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Conversas à Mesa

O mágico Bussaco

Ao Palace Hotel do Bussaco assenta como uma luva a designação de hotel de charme. Uma das razões é, sem dúvida, porque se encontra rodeado pela magia de um frondoso bosque (bos sacrum, possível origem da palavra Bussaco), que já albergou um mosteiro beneditino (da Vacariça, século VI) e um convento de Carmelitas descalços (século XVII), ainda hoje presente.





 

A casa de jantar com o magnífico trabalho neomanuelino



 


Foram estes frades de vida contemplativa que se ocuparam da conservação da mata, violada no princípio do século XIX pelas violentas batalhas que opuseram portugueses e ingleses, comandados por Wellington, aos invasores franceses. Após o triunfo liberal, o convento foi encerrado, como todos os outros, embora alguns monges por lá tenham ficado até à morte do último, em 1860, altura em que a mata ficou entregue a si própria. Nos fins do século XIX foi aqui edificada uma obra de arte neomanuelina de grande envergadura, uma verdadeira jóia barroca já nascida para hotel de luxo, o Grande Hotel da Matta também conhecido por Hospedaria Monumental do Bussaco, cuja exploração estava a cargo do suíço Paul Bergamin (fins do século XIX, embora o edifício ainda não estivesse concluído), que lá continuou a viver com a sua governante mesmo depois da sua venda, em 1917, a Alexandre de Almeida, em cuja posse se manteve até 2012, data em que se deu a fusão das operações deste grupo  com o Grupo Lágrimas, dando origem ao Thema Hotels, do qual faz actualmente parte o Palace Hotel do Bussaco.




 

 O tecto da casa de jantar

 

 

 

                                                                        

 

Nas paredes, as paisagens marítimas de João Vaz

 


 



Há quase dez anos que não ia ao Bussaco, depois de lá passar habitualmente alguns dias de sempre ansiadas férias anuais no Verão de São Martinho. A falta de alternativas locais fazia-me jantar frequentemente no hotel, apesar de os pratos serem pesados, uma espécie de cozinha francesa aportuguesada com vol-a-vents de recheios refogados e meunières com avinagrados e enfarinhados esparregados. Porém, quando soube que havia um novo cozinheiro a trabalhar no Bussaco, resolvi almoçar lá no dia de Ano Novo. Trata-se de Dionísio Ferreira, que curiosamente começou a sua carreira na sala do Astória, o hotel de Coimbra do grupo Alexandre Almeida, para passar em seguida nove anos na Quinta das Lágrimas, sob a chefia de Albano Lourenço.











Falei com ele no fim do almoço, para lhe perguntar sobre o seu projecto actual. A sua ideia é ir progressivamente modernizando a cozinha, continuando a trabalhar com o pessoal já existente.

Vamos então ao almoço. Casa de jantar menos de meia, quase todos os clientes eram espanhóis. Provei todos os pratos do menu do dia (2 entradas, dois pratos de peixe e dois de carne e uma sobremesa). As entradas muito bem, quer a canjinha (desculpem mas nunca consigo dizer canja, para mim é comida de carinho) quer as vieiras com camarão. Nos peixes, o pregado com cuscuz, aceitável, o polvo agradável. O indispensável leitão trazido da Bairrada estava bem, mas a carne do tornedó de fraca qualidade. A sobremesa, única hipótese do menu, um morgado do Bussaco com creme de hortelã, não satisfez.





 

 

 



A famosa adega do Palace foi criada por Alexandre Almeida a partir de 1915 e contém milhares de garrafas de vinho branco, tinto, rosé e champanhe feitos com castas da região, situada na transição entre a Bairrada e o Dão. Têm a particulariedade de se destinarem apenas ao consumo nos hotéis do grupo e são servidos a copo.

 


 

Pormenor do trabalho de madeira do chão da casa de jantar. os raios de luz que se vêm em quase todas as fotos vêm das janelas que dão para a magnífica varanda apensa à casa de jantar




No cômputo geral, a refeição deixou-me com vontade de regressar, pela feliz conjunção da própria refeição, do serviço franco e natural e da beleza e teatralidade dos salões e da casa de jantar. Num dia mais soalheiro, almoçar ou lanchar no terraço faz-nos sentir multimilionários. O menu de almoço foi agradável e com um preço justo de 45 euros sem bebidas. A cozinha está sem dúvida mais arejada e mais moderna e aceitável em termos de casa de jantar de um hotel, mas não de um cinco estrelas e ainda menos de um monumento como o Palace. Como o chef ainda está em fase experimental, eu diria que com alguns ajustamentos e progressos poderá chegar a uma boa cozinha de hotel. Mas o Bussaco merece o melhor e Dionísio Ferreira deve almejar mais. Como, por exemplo, tornar-se uma referência desta região da zona centro, tão pobre em termos restaurativos, para além dos clássicos leitões.




 

O salão nobre com o bar ao fundo, ideal para aperitivos e cafés. em toda a sala as pinturas campestres medievais são de Carlos Reis.  A lareira é uma preciosidade desenhada por Manini. 




Para isso, haveria que criar uma ementa com uma base permanente de produtos da região. Um forno a lenha para o leitão e para o pão seria indispensável neste restaurante da zona da Mealhada. O porco, de leite ou mais crescidinho, poderia ser apresentado em confecções diversas e em combinações modernas. E já agora aproveitava-se o forno também para cabritos e chanfanas. Peixe fresquíssimo se iria buscar ao litoral figueirense para complementar as carnes e aligeirar ementas. A palavra à imaginação de Dionísio Ferreira e, também, aos desígnios dos hoteleiros.

Uma palavra para o serviço. O pessoal da casa de jantar é local e de uma simpatia natural e extrema, mais-valia que pode ser aproveitada se for devidamente enquadrado.

 

Daqui a uns meses  vou regressar para conferir os progressos do chef Dionísio, que tem toda a potencialidade para gradualmente transformar o magnífico restaurante do Bussaco num ponto de referência da sua região.


 

Ementa sem bebidas: 45 euros

Palace Hotel do Bussaco
Mata do Bussaco
3050-261 Luso
Tel.: +351 231 937 970  
E-mail: bussaco@almeidahotels.com

O meu obrigada ao Jorge Tavares da Silva e ao seu livro sobre o Bussaco