Fui feliz no portuense Astória
Através de uma janela de sacada, a vista da minha mesa enche-se com as flores brancas de uma enorme magnólia que dá a partida para a Avenida dos Aliados, banhada num sol de Inverno que transfigura o Porto. Sinto-me muito bem neste ambiente neo-clássico do restaurante Astória, no lindíssimo Palácio das Cardozas onde se aloja o Intercontinental do Porto. Neste local existiu um antigo convento dos Lóios (séc. XV), os frades cujo azul do hábito deu origem a um nome de cor, o azuloio. Destruído este edifício, é só no século XIX que a ordem começa a construção de um novo convento, mas o anticlericalismo liberal obriga à saída dos frades. A fachada é então aproveitada para um palácio construído com os dinheiros do «brasileiro» Cardozo, que por morte o deixa em herança à mulher e filhas, as tais de Cardozas.
Com os toldos amarelos vê-se o café Astória no fim dos anos 50
Foi este palácio que foi recente e sabiamente convertido em luxuoso hotel de cadeia internacional, cuja casa de jantar foi já o conhecido café Astória, com entrada pela Praça Almeida Garrett e cuja principal atracção era a comodidade das suas cadeiras. Eu confirmo, uma vez que o modelo foi mantido.
Pedro Sequeira na casa de jantar do Astória de traços neoclássicos. As cadeiras reproduzem as originais do café.
É aqui que o chef Pedro Sequeira, ex sous-chef na cozinha de Leonel Pereira do Panorama, exerce, e bem, o seu ofício. A sua carreira, começada na escola hoteleira de Coimbra, tem-se processado em grandes hotéis, nomeadamente em vários Sheraton. Ainda jovem, não tem nenhum vedetismo, sabe perfeitamente pôr a sua inteligência ao serviço do serviço da cozinha e tem todas as condições para ter sucesso na via que quiser escolher. Digo-vos agora porquê.
Menu de degustação por 55 euros (5 pratos)
Amuse-bouche
Espaguete de chila com cogumelos do bosque e abóbora assada
Escalope de foie gras sauté, marmelo compotado e crumble de brioche
Quando me sentei à mesa do Astória tinha intenção de provar a ementa do dia por 10 euros, mas ao deparar com o menu de degustação de almoço por 55 euros mudei de ideias porque os pratos me agradaram. Consegui convencer o meu companheiro de almoço a comer o prato do dia que era salmão e a deixar-me provar o mesmo.
Em boa hora. Menu equilibrado em termos de sequência e quantidades. Depois do amuse, também oferecido no menu do dia, chegou um prato bem outonal com duas abóboras: espaguete de chila com cogumelos do bosque e abóbora assada. Muito boa combinação a da entrada do foie com aquela combinação de doce e ácido que só o marmelo sabe transmitir e que torna esta fruta tão preciosa. O crumble de brioche a fazer bem o seu papel em vestes mais leves. Talvez tenha sido esta apresentação do marmelo aquilo que mais me agradou em toda a refeição, nunca o tinha comido num ponto tão perfeito entre a acidez e o doce. E que bela combinação para o foie, que infelizmente não esteve à altura do marmelo.
Risotto de amêijoas à portuguesa, garoupa cozinhada em água do mar e ar de coentros
Carré de borrego em crosta de figo, miga de tomate e espinafres salteados, molho de hortelã
Pudim marfim, crumble de pistácio e gelado de lúcia-lima
O risotto de amêijoas estava muito bem, a garoupa saudável e escorreita o ar de coentros um pormenor muitíssimo bem conseguido. No meu entender, o risotto não deveria ter aquele ligeiro toque de queijo, estava a mais.
Bonito de se ver o carré de borrego combinou muito bem com o figo e desapontou com o clássico molho de hortelã.
A sobremesa tinha a curiosidade do pudim numa belíssima forma de cilindro. Lá estava a eterna quennelle de gelado, mas este de Lúcia-lima é uma sobremesa por si só. Já o tinha experimentado na véspera numa bela ligação com o pudim de castanho e gostado.
Além de bem concebida, a ementa está bem redigida, explica e não complica, que é como deve ser.
O menu de 10 euros dá direito a prato principal fixo, bebida e café. Com 17,5 euros já compra o mesmo mais uma entrada ou sobremesa.
Mas vamos lá agora à ementa dos 10 euros. É uma proposta irrecusável. Além de poder almoçar numa casa de jantar agradabilíssima, com as mais-valias acima enumeradas, tem direito a amuse-boche, um prato principal fixo, que no meu dia era um bonito lombo de salmão com bons acompanhamentos vegetais em várias texturas, bebida (um copo de vinho, cerveja, água) e café. Já no menu de 17,5 euros tem ainda direito a uma entrada ou sobremesa, a escolher entre duas ou três da carta. Irrecusável, sem dúvida. Um detalhe importante, mas que constitui 20% do preço total: há que pagar um couvert de pão e manteiga por 2 euros. Não gostei deste pormenor que só vi na conta. Estando prevenido, torna-se aceitável.
O serviço é jovem e educado.
Comi bem, estive bem, gostei muito. Parabéns ao Pedro Sequeira que com os pés bem assentes na terra, consegue dar-nos um agrado.
Obrigada ao Mário Cerdeira pela maior parte das fotos (as boas, claro).