Marrocos: entranhar em Marraquexe
A Jemaa el-Fna, coração de Marraquexe
Foram precisos muitos e muitos anos para me resolver a visitar Marrocos. O meu baptismo foi em Marrquexe e confesso que fiquei viciada.
São 18 h 30 e estou a tomar thé marrocain no último andar do Café de France, numa das mais famosas praças do mundo, a Jemaa el-Fnaa: a hora é a melhor para ali estar e a bebida não podia ser outra. O sol começa a pôr-se por trás do minarete da mesquita da Koutobia e está em curso a transfiguração da praça para a noite. De dia teve ali lugar um desfile de tipicidade: as carroças do sumo de laranja (por precaução, beba sem gelo) e da fruta seca (compre as tâmaras Medjool, mas não tire o olho do vendedor enquanto ele enche o cartucho, sob pena de as de baixo não serem medjool), os aguadeiros, cujo traje festivo atesta a importância desta commodity (se quiser tirar fotos de perto, terá de pagar), os encantadores de serpentes, os músicos, os contadores de histórias no meio de círculos de ouvintes, os vendedores de camaleões e escorpiões, de âmbar, de sândalo e de índigo. Cores e mais cores. O movimento é frenético. A pé, de carroça, de bicicleta ou de motobécane, as mulheres sobressaem também pela cor - a das respectivas gandouras e djellabas (as que têm botõezinhos na frente e um capuz) - e raramente desaparecem dentro do buraco negro da burqa.
Agora que a noite começou a cair, oiço o muezzin da Koutobia a chamar à oração, logo seguido de muitos outros, ressoando de todos os cantos da cidade. Quase em frente ao café, vejo os homens entrarem na mesquita: aqui a oração é muito mais valiosa aos olhos de Alá do que se feita em casa.
A praça ao cair da tarde. Ao fundo, a mesquita da Koutobia.
Mesas postas para o jantar
À medida que o sol cai, vai sendo montado o cenário nocturno. De repente, a praça fica coberta de minúsculos restaurantes com cozinha própria, casa de banho, mesas e bancos corridos. São centenas ou até milhares de lugares. Tudo é cozinhado à vista e cada unidade restaurativa tem a sua especialização que podemos, grosso modo, catalogar da seguinte maneira: peixe frito, kebabs ou saladas e cabeças (línguas e miolos) de carneiro.
O meu conselho é que comece por dar uma volta à praça antes de tomar uma decisão. Se tiver dúvidas, dê meia volta e faça agulha para um restaurante convencional (inspire-se nas duas outras opções do meu TOP 3). Se optar por jantar, procure sentar-se ao lado dos marroquinos, e não do irritante casal de noruegueses que ali está apenas porque é politicamente correcto comer no meio dos locais.
A minha primeira escolha foi a generalista: espetadas de carneiro e de frango acompanhadas por muitos legumes assados e grelhados, mas cuidado com as saladas cruas. Para começar, as inevitáveis rodelas de cenoura com ervas (tão típicas também do Algarve) e a salade marocaine (tomate e cebola em quadradinhos e salsa), presentes em todos as refeições de norte a sul de Marrocos. Para prato de resistência, uns kebabs (espetadas) de várias carnes. O acompanhamento, cuscuz e legumes. Depois é partilhar de tudo e deliciar-se a comer à mão. O sabor da comida altera-se completamente conforme o veículo usado para transportar a comida até à boca. É por isso que se recomenda que o cozinheiro prove sempre a comida com o talher que irá ser usado à mesa. É completamente diferente comer um kebab à mão ou de garfo e faca.
A praça à noite.
A banca "generalista".
Outra opção será o peixe de fritura primorosa, em banca própria. Neste tipo de “unidade restaurativa”, o peixe, geralmente da costa atlântica, é frito na retaguarda, nuns cestos de rede enfiados em enormes tachos de cobre, e acompanha com batatas fritas, embrulhadas no próprio papel chupa-óleo que faz as vezes de guardanapo. Os comensais sentam-se em U num balcão em redor da cozinha e comem à mão. Não falta o omnipresente pão redondo.
No fim da refeição há sempre um pequeno lavatório, em geral, uma bacia de barro com uma torneirinha, onde se lavam as mãos.
As cabeças de carneiro.
Tudo com ar limpíssimo.
A Tagine do Ahmed, no Riade Amirat al Jamal
O Ahmed é a espinha dorsal do Riade, alternando o papel de PR e de cozinheiro. Saltei de alegria quando ele me perguntou se queria assistir à elaboração da tagine que iríamos comer ao jantar, que ele prepararia segundo a tradição da sua tribo berbere. Começou por me explicar que cada tribo, cada família, cada loja usa um lote de especiarias diferente. A composição do ras-el-hanout, uma mistura de especiarias, varia também em função do prato em que vai ser utilizado.
Há algumas “regras” a respeitar: por exemplo, quando a tagine leva fruta seca, não é costume usar-se pimenta nem legumes. Qualquer tagine, tal como a cataplana, deve cozer em lume muito brando, embora se possa iniciar a confecção com lume alto. Não esquecer que quando a tagine é nova deve levar-se a lume brando apenas com água durante 5 a 10 minutos.
Dito isto, vamos lá então à receita da tagine de borrego à la Ahmed.
Para a tagine ficar com um aspecto mais bonito, pedi no talho que cortassem em cubos o lombo do borrego e partissem em pedaços o pescoço. As partes com osso, podem ser retiradas no fim da confecção.
Tagine de cabrito - fácil
Para 4 pessoas ou 1 tagine grande
1 dl de óleo vegetal ou de azeite
1 cebola grande picada
600 g de carne de borrego (perna, lombo, pescoço)
1 colher de sopa de salsa e de coentros, picados
gengibre em pó (1 colher de chá rasa ou a gosto)
1 colher de café de açafrão em pó
1 colher de café de estames de açafrão
1 tomate grande sem pele e sem sementes e cortado em quadradinhos
sal
Frutos secos
1 colher de sopa de açúcar de confeiteiro
canela
8 ameixas pretas descaroçadas
8 alperces
amêndoas torradas
sementes de sésamo
1) Em lume alto, aquecer bem o óleo vegetal (ou azeite) e alourar a cebola. Selar bem a carne em lume esperto (pode a carne juntar-se por várias vezes, para não baixar demasiado a temperatura). Misturar a salsa e os coentros picados e o gengibre em pó.
2) Em seguida, juntar as especiarias, o açafrão em pó e em estames e o sal.
Quando o óleo tiver começado a desaparecer, adicionar o tomate e, passado pouco tempo, água a ferver quase a cobrir
3) Tapar a tagine, reduzir o lume e deixar cozinhar durante cerca de 40 minutos. De 10 em 10 minutos, juntar mais água a ferver.
4) Num tacho, misturar 3 colheres de sopa de molho da tagine ou 2 colheres de sopa manteiga, o açúcar de confeiteiro e canela. Levar 2 ou 3 minutos ao lume e juntar as frutas secas. Ferver durante mais 2 ou 3 minutos.
5) Quando a carne estiver no ponto desejado (não deixar passar demais), misturar as frutas secas. Na altura de servir, enfeitar com as amêndoas torradas e as sementes de sésamo.
O luxo do Dar Moha
A receita deste restaurante de luxo sobretudo para turistas é a habitual: a tradição bem vestida de modernidade. O magnífico riade que o alberga pertenceu a um costureiro, Pierre Balmain, e vale por si só a visita, embora alguns apontamentos asiáticos se tornem dissonantes. Quando reservar, peça mesa no jardim, em redor da magnífica piscina. Um senão: terá de aguentar um espectáculo musical turístico. Se ficar dentro de casa, será poupado.
Há menus de degustação que vale a pena adoptar. O de jantar custa 530 dirham (cerca de 46 euros). Essencial é provar a pastilla de pombo, um prato doce e salgado que me lembrou as receitas do livro de Domingos Rodrigues, do nosso século XVII. Uma massa brick fecha o recheio (que também pode ser de peixe, de carne ou de legumes) e surge polvilhada com açúcar de confeiteiro e canela, como os pastéis de Belém. É uma combinação deliciosa, mas tem de ser forçosamente bem elaborada.
O souk
Em matéria de compras não me vou alongar, mas há menos do que parece. Não se precipite logo que entrar, verá que vai valer a pena refrear-se. Meia hora depois de ter calcorreado algumas ruelas, já se estará agoniado de certos artigos que se repetem interminavelmente. Cuidado com os couros: são mal curtidos e cheiram ao cavalo morto do filme O Padrinho. Aproveite para ver os locais onde os artigos são confeccionados, sobretudo os metais. Todas as transacções devem ser duramente discutidas. Se não gosta desta actividade, vá à loja do estado, onde os preços são fixos. Outro cuidado a ter no souk é não se perder. Procure sempre voltar à rua principal que o atravessa. Se a orientação não é o seu forte, contrate um guia.
Interessante também, é entrar numa antiga caravanserai: o local onde as caravanas costumavam parar quando chegavam à cidade para vender. Aqui vale a pena comprar por grosso, sobretudo artigos berberes. Alguns antigos, muita prata e madeiras.
A não perder no souk de Marraquexe a pastelaria Belkabir. Os doces são todos fabulosos, recheados de fruta seca e de frutos secos, geralmente fritos e envolvidos em mel. Na nossa doçaria, sobretudo no Sul, são bem visíveis as influências trazidas do Norte de África entre os séculos VIII e XII.
Uma loja no souk que vende remédios e condimentos, incluindo o célebre ras-el-hanout (Mistura de especiarias trituradas, chega a levar mais de 60 espécies diferentes. Varia em função de quem a prepara ou da região. Em geral, não lhe falta o cardamomo, o cominho, a noz-moscada, a canela e o açafrão.)
Os riades
Riades são casas que se desenvolvem em torno de um pátio central. São oásis de frescura pelo sábio posicionamento em relação ao sol e pela presença da água (fonte, lago ou piscina). Aproveitadas para pequenos hotéis, tornam-se o sítio ideal para ficar em Marraquexe.
Um riade arranjado para hotel com 5 ou 6 quartos: a fonte central é uma piscina com água fresquíssima, porque está sempre à sombra. Este é o Amirat Al Jamal, com uma localização óptima, a 10 segundos da Jemaa el-Fna.
Riade Amirat Al jamal www.amirataljamal.com, a 2 minutos a pé da entrada do souk
Quarto Rachid com casa de banho - cerca de 150 euros