Esta semana fui a Fátima com uma amiga. Ainda não conhecia o santuário novo e era uma boa oportunidade. Estava a viagem marcada para meio da manhã, mas umas reuniões zoom vieram perturbar a ordem dos acontecimentos e acabámos por sair já depois do meio-dia. E assim, em vez de almoçarmos depois da visita e das devoções, acabámos por almoçar antes. Acho que nunca fui a Fátima sem ir à Tia Alice. Porque a minha ligação com este restaurante é mais uma devoção que, como coisa ligada à fé, se torna muito emocional, complicando este post que estou a tentar escrever. [Ainda a propósito de Fátima e já me calo com o assunto: tive um grande desgosto porque o local onde eu verdadeiramente conseguia encontrar espiritualidade, a capelinha do Santíssimo Sacramento, acabou e reabriu por baixo da basílica, transformando-se numa grande capela como as demais. Quem conheceu sabe do que estou a falar]. Não é um restaurante para ir a toda a hora dada a exiguidade da carta, mas é definitivamente um local onde volto de vez em quando com o prazer de quem não vai ser surpreendido, com a certeza de que tudo está igual e perfeito. E isso raramente se encontra num restaurante, numa época em que todos querem surpreender e em que ninguém quer comer a mesma coisa duas vezes.
Adiante. Estando a chover e sendo dia de semana incaracterístico não tinha feito reserva. Erro monumental. Havia uma bicha pelas escadas abaixo, mas disseram-nos que em meia hora teríamos mesa. E passados apenas 20 minutos já tinham sentado aquela gente toda, nós incluídas.
Deu-me tempo para ver as instalações que estão lindíssimas. Decoração monacal, sem ser demasiado minimalista, devido às fotos e aos quadros. Fotos muito bem escolhidas de várias fés, algumas do recinto, mas artísticas e não documentais. Muito branco. Muito limpo. Muito confortável. Intemporal. O jardim exterior é muito bonito, com decoração vegetal meia silvestre. As casas de banho sempre limpas e providas dos materiais necessários. O serviço está a cargo de várias senhoras impecavelmente trajadas e harmoniosas. Os pratos têm pequenas flores, as toalhas e os guardanapos são alvos, os copos de boa qualidade (a carta de vinhos é rica e com preços bastante elevados). Eu ousaria dizer que ali se respira espiritualidade, mais do que em certos locais de Fátima.
Quando o restaurante nasceu pela mão da Tia Alice em 1988, a ementa já era constituída apenas por 3 pratos de peixe e por 3 de carne, as suas especialidades, aquelas que sempre fizera durante os longos anos que vivera em Moçambique com o marido e os filhos. Alice apaixonara-se pelo futuro marido com 13 anos e, apesar de contrariada e até mandada para um colégio de freiras pelo pai que não apreciava o rapaz, manteve-se sempre fiel e acabou por casar com ele por procuração assim que fez a maioridade. Depois, embarcou sozinha para a colónia onde já labutava o marido. O restaurante teve pouca clientela até um ano depois José Quitério ter ido lá almoçar duas vezes seguidas. Quitério «fazia restaurantes», embora raramente os desfizesse porque não gostava de falar do que era mau. Logo nesse sábado em que a crítica saiu no Expresso, formou-se a primeira bicha na escada, a tal de que eu fiz parte esta semana. A Tia Alice ficou eternamente grata ao José Quitério que lhe encheu a casa. A crítica de Quitério, grande defensor da desmistificação da mirabilia fatimiana chamou-se O Quarto Segredo de Fátima. Os pastorinhos receberam o nome de os 3 zagais, pegando Quitério no nome dados ao pastor nas novelas pastoris, como as de Bernardim Ribeiro ou Sá de Miranda.
A lista continua curtíssima, dominada pelo famoso arroz de pato. São 5 de peixe e 4 de carne, sendo que dois são de bacalhau gratinado, dois de açorda – camarão e bacalhau - e, o arroz de robalo. De carne, o feijão com costelinhas à transmontana, a vitela assada em forno a lenha, o arroz de pato e a chanfana em forno a lenha. Desta vez optámos pelo bacalhau com camarão e pela vitela assada. Os pratos são todos executados na perfeição, não há um reparo a fazer. A vitela vem em lindas fatias grossas decoradas com um palito de cenoura al dente e acompanhadas por meia dúzia de batatinhas assadas e duas cebolinhas. O molho resulta da confecção e tem textura fina e uniforme. A vitela corta-se à colher. Eu, que sou pouco adepta de bacalhau tipo com natas e outros molhos disfarçantes, gosto muito do gratinado: lascas perfeitas e grandes, batatas em palitos, poucas, e um molho branco escasso que só envolve mas não empapa. Vem em recipiente oval de barro, gratinado por igual e com ligeiros pendentes de molho nos lados que também gratinaram. O verdadeiro bacalhau «espiritual», depurado de acessórios e de uma constância que comove.
A Tia Alice ainda continua a ir ao regulamente ao restaurante e está fabulosa.
infelizmente, perdi as fotos desta ida ao restaurante e tive de usar as do FB do Tia Alice. Obrigada.
A terminar, um aviso. Marque sempre mesa, e tenha cuidado se procurar na net porque vai aparecer-lhe um restaurante Tia Alice e a tendência é logo para marcar aquele número. Cuidado porque é em Negrais. Procure sempre Tia Alice Fátima.
O pão é cozido no restaurante em forno a lenha. O couvert de pão com manteiga é muito bom.
Bacalhau gratinado com camarão
Vitela assada
Noz e ovos moles
TIA ALICE
Av. Irmã Lúcia de Jesus 152, 2495-557 Fátima
Tel: 249 531 737