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Conversas à Mesa

AS ROUPAS VELHAS

 

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No que diz respeito a comidas natalícias, eu tenho uma favorita. Não é peru, não é cabrito nem porco, nem sequer o clássico bacalhau com couves, mas este último é necessário para o fazer. Trata-se, já adivinharam certamente, da Roupa Velha. É a melhor coisa que há. Para além de fazer sempre uma boa quantidade, tenho sempre o olho em cima dos comensais e guardo na cozinha a sete chaves uma boa porção de bacalhau e de couves, não vá dar a louca no pessoal e acabarem-me com o stock.

Este ano fiquei a conhecer a «roupa velha» do Thanksgiving estado-unidense. Estou por aqui, no novo continente, e já vos digo que fiquei fã da «roupa velha» deles. Em casa de amigos, o jantar de Thanksgiving foi o clássico. Primeiro, o peru, bem injectado com uma marinada fumada que lhe deu uma especial profundidade de sabor e frito num panelão gigante de óleo durante cerca de 30-45 minutos – garanto-vos que assim frito fica maravilha, crocante por fora, húmido por dentro. Depois, recorre-se às centenas de molhos, ou gravys, disponíveis. Há as versões já prontas em frasco, as secas em pacote. Com a intervenção de um golo de vinho, um bom caldo de galinha e uns cogumelos frescos, fica uma perfeição. Depois, o molho de arandos, o cranberry sauce. Desde há muitos anos que este molho tem tradicionalmente a forma de geleia e sai de uma lata para ser cortado em fatias. Hoje em dia, é costume fazer-se me casa com os arandos frescos uma compota que leva pouco açúcar, fica com os pedaços dos frutos e tem um sabor levemente ácido. Na sexta-feira,  foi dia de «roupa velha»: sanduíche de peru. Pão de fatia, barrado com um molho de chipotle (malaguetas fumadas que acentuam o sabor fumado do peru), uma camada de peru fatiado fino e o grande finale, uma outra camada de cranberry sauce, mais uma compota de arandos. Para dar cremosidade, um bom queijo que derreta um pouco. Nós usámos umas fatias de Munster, mas qualquer outro, até mozarela, serve.

Depois, unta-se um pequeno tabuleiro, leva-se ao forno e vira-se a meio. Serve-se com picles e com o que quisermos.
Mais uma prova de que as sobras são do melhor que há e que as «roupas velhas» deste mundo rompem bem meias-solas. Veja-se o caso das fatias de bolo-rei torradas com manteiga, bem melhores que o original.

Uma pergunta final: conhecem algum tipo de aproveitamento da comida do Natal que seja melhor que o original? Comuniquem por favor.

 

 

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O CULTO NA TIA ALICE

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Esta semana fui a Fátima com uma amiga. Ainda não conhecia o santuário novo e era uma boa oportunidade. Estava a viagem marcada para meio da manhã, mas umas reuniões zoom vieram perturbar a ordem dos acontecimentos e acabámos por sair já depois do meio-dia. E assim, em vez de almoçarmos depois da visita e das devoções, acabámos por almoçar antes. Acho que nunca fui a Fátima sem ir à Tia Alice. Porque a minha ligação com este restaurante é mais uma devoção que, como coisa ligada à fé, se torna muito emocional, complicando este post que estou a tentar escrever. [Ainda a propósito de Fátima e já me calo com o assunto: tive um grande desgosto porque o local onde eu verdadeiramente conseguia encontrar espiritualidade, a capelinha do Santíssimo Sacramento, acabou e reabriu por baixo da basílica, transformando-se numa grande capela como as demais. Quem conheceu sabe do que estou a falar]. Não é um restaurante para ir a toda a hora dada a exiguidade da carta, mas é definitivamente um local onde volto de vez em quando com o prazer de quem não vai ser surpreendido, com a certeza de que tudo está igual e perfeito. E isso raramente se encontra num restaurante, numa época em que todos querem surpreender e em que ninguém quer comer a mesma coisa duas vezes.

Adiante. Estando a chover e sendo dia de semana incaracterístico não tinha feito reserva. Erro monumental. Havia uma bicha pelas escadas abaixo, mas disseram-nos que em meia hora teríamos mesa. E passados apenas 20 minutos já tinham sentado aquela gente toda, nós incluídas.

Deu-me tempo para ver as instalações que estão lindíssimas. Decoração monacal, sem ser demasiado minimalista, devido às fotos e aos quadros. Fotos muito bem escolhidas de várias fés, algumas do recinto, mas artísticas e não documentais. Muito branco. Muito limpo. Muito confortável. Intemporal. O jardim exterior é muito bonito, com decoração vegetal meia silvestre. As casas de banho  sempre limpas e providas dos materiais necessários. O serviço está a cargo de várias senhoras impecavelmente trajadas e harmoniosas. Os pratos têm pequenas flores, as toalhas e os guardanapos são alvos, os copos de boa qualidade (a carta de vinhos é rica e com preços bastante elevados). Eu ousaria dizer que ali se respira espiritualidade, mais do que em certos locais de Fátima.

 

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Quando o restaurante nasceu pela mão da Tia Alice em 1988, a ementa já era constituída apenas por 3 pratos de peixe e por 3 de carne, as suas especialidades, aquelas que sempre fizera durante os longos anos que vivera em Moçambique com o marido e os filhos. Alice apaixonara-se pelo futuro marido com 13 anos e, apesar de contrariada e até mandada para um colégio de freiras pelo pai que não apreciava o rapaz, manteve-se sempre fiel e acabou por casar com ele por procuração assim que fez a maioridade. Depois, embarcou sozinha para a colónia onde já labutava o marido. O restaurante teve pouca clientela até um ano depois José Quitério ter ido lá almoçar duas vezes seguidas. Quitério «fazia restaurantes», embora raramente os desfizesse porque não gostava de falar do que era mau. Logo nesse sábado em que a crítica saiu no Expresso, formou-se a primeira bicha na escada, a tal de que eu fiz parte esta semana. A Tia Alice ficou eternamente grata ao José Quitério que lhe encheu a casa. A crítica de Quitério, grande defensor da desmistificação da mirabilia fatimiana chamou-se O Quarto Segredo de Fátima. Os pastorinhos receberam o nome de os 3 zagais, pegando Quitério no nome dados ao pastor nas novelas pastoris, como as de Bernardim Ribeiro ou Sá de Miranda.

A lista continua curtíssima, dominada pelo famoso arroz de pato. São 5 de peixe e 4 de carne, sendo que dois são de bacalhau gratinado, dois de açorda – camarão e bacalhau - e, o arroz de robalo. De carne, o feijão com costelinhas à transmontana, a vitela assada em forno a lenha, o arroz de pato  e a chanfana em forno a lenha. Desta vez optámos pelo bacalhau com camarão e pela vitela assada. Os pratos são todos executados na perfeição, não há um reparo a fazer. A vitela vem em lindas fatias grossas decoradas com um palito de cenoura al dente e acompanhadas por meia dúzia de batatinhas assadas e duas cebolinhas. O molho resulta da confecção e tem textura fina e uniforme. A vitela corta-se à colher. Eu, que sou pouco adepta de bacalhau tipo com natas e outros molhos disfarçantes, gosto muito do gratinado: lascas perfeitas e grandes, batatas em palitos, poucas, e um molho branco escasso que só envolve mas não empapa. Vem em recipiente oval de barro, gratinado por igual e com ligeiros pendentes de molho nos lados que também gratinaram. O verdadeiro bacalhau «espiritual», depurado de acessórios e de uma constância que comove.

A Tia Alice ainda continua a ir ao regulamente ao restaurante e está fabulosa.

infelizmente, perdi as fotos desta ida ao restaurante e tive de usar as do FB do Tia Alice. Obrigada.

A terminar, um aviso. Marque sempre mesa, e tenha cuidado se procurar na net porque vai aparecer-lhe um restaurante Tia Alice e a tendência é logo para marcar aquele número. Cuidado porque é em Negrais. Procure sempre Tia Alice Fátima.

 

 

 

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O pão é cozido no restaurante em forno a lenha. O couvert de pão com manteiga é muito bom. 

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Bacalhau gratinado com camarão

 

 

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Vitela assada

 

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Noz e ovos moles

 

TIA ALICE

Av. Irmã Lúcia de Jesus 152, 2495-557 Fátima

Tel: 249 531 737

 

VISITA AO VISTAS RUI SILVESTRE

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Um dos restaurantes com uma estrela do cluster Michelin algarvio, o Vistas fica situado perto de Cacela, no Sotavento. Faz parte de um hotel, o Monte Rei Golf & Country Club, dedicado a este desporto e constituído por uma zona de moradias espalhadas no enorme terreno e outra de pequenas unidades de quartos e apartamentos. A parte restaurativa e o clube de golf estão reunidos numa grande e bonita casa de estilo colonial espanhol. O Vistas é de decoração minimalista e pé muito alto, sendo as vastíssimas janelas o principal elemento ornamental.

Rui Silvestre, o chef, já teve estrela Michelin no Bombom, também no Algarve. A cozinha que faz no Vistas é a de produto. Trabalha sobretudo com o nosso marisco e peixe do mar. Já passou a época em que os Michelins recriavam pratos tradicionais portugueses, como o cozido ou o leitão. Hoje a tendência em todo o mundo é fazer dos produtos locais o centro da cozinha e colocando a identidade do chef na forma como estes são trabalhados. Rui Silvestre domina as técnicas francesas, visível nos seus pratos.

O preço das refeições nos 1 estrela Michelin em Portugal rondam os 140 – 190 por menu de degustação, sendo que praticamente todos trabalham apenas com este tipo de oferta. O Vistas não é exceção. A refeição que fiz, como irão ver pelas fotos, baseia-se muito no marisco e no peixe, de preferência locais e com o seu entorno. A faceta estética dos pratos e das loiças é bem cuidada, recorrendo-se a alguns efeitos especiais, como os fumos do gelo seco, à adição dos caldos bem trabalhados e cheios de sabor à mesa, e ainda ao recurso a elementos clássicos de luxo, como caviar. Houve ali um momento no meio da refeição em que se sucederam dois ou três pratos de marisco de sabores umami tão concentrados que precisaram do descanso do prato seguinte.

Foi uma refeição que checou todos os pontos que esperamos encontrar neste tipo de restaurante, com pormenores divertidos e com um serviço impecável. Duas palavras de louvor: uma para a Sara, chef de sala, que fez um atendimento perfeito, e que soube sair do habitual tratamento formal com muita categoria e de forma muito inteligente. M;uitos parabéns. A outra para o sommelier José Marta, que soube informar sem maçar e me escolheu um copo de vinho perfeito para mim e para acompanhar toda a refeição.

Vou confessar-vos aqui que uma das coisas que mais me atrai num Michelin é o serviço. A forma como somos recebidos, como se fossemos os reis da Prússia,  e como cuidam permanentemente de nós ao longo da refeição, como nos trocam o guardanapo sempre que nos levantamos, como dão atenção a todas as nossas necessidades, tudo isto vale por si só o dinheiro que se paga. Acho que os empregados de sala deste tipo de restaurantes são as pessoas que melhor me tratam na vida.

No Vistas, a conjugação de uma excelente refeição com um serviço superior vale a visita e a revisita. Achei que as sobremesas não estavam à altura do resto da refeição, seria essencial investir nesta área tão importante em Portugal.

Seguem-se as fotos dos pratos. Infelizmente, de alguns pratos só tenho vídeos e não tenho a descrição de todos. as fotos dizem respeito a dois menus diferentes. 

 

 

 

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Bloody ostra, caril de mexilhão com caviaroscietra, 

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José Marta, o sommelier, com o vinho aconselhado: um Lafões DOP: Chão do Vale, vinhas velhas, com a acidez e mineralidade que eu muito aprecio. 

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Cavala, azeite e gaspacho, rissóis de berbigão

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Atum rabilho e ostra

 

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A chefe de mesa, a preciosa Sara. 

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No terraço dos Vistas

 

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Alfarroba e chocolate

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Leite e bolacha Maria

 

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Vistas Rui Silvestre

Monte Rei Golf & Country Club 

 Sitio Do Pocinho – Sesmarias, 8901-907

Vila Nova de Cacela, Portugal 

vistasruisilvestre@monterei.com 

Tel:  +351 281 950 950  

 

 

O LOBO MAU, LOBO MAU, LOBO MAU

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Hugo Guerra é o chef e proprietário do restaurante Lobo Mau, explica ele porque era o nome pelo qual era conhecido entre os amigos na juventude. Não perguntei porquê, mas ele tem ar de quem sabe bem cozinhar os três porquinhos.

O Hugo é um calmeirão dotado dos habituais atavios dos atuais cozinheiros, a saber, muita tatuagem, cabelo com corte à chef, barba. Mas tem uma coisa que nem sempre é vulgar: tem cultura da área, sabe conversar e sabe do que está a falar, e isso reflete-se na comida que nos apresenta. Mas já lá vamos.

O espaço do Lobo Mau é interessante, não é aquela tela branca minimalista muito igual, nem aquele bricabraque de objetos da Feira da ladra ou da arrecadação da avó, nem todo verde tipo selva amazónica plastificada. Tem alguns objetos antigos de grande dimensão bem colocados e reutilizados, como as malas de porão transformadas em estantes. E alguns verdes. E a tranquilidade dos espaços minimalistas. Muito agradável.

Voltemos então aos comes e bebes. Bons produtos, base portuguesa com tendências atuais, eu sei que disso há muito. Mas aqui há combinações com sendo e, sobretudo, muita mão na cozinha, o que se traduz em resultados muito saborosos.

Das  entradas, experimentei os brioches de camarão com contrapartes vegetais que não lhe tiravam o sabor. Parece-me mais um almoço e um bom almoço. Ah, já me esquecia, gostei imenso de uma manteiga de anchovas que veio com o pão. Muito bem feitos, os pastéis de massa tenra com um recheio inesperado de peixe, que nos remete para a pergunta: por que razão não se fazem? uma ideia genial. só precisavam de um bocadinho mais de ar e menos aperto. os pastéis de massa tenra têm de ter ar .

Depois, comi corvina com feijão-branco, em puré e em si mesmo, com espinafres. Bom peixe, a corvina, já foi desprestigiado e hoje felizmente é de valor reconhecido. Uma combinação original e muito bem conseguida, com a terra do feijão a fazer sobressair o mar do peixe.

À hora da sobremesa, não há que hesitar. Embora tenha provado, só provado, a Pera bêbeda, mousse de café e crumble de amêndoa, a Rabanada com caramelo salgado e framboesas é imprescindível. Feita com brioche, tipo french toast, complementada pelo caramelo rico e cremoso, doçura mitigada pela acidez das framboesas.

Acompanhei a refeição com um branco transmontano, o Mabitxo, uma boa aposta transversal a todos os pratos.

Se não conhece, vá experimentar, caso ou assim que possa. Vá por mim.

 

 

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Manteiga de anchovas

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Pastéis de massa tenra de peixe


 

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Hot dogs de camarão

IMG_8544.jpgCorvina com texturas de feijão branco e espinafres

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Pera bêbeda, mousse de café e crumble de amêndoa

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LOBO MAU

Rua Pascoal de Melo 71 A

1000-232 LISBOA

Tel: 911 081 498

https//www.lobomaurestaurante.com