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Conversas à Mesa

HOWARD'S FOLLY

 

 

 

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Folly quer dizer loucura, mas também tem um significado teatral e arquitectural, de alguma coisa com muito ornamento mas pouco propósito. Howard Bilton, o empresário inglês de Hong Kong, em parceria com David Baverstock (o reputado enólogo australiano também responsável pela Adega do Esporão), resolveu comprar o edifício da antiga Sapec, da antiga sociedade Agro-Pecuária situada no fim da linha do caminho de ferro de Estremoz para alojar a adega dos seus vinhos, fazer um restaurante e ainda criar uma espécie de galeria de arte. A casa transformou-se realmente numa verdadeira Folly, uma adega urbana. O Howard tem uma paixão pela arte e pela retribuição social: juntou os dois através de um concurso de obras de arte cuja obra vencedora transforma no rótulo de um dos seus vinhos. Para além disso, resolveu apoiar instituições de apoio a crianças, reproduzindo desenhos de crianças  nos rótulos da gama compreensivelmente chamada Sonhador. Parte do lucro obtido com esses vinhos destina-se a essas instituições.

 

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O edifício que aloja a galeria de arte, a adega abriga também o restaurante Howard’s Folly, chefiado por Hugo Bernardo. As instalações merecem uma visita demorada. O edifício em si tem uma fachada de ameias, acastelada, toda branca, onde se salientam desde logo as iniciais HF e os gigantescos garfo e faca.

Lá dentro, uma grande sala está sempre preenchida por exposições de arte temporárias: uma colecção de porcos em papier-machê tinha sido trocada por uma de tractores feitos com cabeças de máquinas de costura. Em todo o canto, o nosso olho é atraído por algo diferente, algo moderno ou algo vintage. A primeira coisa que atraiu o meu olho foi a adega. Tive a sorte de ter como guia o reputado enólogo australiano David Baverstock que me deu a provar alguns vinhos após a visita. O meu favorito na prova foi a Winemaker’s Choice 2013 (91,20€ para membros), mas também gostei do Rosé (57,60€) e do Alvarinho de 2018 (57,60€). É verdade, os bons vinhos costumam ser caros e só vale a pena pagar estas importâncias quem tenha palato. Também atraiu o meu olho o enorme «ovo» de cimento poroso onde estagiam alguns vinhos. Estes ovos parecem estabilizar a fermentação do vinho e tornar a sua textura mais macia. Por outro lado, o facto de não terem cantos faz com que os gases da fermentação circulem naturalmente por todo o líquido ao longo do processo.

A maior vinha que têm é na região de Portalegre. São 7 hectares em terrenos frescos que produzem vinhos frescos e elegantes. Mas também compram uvas de vinhas velhas a pequenos produtores. Depois a arte está mistura de todas estas variedades que produzem vinhos de uma só vinha ou blends. A excepção é o Alvarinho, produzido no Norte, nas regiões de Melgaço e Monção. Este é o incrível trabalho do David e do enólogo residente, o Pedro Furriel (na foto de capa).

 

No próximo post, falo do almoço que fiz no restaurante.

 

 

 

 

 

 

 

TINTOS E PETISCOS, DO MELHOR QUE HÀ

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O Tintos e Petiscos é um restaurante exemplar. Situado no interior profundo do Alto Alentejo (em Vaiamonte, perto de Monforte) tem sempre clientes fiéis locais garantidos (o Manuel Luís Goucha é um deles) e outros que vêm de propósito de longe para o conhecer. A carta exibe pratos de comida alentejana. Pratos que quase jurávamos são de cozinha tradicional, o mais tradicional possível. A matriz do alto Alentejo está toda lá, os produtos característicos desta zona também (alguns, como o tomate, são da horta dos donos). Uma leitura mais atenta faz-nos perceber que há ali algumas inovações que foram criadas pelos proprietários Fátima e Joaquim Ramalho. As confecções são as tradicionais, os produtos são locais mas pode haver uma troca, do feijão pelo grão (de um arroz), da matéria cárnica (do croquete) que fazem com que ir ao Tintos e Petiscos seja sempre refrescante.

 

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Foi a minha primeira visita à nova casa, muito maior que a anterior (com cerca de 14 lugares apenas) e com um agradável espaço exterior. A decoração foi feita pelo Joaquim Ramalho com objectos locais e com muito sentido de humor (como é o caso dos quadros da parede do lado direito da entrada). Todos eles estão bem dispostos e têm uma lógica de exposição.

 

 

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A carta de vinhos continua estupenda. Optei pelo vinho que não sendo da casa nasce de uma colaboração entre o Joaquim Ramalho e um muito antigo parceiro, a herdade Papa  Leite. Tive a honra de beber a garrafa 144 de 283 de tinto de 2019. Foi uma companheira perfeita para os croquetes com arroz de grão-de-bico, enchidos e coentros, e mostarda integral, e também para as bochechas de porco com migas. Os croquetes são de carne de javali, muito bem temperada, apresentando-se em fios sem preponderância de nenhum aparelho aglutinador. Juntamente com ao arroz, já justificam a viagem. O resto vem de bónus.

As bochechas primorosas, as migas cremosas e cheias de sabor.

 

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Para terminar, fica este conselho: nunca lá vá sem comer a encharcada. Mesmo que não seja fã de conventuais, experimente porque vai ver a luz. De todas as vezes que lá fui, foi sempre a minha sobremesa (depois lá vou provando um bocadinho da dos outros...). como vai ao forno a gratinar, sobe para outro patamar.

Novidades são as carnes maturadas, que ainda não provei.

Cozinha primorosa, produtos sãos e escorreitos da época, bela carta de vinhos, simpatia e eficiência do serviço e acolhimento, casa agradavelmente decorada com notas de humor, contribuem para que o Tintos & Petiscos seja um dos meus restaurantes favoritos, que me leva tranquilamente a arrancar de casa e a fazer uma viagem de duas e horas e pouco só para lá almoçar. What else?

Obrigada Fátima e Joaquim por se manterem fiéis a si mesmos.

MIGUEL LAFFAN NO PALMA

 

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O novo restaurante do hotel Torre de Palma chama-se Palma e é chefiado por Miguel Laffan. Este chef já esteve cerca de 9 anos no Alentejo, no L’And and Vineyards, onde fez um trabalho incrível que lhe valeu a estrela Michelin. Embora no L’And a cozinha fosse de fine dining, Miguel aprendeu aqui a conhecer o Alentejo. Regressado, está a fazer no Palma uma cozinha a que eu chamaria de felicidade. Apoiado em produtos da região, Miguel tem um conceito central: fazer pratos com matriz portuguesa e alentejana onde se nota a sua mão, onde perpassa a sua identidade, mas apenas o suficiente para os tornar mehores. Não é a originalidade que procura, mas sim a sua optimização. Vejamos o caso dos ovos rotos, um prato que também se faz muito do lado de cá da raia. Miguel fá-los num carrinho, à nossa vista. Começa por saltear produtos locais, como enchidos, espargos verdes e cogumelos e isso faz toda a diferença. O prato resulta delicioso e enriquecido, mas continuam a ser ovos rotos completamente reconhecíveis. Ou o caso do croquete. É feito de borrego merino local e tem um sabor diferente e quente, um tempero de especiarias que quem conhece a cozinha do Miguel percebe de imediato.

 

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8A134409-8127-4B1D-8082-CB6708FF8CFC.JPGCroquete de borrego

 

IMG_7029.jpgGambas fritas

 

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Miguel Laffan faz ovos rotos à mesa

 

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Queijo de ovelha gratinado

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Rissol de lavagante

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Empada de pato

Para entrar, além dos ovos rotos e dos croquetes, há também uns rissóis de lavagante e um queijo de ovelha gratinado no forno com orégãos e um chutney de pimentos que nos faz rapar a tigela até aos últimos pedacinhos, aqueles que ficam agarrados e que são os melhores. Os camarões com alho, chili e coentros frescos são isso mesmo, mas estão na cozedura perfeita e têm o equilíbrio de temperos ideal. Mas se só pudesse comer uma entrada, não tinha dúvida em escolher a tarte de pato, um pequeno domo de massa perfeita que encerra um recheio de pato assado no forno a lenha. A saborear devagarinho.

 

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Cação de coentrada


Para prato principal, escolheria o pernil de borrego lentamente assado, a carne a desprender-se dos ossos, o sabor a ervas do campo, com as batatinhas assadas com chalotas e os espinafres a refrescarem. Ao lado, um molho à francesa (um demi-glace muito leve e fresco). Para alegrar, o borrego vem no carrinho e é trinchado à vista. Faz toda a diferença.

O cação de coentrada vem em lascas com o toque de vinagre de que eu gosto; a sentir-se mas sem obnubilar o resto.

 

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Para provar, veio ainda um prato que eu chamaria vintage: Miguel Laffan consegue pegar no nosso famoso bife das cervejarias (Trindade, por exemplo), que tem aquele molho branco e enfarinhado e transformá-lo numa preciosidade. O aspecto recorda-nos o bife cervejeiro, mas, num incrível tour de force, o molho, feito sem qualquer adição de farináceos, e a qualidade da carne (e das batatas cortadas à mão com aquelas extremidades mais finas que ficam ainda mais crocantes)  elevam o prato todo ao paraíso dos bifes.  Espero que passe a ter presença definitiva na carta.

De sobremesa, farófias com gelado e crocante de avelãs (não me causou grande emoção) e uma belíssima versão de mousse de chocolate sob forma de rolo com caramelo e um gelado de manteiga de amendoim. Belíssima conjugação de diferentes texturas, macias e crocantes, com a adição do caramelo que é sempre um bom companheiro. A minha escolha vai para a tartelette de maçã assada com gelado de baunilha e creme diplomate. 

Tudo regado com os bons vinhos da adega de Torre de Palma.

 

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Farófias e avelãs

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O chocolate e o caramelo salgado

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Quem esteja pelo Alto Alentejo, vá experimentar o Palma. Há quanto tempo eu tinha desejo de que houvesse assim um restaurante, em que, sem twists mas com muita personalidade, ingredientes de grande qualidade e técnicas imaculadas, se pudessem comer bons pratos tradicionais. E onde o objectivo principal fosse a felicidade do comensal e não a exibição de talentos do chef.

 

Nota: este post resultou de 2 jantares. Beberam-se vinhos de Torre de Palma.