LAURENTINA, O REI DO BACALHAU
Depois de alguns anos de ausência, senti uma súbita vontade de voltar a comer bacalhau no Laurentina, a que segue com justiça o epíteto de Rei do Bacalhau. Foi em 1976 que o Sr. António Pereira, beirão de origem, regressou de Moçambique, onde tivera restaurante, e fundou o Laurentina. É das Beiras que ainda hoje são trazidas as batatas, o azeite e outros produtos, hoje pelos filhos Marco e Rita.
Em Portugal, são raros os restaurantes de monoproduto, mas têm aparecido alguns de bacalhau, o que me parece muito desejável.
Eu cada vez gosto mais de bacalhau, sobretudo nas versões em que se apresenta mais íntegro e não-empapado (bacalhaus com natas ou espirituais não são do meu agrado). Para matar saudades do Laurentina, e evr como este tinha evoluído, desloquei-me com mais dois amigos à Avenida Conde Valbom, sítio que conheço bem porque já vivi nos meus tempos de faculdade no fundo desse lado da Visconde de Valmor.
A evolução foi muito positiva. O espaço está muito simpático, quer no rés-do-chão, quer no andar de baixo, quer no terraço. No meu entender, a decoração abusa um pouco do uso deste peixe, em imagens e objectos, como os manípulos da casa de banho, alguns dos quais me parecem dispensáveis, enquanto outros são muito estimáveis (sobretudo as fotografias). Este abuso da representação do bicho que vamos ter no prato tem o seu pior momento numa churrascaria de frango da guia de Cascais, em cujas paredes são exibidas estas aves em versão “cute”, retratando as várias fases da sua eliminação e preparação com humildade, paciência e ousaria dizer até alguma alegria por se saberem úteis. Dá vontade de fugir dali de imediato. Bom, a isto não chega nem de longe o caso do Laurentina.
O bacalhau servido na Laurentina é, actualmente, todo proveniente da Islândia. A lista está bem construída, com os clássicos, do qual para mim se destaca sempre a couvada (o clássico bacalhau com couves). Boa couve, boa batata, bom bacalhau e bom azeite. What else? Dispensáveis, as inumeras fatias de alho frito meio queimado.
Couvada de bacalhau
Muito bom, o Bacalhau à Brás, com batatinha palha a fornecer o crocante e com a cremosidade do ovo desejável: demais, fica a parecer ovos mexidos, de menos, não tem graça. A propósito do Brás, esta confecção pode ter tido origem nuns simples ovos mexidos com batatas fritas a que se acrescentou bacalhau. Referências recentes e firmes a este famoso bacalhau chegam‑nos pela mão do «mimoso e biqueiro» escritor José Gomes Ferreira, via precioso José Quitério. E citando este último, citando o primeiro: «Referindo‑se aos amigos da adolescência literária, “só os invoco em ceias nas tasquinhas do Bairro Alto, diante do bacalhau À Brás, comido mesmo na baiuca do inventor desse prato, agora - dizem‑me - obrigatório na barafunda comilona de todos os casamentos elegantes. Tendo José Gomes Ferreira nascido em 1900, podemos situar estas ceias de adolescência na referida baiuca no fim da década de 10, do século XX. O “à Brás” teria sido inventado pelo Sr. Brás, proprietário da tasca homónima do Bairro Alto. Além destes, comeram-se ainda, do reino das frituras, os pastéis de bacalhau, de boa estirpe, e as pataniscas com arroz de tomate. Com respeito a estas, não sou fã das pataniscas finas, como agora há a mania de fazer. Para mim a patanisca há que ter circunvalações por onde a fritura se vai anichando para dar textura e sabor, embora sem exagero. Mas estavam benzinho, assim como o arroz malandrinho. Bons, bom rácio batata e bacalhau, sequinhos de fritura, estavam os pastelinhos de bacalhau.
Pataniscas com arroz de tomate
Para tirar a boca de lacaio, vieram arroz-doce e leite creme queimado, bem confecionados, sem sabores exógenos ou mandarínicos.
Rótulo também delicioso.
A acompanhar, um delicioso Dão da Quinta dos Carvalhais. O Mélange à Trois tem três castas em bom ménage: Tinta Roriz, Touriga Nacional e Alfrocheiro, sendo bastante presente a Touriga. O sabor prolonga-se na boca e tem alguma frescura que faz frente às frituras.
Num restaurante de bacalhau, seria desejável que se pudesse escolher o azeite, que houvesse uma lista, que se mencionasse o que foi usado na confecção. O azeite é parte essencial de qualquer prato de bacalhau, por isso nada mais natural.
Serviço simpático e presente.
A repetir.
Bom ano de 2022 a todos os que fazem o favor de me ler.
Laurentina, o rei do bacalhau
Av. Conde Valbom 71A, 1050-067 Lisboa
Tel : 21 796 0260
Pode encomendar takeaway
NOTA: se estacionar o carro nos parques Berna ou Valbom, retire o cartão porque o restaurante paga o estacionamento.