BACALHAU

F18AA03C-08B1-410B-9BCE-F334DECEF657.JPG

 

 

Depois de alguns anos de ausência, senti uma súbita vontade de voltar a comer bacalhau no Laurentina, a que segue com justiça o epíteto de Rei do Bacalhau. Foi em 1976 que o Sr. António Pereira, beirão de origem, regressou de Moçambique, onde tivera restaurante, e fundou o Laurentina. É das Beiras que ainda hoje são trazidas as batatas, o azeite e outros produtos, hoje pelos filhos Marco e Rita.

Em Portugal, são raros os restaurantes de monoproduto, mas têm aparecido alguns de bacalhau, o que me parece muito desejável.

 

IMG_5699.jpg

 

 

IMG_5714.jpg

 

Eu cada vez gosto mais de bacalhau, sobretudo nas versões em que se apresenta mais íntegro e não-empapado (bacalhaus com natas ou espirituais não são do meu agrado). Para matar saudades do Laurentina, e evr como este tinha evoluído, desloquei-me com mais dois amigos à Avenida Conde Valbom, sítio que conheço bem porque já vivi nos meus tempos de faculdade no fundo desse lado da Visconde de Valmor.

A evolução foi muito positiva. O espaço está muito simpático, quer no rés-do-chão, quer no andar de baixo, quer no terraço. No meu entender, a decoração abusa um pouco do uso deste peixe, em imagens e objectos, como os manípulos da casa de banho, alguns dos quais me parecem dispensáveis, enquanto outros são muito estimáveis (sobretudo as fotografias). Este abuso da representação do bicho que vamos ter no prato tem o seu pior momento numa churrascaria de frango da guia de Cascais, em cujas paredes são exibidas estas aves em versão “cute”, retratando as várias fases da sua eliminação e preparação  com humildade, paciência e ousaria dizer até alguma alegria por se saberem úteis. Dá vontade de fugir dali de imediato. Bom, a isto não chega nem de longe o caso do Laurentina.

O bacalhau servido na Laurentina é, actualmente, todo proveniente da Islândia. A lista está bem construída, com os clássicos, do qual para mim se destaca sempre a couvada (o clássico bacalhau com couves). Boa couve, boa batata, bom bacalhau e bom azeite. What else? Dispensáveis, as inumeras fatias de alho frito meio queimado. 

 

IMG_5704.jpg

Couvada de bacalhau

 

 

 

 

Muito bom, o Bacalhau à Brás, com batatinha palha a fornecer o crocante e com a cremosidade do ovo desejável: demais, fica a parecer ovos mexidos, de menos, não tem graça. A propósito do Brás, esta confecção pode ter tido origem nuns simples ovos mexidos com batatas fritas a que se acrescentou bacalhau. Referências recentes e firmes a este famoso bacalhau chegam‑nos pela mão do «mimoso e biqueiro» escritor José Gomes Ferreira, via precioso José Quitério. E citando este último, citando o primeiro: «Referindo‑se aos amigos da adolescência literária, “só os invoco em ceias nas tasquinhas do Bairro Alto, diante do bacalhau À Brás, comido mesmo na baiuca do inventor desse prato, agora - dizem‑me - obrigatório na barafunda comilona de todos os casamentos elegantes. Tendo José Gomes Ferreira nascido em 1900, podemos situar estas ceias de adolescência na referida baiuca no fim da década de 10, do século XX. O “à Brás” teria sido inventado pelo Sr. Brás, proprietário da tasca homónima do Bairro Alto. Além destes, comeram-se ainda, do reino das frituras, os pastéis de bacalhau, de boa estirpe, e as pataniscas com arroz de tomate. Com respeito a estas, não sou fã das pataniscas finas, como agora há a mania de fazer. Para mim a patanisca há que ter circunvalações por onde a fritura se vai anichando para dar textura e sabor, embora sem exagero. Mas estavam benzinho, assim como o arroz malandrinho. Bons, bom rácio batata e bacalhau, sequinhos de fritura, estavam os pastelinhos de bacalhau.

 

IMG_5708.jpg

Pataniscas com arroz de tomate

 

IMG_5700.jpg

 

 

Para tirar a boca de lacaio, vieram arroz-doce e leite creme queimado, bem confecionados, sem sabores exógenos ou mandarínicos.

 

 

IMG_5712.jpg

 

IMG_5701.jpg

Rótulo também delicioso.

A  acompanhar, um delicioso Dão da Quinta dos Carvalhais. O Mélange à Trois tem três castas em bom ménage: Tinta Roriz, Touriga Nacional e Alfrocheiro, sendo bastante presente a Touriga. O sabor prolonga-se na boca e tem alguma frescura que faz frente às frituras. 

Num restaurante de bacalhau, seria desejável que se pudesse escolher o azeite, que houvesse uma lista, que se mencionasse o que foi usado  na confecção. O azeite é parte essencial de qualquer prato de bacalhau, por isso nada mais natural. 

Serviço simpático e presente.

A repetir.

Bom ano de 2022 a todos os que fazem o favor de me ler.

 

 

Laurentina, o rei do bacalhau

Av. Conde Valbom 71A, 1050-067 Lisboa

Tel :  21 796 0260

Pode encomendar takeaway

NOTA: se estacionar o carro nos parques Berna ou Valbom, retire o cartão porque o restaurante paga o estacionamento.

 

 

MAS É NATAL

IMG_5996.jpg

 

 

Haja o que houver, o Natal vai acontecer. E nada como um Natal Covid para darmos valor o que tínhamos. Eu  que me começava a lamuriar no fim de Novembro, porque a minha geração tem de fazer aquilo que os descendentes e ascendentes não podem ou querem, senti-me completamente perdida sem o stress das últimas compras, o quebra-cabeças das prendas,  ou o excesso das comidas. 

Sozinha no último Natal  COVID 2020, respirei de alívio e pensei dar-me ao luxo. De quê? De em vez de escravizar na cozinha nos vapores do bacalhau cozido e das couves ou nos gordurosos eflúvios do óleo de fritar rabanadas, cabelo recém-chegado do cabeleireiro enfiado  numa touca a  gritar por proteção, cozer levemente uma lagosta e comê-la sozinha enquanto emborcava champanhe numa mesa isenta de bolo-rei, mas recheada de doces de ovos sob várias formas. Foi uma lição, o Natal passado. Este ano, chegada a Novembro já eu andava a pensar na cozedura do bacalhau e das couves, no bolo-rei, na minha touca das frituras e na correria cansativa daqueles dias que se avizinhavam. E pelos quais ansiava. 

O omicron ameaça o nosso Natal, mas não o impossibilita. Claro que há algum risco, uso tem riscos, mas não quero transformar a Pandemia em Palermia. Vou correr esses riscos. Vou rodear-me de todos os cuidados possíveis (resguardo antes do Natal, testarem para todos) mas não vou desistir do Natal com todas as tradições. Aprendi que uma lagosta com champanhe sozinha, ou uma caixa de bombons do Francisco Siopa como ceia, não vale nada. Bom mesmo é ter o cabelo a cheirar a rabanadas mas poder abraçar a minha filha e ver o brilho nos olhos das minhas netas. Viva o Natal. Boas Festas a todos, quaisquer que sejam as vossas opções. E um abraço muito apertado aos que estão em confinamento por doença. 

 

PS: o boneco da foto foi feito agora mesmo pelas minhas netas Diana e Mariana. Isto, sim é Natal

 

 

A OFICINA DO BACALHAU

 

IMG_5984.jpg

 

Até chegar à mesa, o bacalhau tem que se lhe diga.

Do lado de lá, nos países do Norte, faz-se a pesca e todo o processo de cura de parte dos Gadhus morua . Como todos os peixes tem a sua melhor época, aquela em que está mais gordo e melhor. Depois há que ter em conta a forma de pesca. Quanto maiores forem os barcos e as redes, mais eles se arriscam a ficar esmagados pelos seus companheiros de cima. A salga e a secagem são ao gosto do freguês. Lá para a Noruega e para a Islândia, customizam-se as curas em função do país comprador.

Hoje em dia, a maioria dos restaurantes compra bacalhau já dessalgado, muitas vezes apenas os lombos. O que não é o caso deste de que vos vou falar hoje, A Oficina do Bacalhau, em Alcabideche. Proprietário, cozinheiro, chefe de sala, o Tomás falou comigo do seu projecto com um enorme entusiasmo. Filho de um importador norueguês de bacalhau a viver há muitos anos em Portugal, Tomás teve sempre gosto pela cozinha e por transformar todos os tipos e peças de bacalhau que o pai trazia para casa. Depois de ter feito licenciatura e mestrado na área da gestão, Tomás resolve deixar tudo para trás e abrir este restaurante dedicado ao bacalhau, peixe que vem da Noruega mas é tratado à nossa maneira. Para o restaurante, escolhe os exemplares de bacalhau mais adequados para os vários pratos e procede à sua dessalga num tanque que ocupa uma parte do restaurante. O grau de sal desejável varia com o tipo de prato a que é destinado. Tomás considera o seu restaurante uma oficina porque o bacalhau é sempre ali trabalhado em todas as suas vertentes.

 

IMG_5960.jpg

IMG_5961.jpg

IMG_5963.jpg

 

IMG_5968.jpg

IMG_5969.jpg

O meu favorito, o bacalhau assado. "Lasca que é um mimo"...

 

IMG_5975.jpg

O Bacalhau à Brás encimado por um bom presunto fazem um par perfeito.

 

IMG_5977.jpg

O admirável cheesecake cozido vale por si só a ida ao restaurante.

IMG_5979.jpg

A Pilsener Pato é muito agradável. Adorei o patinho de borracha.

 

IMG_5967.jpg

 

 

 

Na carta, há os essenciais: pataniscas e pastéis (boa massa, com o bacalhau a destacar-se), pequenos filetes de bacalhau fritos (muito bons e estaladiços, servidos com uma maionese de pimentos), o À Brás (com a adição de um belíssimo presunto que combina na perfeição) e a estrela da companhia, o bacalhau assado na chapa, com puré de batata e funcho selvagem, couve-portuguesa e grão-de-bico cozido.

Tomás compra os frescos a um pequeno agricultor de Colares, que lhe vende praticamente toda a sua produção, onde se incluem os frutos vermelhos que adornam o maravilhoso cheesecake cozido (New York style), tão bom e tão raro pelas nossas bandas. O grão-de-bico vem da Beira seco e é demolhado no restaurante.

Acompanhei a refeição com o tinto "da casa": o Vale das Éguas da região de Setúbal. com as entradas, bebi uma magnífica Pilsener feito perto de Alcabideche com a marca Pato. O azeite usado na cozinha e na mesa é muito agradável. 

Para quem queira fazer as refeições natalícias fora, uma boa notícia: o Oficina está aberto no dia 25 para almoço e jantar. E os preços são mais que justos. Veja a carta abaixo.

A Oficina do Bacalhau é um bom local para quem gosta de bom bacalhau, comido num ambiente agradável, uma decoração interessante com belas peças que honram o gadídeo mas sem excessos, e com conforto. Adorei os pratos e os guardanapos em pano, uma mais-valia. Serviço extremamente simpático.

IMG_5972.jpg

OFICINA DO BACALHAU

Reservas: 214 690 141

https://oficinadobacalhau.pt

R. Cesaltina Fialho Gouveia 51, 2645-038 Alcabideche

 

 

OS FUNDAMENTAIS DA MINHA CEIA DE NATAL

 

IMG_5924.jpg

 

Todos nós temos as nossas tradições de Natal. Algumas vêm de linhas ancestrais que já nem dominamos, outras foram sendo criadas por nós. A ceia da minha infância e juventude era sempre peru assado e tinha lugar depois da missa do Galo. O peru era trazido para o jardim de casa onde ficava a vaguear e a fazer gu-glu durante a semana que antecedia o Natal. O clímax peruano era a sua “gavage” com uma boa aguardente que lhe dava sabor às carnes ao mesmo tempo que o entorpecia e lhe proporcionava uma morte bem menos dolorosa que a de um actual frango no matadouro. Talvez os desiluda, mas nunca fui menina de me recusar a comer um animal que conheci pessoalmente, pelo contrário.

 

IMG_5866.jpg

 

Mais tarde, quando fui senhora de escolher a minha ceia, o peru foi substuído pelo bacalhau sob várias formas. Este ano, será bacalhau com broa. A receita é simples: cozer as postas de bacalhau sem nunca o deixar ferver, tirar espinhas e lascar. Cozer batatinhas novas com casca. Levar um tabuleiro (o meu preferido é o de barro preto da KILN, feito em Portugal, de óptima qualidade e lindo) com muito azeite, dentes de alho esmagados e cebola cortada em gomos ao forno. Deixar a cebola ganhar alguma cor e juntar as batatinhas. Mais azeite, nunca é demais o azeite para o bacalhau. No fim, colocar as lascas de bacalhau e cobrir com a broa (broa de milho ou centeio triturada no liquidificador com muitos coentros e um dente de alho). Deitar mais azeite e aquecer bem. Acompanha bem com grelos.

Mas a estrela da ceia de Natal é sempre a mesa das sobremesas. Incontornáveis são as broas de espécie que faço em quantidades pantagruélicas para oferecer aos amigos. A receita está aqui no blog. É trabalhosa mas fácil.

 

IMG_5936.jpg

 

Este ano, o meu bolo-rei é o de chocolate do Francisco Siopa. Funciona como centro de mesa, porque é incrivelmente bonito, a transportar-nos para o ambiente vegetal de musgo que cobre a serra de Sintra, e é delicioso e mágico. Até as frutas são maravilhosas. Pode encomendá-lo através do mail restaurants@penhalonga.com. Custa 35 euros.

 

IMG_5945.JPG

 

O pudim abade de priscos do Miguel Oliveira acompanha o meu Natal desde que foi criado. É a perfeição sob a forma de pudim. All I want for Christmas is pudim do abade. Custa  36 euros em versão de 1 kg e em tamanho médio, 22 euros. Vale bem mais do que pesa... pode encomendar em pudimdoabade.com.

IMG_5928.jpg

IMG_5948.jpg

IMG_5947.jpg

 

 

 

O Nuno Branco é outro mago do chocolate. As suas criações natalícias são fabulosas e feitas com bom chocolate. sou fã das bolas de chocolate com cores iridescentes que ficam lindas numa taça em cristal, mas este ano rendi-me às árvores de Natal, pequenas (10,25 euros) ou grandes (19,50 euros). Ficam perfeitas a enfeitar a mesa e, no fim, ataca-se nelas. E são presentes de Natal perfeitos, com embalagens a condizer. Para encomendar, ligue 917946 976 - Oficina do Chocolate Branco.

 

IMG_5927.jpg

 

 

O queijo Serra da Estrela DOP, bem amanteigado tem de ser da São Gião. Tem um sabor muito especial e a textura certa. Só vale a pena abri-lo por cima se for mesmo de entorna, o que é costume nesta época. Quando provar, não vai querer outro.

 

IMG_5939.jpg

 

 

Para dar um toque divertido à ceia, encomende umas pérolas (são esfericações de bebidas, fruta e até de gaspacho. Pode começar com as gin (que já contêm vários botânicos e são de um azul encantador) ou as mexicanas (de tequila e com um leve travo picante) ou até com as de gaspacho (fabulosas antes do bacalhau). Coloque-as na boca, junto aos dentes da frente, rebente-as devagar com uma ligeira pressão com a língua e a sua boca será magicamente invadida por todos estes sabores. Para encomendar ligue a Filipa Cruz, 913497009 ou mande mensagem no Instagram (dare_portugal).

 

Bom, como pode ver, os meus fundamentais já são em grande número, mas todos eles valem a pena. Votos de Feliz Natal, com muita saúde e muita alegria e com a companhia possível.

 

Pág. 1/2