WELLINGTON, UMA BELA SURPRESA
Fui à Freineda para a anual Festa do Bucho. Além do almoço tradicional, havia a comemoração das batalhas ali travadas pelo exército anglo-luso sob o comando do general Wellington que consistem em encenações das escaramuças pela aldeia fora com tiros de canhão e tudo, mas sobretudo há um restaurante chamado Wellington.
No dia da chegada, lá me dirigi para jantar e conclui que a nossa restauração vai indo forçosamente bem quando numa aldeia como a Freineda, com 150 habitantes e distante cerca de 20 minutos da cidade mais próxima, se pode comer tão bem num restaurante tão agradável e este mesmo restaurante pode ser sustentável.
Fábio Vaz, o chef do restaurante Wellington com o Wellington, um cão meigo que apareceu por ali perdido e foi adoptado pelo restaurante. o seu papel é saudar os clientes à entrada.
O Wellington surgiu pela mão de dois sócios, o Rui, que vive em Madrid, e já tem um turismo rural na aldeia, e o Fábio, o chef, ambos oriundos da Freineda. Ambos partilhavam a mesma visão, a de homenagear a gastronomia da região e partilhar tudo o que de bom ali há e que fez parte da sua criação. Queriam fazer um restaurante que atraísse gente das cidades (sendo a Guarda a mais próxima) e têm vindo a conseguir. O ambiente do restaurante é de tranquilidade. A casa foi construída sobre uma já existente e tem grandes janelões a toda a volta que a integram na natureza onde está implantada. Por dentro, muita madeira e pedra. A receber-nos, na entrada, um bonito bar em madeira e uma garrafeira. Nas traseiras, uma horta e árvores de fruto. A decoração é feita com elementos naturais e o serviço ajuda a que nos sintamos bem e transmite simpatia.
Jantei lá num Sábado e todas as mesas estavam ocupadas. Para atrair gente ao almoço, o chef Fábio Vaz serve uma refeição especial de 4 pratos que vão variando, sendo alguns da carta, outros novos. Ao dia de semana o preço do almoço é de 12,5 euros. Irresistível. A carta baseia-se na cozinha local que o chef recria sem nunca trair. Como é o caso da transformação do bucho regional de que vos falarei em seguida.
Tudo o que comi resultava de uma conjugação harmoniosa dos produtos locais e das receitas regionais com a intervenção talentosa do Fábio. Essa intervenção nunca é desprovida de lógica e serve sempre para melhorar sem trair, para trazer os sabores para os dias de hoje ou para intensificar texturas. Para voltar a comer no Wellington, confesso que fazia novamente a viagem de comboio da linha da Beira Baixa até à Guarda num total de 4 horas e 20 minutos, mais outro tanto para a volta.
Entradas
Pão, manteiga de alho, patê de bacon frito e patê de azeitonas com pimentos curtidos
Em seguida chegou uma tábua com entradas: presunto de pata negra criado a bolota (muito bom), queijo da região, e a Tempura de Bucho.
É desta última que vos vou falar. O bucho é um enchido típico da região da Guarda destinado a aproveitar o reco até às últimas consequências (para saber mais sobre o bucho veja o post anterior aqui). O Fábio teve a fabulosa ideia de o servir cortado em pedacinhos que se metem na boca de uma só vez e que são fritos em tempura. A tempura é levíssima e o resultado muito bem conseguido. Completamente viciantes, acho que eu sozinha comi uma porção para 3 pessoas. O bucho em si era bom, sem excesso de colorau e sem ossículos. O bucho inteiro cozido também faz parte da carta, caso queira a experiência mais tradicional, acompanhado com arroz cremoso de grelos, ou também com um puré de grão, grelos e crumble de morcela.
De seguida veio uma sopa bem quente, que muito bem soube: um caldo verde em que a base era a tradicional, sendo que a couve-galega (vinda da horta do restaurante) é salteada com alho e colocada no centro da sopa para o comensal misturar a gosto, e as toras de chouriço foram previamente assadas. Gostei imenso da ideia da couve ter sido salteada porque fica estaladiça e não faz aqueles conglomerados moles. Não ficou esquecido o típico fio de azeite final.
Na Beira fica sempre bem que o prato de peixe seja bacalhau. No caso vertente, uma lagarada dele. Este é um prato característico do lagar de azeite: enquanto se espera, juntam-se os ingredientes que cada um levou de casa, uns o gadídeo (não consigo escrever isto sem tirar o chapéu a quem usava tão bem este termo, o José Quitério), outros a batatinha e a cebola, outros o alho e os pimentos. Dado que o azeite escorria em abundância nesse dia, usava-se à tripa forra para misturar no bacalhau, previamente assado, e com os restantes adubos. Curiosamente, rudo era misturado junto usando as mãos. A lagarada vinha em rodela, encimada com pimentos vermelhos. Cada garfada trazia vários sabores, do bacalhau, da batata, da cebola, tudo bem envolvido em bom azeite e uma grande alegria para a boca. A lagarada tornou-se um dos meus pratos favoritos de bacalhau.
E lá veio a carne. E sim, ainda consegui comer mais um prato, estava tudo tão bom. Carne de vaca local, que a zona tem muito gado vacum, sob a forma estufada, a desfazer-se que se podia comer à colher. A peça usada era muito adequada: o cachaço, que conjuga sabor e suculência. A acompanhar, um arroz de passas. O chef recorda neste prato a casa da avó que o fazia aos domingos para os almoços em família.
Bom, o que não houve já foi lugar para a sobremesa. Se houvesse espaço, teria sido preenchido com mais bites de bucho, o que perfazeria certamente um terabite deles.
Foi tudo acompanhado com um belíssimo e versátil vinho local, uma Reserva Especial da Adega Cooperativa de Pinhel comemorativa da 75º vindima.
Wellington
Largo de Santa Bárbara, 6355-060 FREINEDA (ALMEIDA)
Tel: 961 881 562
Mail: geral@wellingtonrestaurant.pt