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Conversas à Mesa

FARINHEIRAS HÁ MUITAS

 

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Hoje continuamos no tema da matança do porco, mas interrompo a parte das histórias da matança para vos falar do meu enchido favorito, a farinheira. Como o nome indica, são á base de farinha. Hoje vou aqui falar de várias, que provavelmente não conhecem.

No cozido, o meu conjunto favorito é a farinheira, com o nabo (fundamental), o arroz e a couve. Mais do que nenhum outro enchido, a farinheira deve ser de qualidade.

Embora as farinheiras se façam por todo o país, são enchidos tipicamente alentejanos. São enchidos pobres, mas muito saborosos e versáteis, à base de carnes gordas e entremeadas da barriga e de gorduras das tripas, tudo cortado em miga fina.

 

Como disse no começo, há diversos tipos de farinheira, nomeadamente a de trigo, a de sangue, ou preta e a de batata.

 

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A farinheira de Portalegre IPG (à base de porco de raça alentejana, excluídos os varrascos e as porcas reprodutoras) é temperada com sal, alho, massa de pimentão, vinho e/ou sumo de laranja. Mistura-se e fica no alguidar cerca de dois dias. Mexe-se regularmente e, se a massa estiver seca, junta-se água. Mistura-se a farinha e o colorau e escalda-se a massa com água a ferver, mexendo bem. Na zona de Estremoz-Borba juntam-se mais algumas gorduras ao adicionar a farinha, que é de trigo. Enchem-se em tripa de porco ou de vaca, mas sem colocar massa em demasia, deixando as pontas livres, e não se picam. Passam-se por água morna e penduram-se para fumar durante um mínimo de 3 dias. A fumagem é sempre muito leve. Onde comprar: mercearias e supermercados ( a marca SEL, Salsicharia Estromecense, costuma ter bons produtos).

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A farinheira de batata faz-se na zona raiana de Portalegre e é uma verdadeira delícia. Se conseguir comprá-la, recomendo que a experimente, mas a única maneira é bater portas nas aldeias em redor de Portalegre. Infelizmente raramente se encontra à venda. Nesta farinheira, grande parte da farinha de trigo é substituída por batata cozida esmagada com um garfo. Nalgumas casas, juntam-lhe massa de pimentão, noutras só colorau. Vai ao fumo e pode comer-se crua, cozida ou frita.

 

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A melhor farinheira de sangue é a do pano (foto de capa), e faz-se na serra de Monchique, no Algarve. Em vez da tripa, é embrulhada em pano branco de lençol e cosida com fio de algodão,  o que já a torna diferente. Estes saquinhos chamam-se talegos. A farinheira de milho de Monchique também é chamada de Morcela de farinha. Além de levar o sangue, a farinha usada na sua confeção é de milho. Tem textura cremosa, e sabor rico em especiarias, onde se salienta a canela. Infelizmente, o pano está a ser substituído por tripa, muitas vezes sintética. Esta farinheira foi escolhida por mim para selo da colecção filatélica, representado o Algarve.

Onde comprar:  Carreirinha das Moças, Monchique, 282 911 617, enchidosfatimavarela@gmail.com
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Para saber mais sobrer a matança e para se deliciar com tudo o que dela nos advém, inscreva-se neste almoço em Alter do Chão, liderado pelo chef Foilipe Ramalho, do restaurante Páteo Real, de Alter. Eu estarei lá.

 

Fotos de Mário  erdeira

Texto baseado no livro Sabores do Ar e do Fogo, da mina autoria e edição CTT

 

 

 

O DIA DA MATANÇA DO PORCO COM FILIPE RAMALHO

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Dia 11 de Fevereiro, o chef Filipe Ramalho (restaurante Páteo Real, em Alter do Chão, Alto Alentejo), faz um almoço da matança do porco, acompanhado pelo lado lúdico da música, a cargo do Cante Alentejano do grupo Os Cá d’Cima. O dia

Começa com a matança, às 9 h, segue com o pequeno-almoço típico de migas de pão com toucinho frito e café. Depois, ensina-se a desmancha do porco. O almoço é preparado em cocaria alentejana: sopas de cachola, serrabulho, carnes grelhadas e migas de pão. A abrir, os enchidos da Salsicharia Canense, papa ratos e torresmos do rissol. Um dia passado em redor desse animal de que tudo se aproveita, o nosso bacalhau de terra.

 

Segue-se a primeira parte de um texto do meu livro Sabores do Ar e do Fogo, sobre a matança do porco. A segunda parte sairá para a semana que vem.

 

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«Que, depois de morto, é óptimo, não há dúvida e n’isso se assemelha a muitos indivíduos da espécie humana que, quando se vão d’esta para a outra vida, passam a ser todos excelentes.»

Costa Caldas

Revista A Tradição, Serpa, Outubro 1903

Está um frio rijo, um daqueles dias de janeiro de ar completamente limpo que nem o sol aberto conseguirá aquecer. Ainda não são sete da manhã e já o pessoal, alguns familiares e amigos, se juntaram na casa de quem vai matar. Os homens concentram-se à porta, a sorver golinhas de aguardente ou a beber vinho tinto, e a depenicar um lastro de figos secos e castanhas, distraindo-se enquanto esperam o matão. Lá dentro, as mulheres tomam café e fazem os preparativos para esse dia e para o seguinte, o da desmancha. Na véspera, tinham posto a casa num brinco e preparado alguidares e todo o material necessário. No concelho transmontano de Vinhais já se anda cansado de tanta matança e comilança, que a época está mesmo no fim e para trás fica uma vasta roda destas funções.

 

 

A matança do porco não é apenas mais um dia de festa ou de trabalho. Não pode ser vista isoladamente, mas sim integrada num numa quadra festiva que se prolonga pelos meses de Novembro e Dezembro, entrando, por vezes, em Janeiro.  Caracterizada pelos prolongados excessos alimentares e pelo ludismo, prepara o corpo e a mente para suportar os rigores e a dormência do Inverno. Foi esta a lição ensinada pelo antropólogo Brian Juan O’Neill, que viveu durante dois anos e meio na aldeia raiana de Seixas, perto de Vinhais, a estudar o fenómeno da matança enquanto “actividade humana produtiva, festiva, lúdica competitiva e ostentosa”.

Outras perspectivas há acerca da matança, como a do galego Cunquero que, do outro lado da raia, vê a matança como uma festa dos cristãos-novos, um estandarte da sua inquestionável cristandade, numa época em que a Inquisição não dava tréguas, mesmo em aldeias remotas.

Em Trás-os-Montes, a matança, ou mata-porco, tem lugar no fim da apanha da castanha e da noz e da semeadura do centeio e calha mesmo na altura de abrir o vinho. Coincide também com a época da inanição da natureza, que deixa de produzir para entrar em dormência profunda, cobrindo-se em alguns locais com manto de neve.

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Marco na vida comunitária da ruralidade,. , cujo relógio é a sucessão das actividades agrícolas, a matança congrega o espírito da formiga, que prepara a despensa para os rigores do Inverno, e o da cigarra, cujo espírito lúdico não tem parança. [...] Nenhum outro animal, seja ele cabra, ovelha, vaca, ou até a sempre cobiçada caça, provoca tão grande alvoroço na vida quotidina como o porco. O abade de Baçal chamou-lhe «o animal mais prestadio da culinária transmontana». A matança é acompanhada por uma forte componente lúdica, bastante mais intensa do que a presente em ceifas, desfolhadas, vessadas, vindimas, malhas de centeio ou espadeladas de linho. Às brincadeiras, como meter a unha do cochino no bolso do mais incauto ou de lhe pendurar o rabo suíno no cós das calças, ao desfiar de histórias masculinas ou femininas, às cartadas de bisca ou de sueca, aos prazeres da comida e da bebida, junta-se  a força «do erotismo difuso que paira no ar, e das liberdades que ocorrem, do sentido da fartura que deles emana, e a sua integração na ordem natural», conforme observou Ernesto Veiga de Oliveira, grande renovador da Etnologia em Portugal, em meados do século XX.

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SABORES DO AR E DO FOGO - FÁTIMA MOURA - EDIÇÕES CTT

FOTOS DE MÁRIO CERDEIRA

Para a semana, continuamos com a matança. 

A CHEF WANDA FAZ UM ALMOCO TAILANDÊS EM MINHA CASA

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As cozinhas asiáticas são para mim um mistério e não me atrevo a cozinhar pratos a partir de receitas. Não porque eu ache que seria uma condenável apropriação cultural pegar em receitas de outras culturas e tentar reproduzi-las. A cozinha é um património comum e as receitas não têm copyright. Não porque ache politicamente incorrecto reproduzir receitas de outros povos ou até modificar pratos tradicionais, desde que seja transmitido o processo usado e respeitadas as origens. Não me atrevo a cozinhar pratos asiáticos porque não tenho o ADN para os compreender e fazer bem. Bom, mas todas estas divagações apenas para vos contar que fiz um almoço de cozinha tailandesa em minha casa, mas quem cozinhou foi uma private chef tailandesa, a Wanda. Conheci-a num jantar tailandês na Cozinha da Mouraria e gostei imenso do que comi.

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A Wanda deu-me a escolher a ementa de entre várias possibilidades e eu deixei-me mais guiar por ela. Chegou antes da hora do almoço, para podermos fazer umas fotos dos pratos e partilhar convosco. Trazia as coisas adiantadas, mas ainda aqui se fez uma boa parte. Com ela vêm todos os ingredientes e a palamenta necessária.

Para valorizar a cozinha tailandesa, de forte componente estética, usei os pratos da Fimissima, que representa várias loiças aqui em Portugal, todas elas preciosas. Aqui ficam fotos também. Se quiserem ver mais, vão ao instagram @fimissima_associados.

 

 

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E para vos dar as imagens que a Wanda, a Fimissima e vocês merecem, pedi ao Mário Cerdeira para fazer as fotos e os pequenos vídeos. Elas falam por si.

A ementa foi a seguinte:

Entradas

Yom Neha Yong – salada de vegetais frescos (tomate, pepino, etc) com carne do lombo grelhada e molho de lima

Rolinhos de Verão - legumes e camarão em crepes de arroz

 


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Sopa

Tom Yum Kung – caldo tradicional tailandês com camarão, cogumelos, folha de lima kefir, lima e leite de coco. Tom refere-se ao que é cozido em água.

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Pratos principais

Pad Thai Kung - A palavra kung refere-se ao marisco usado neste pad thai, um prato de massa com camarão, cebolinho, lima e rebentos de soja. Pad refere-se ao que é feito na grelha.

 

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Gang ped pet- Gang ped é a pasta de caril vermelho, extremamente aromática. Pet é pato, cujo peito fatiado é usado neste caril. Além do pato, abacaxi, líchias e leite de coco. Acompanha com o arroz de jasmim, tipicamente tailandês.

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Sobremesa

Kao Neaw Mamuang

Quadrados de arroz glutinoso com manga e leite de coco temperado com sal. Kao Neaw significa arroz glutinoso. Mamuang quer dizer manga.

 

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Os meus convidados adoraram, ficamos 3 horas à mesa a conversar e a comer. Agora ficam as imagens dos pratos. Se ficaram cheios de vontade de provar, é so chamar a Wanda. (instagram: @wandakitchen_lx). E não se esueçam dos pratos da Fimissima.