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Conversas à Mesa

Aveiro ao Salpoente







Mencionei no meu post anterior que a propósito de tradição iria falar de dois restaurantes que souberam guardar o importante, dando em simultâneo atenção ao evoluir do gosto e às novas necessidades nutricionais. O primeiro foi o Ferrugem, o segundo é o aveirense Salpoente.










Dá gosto saber que na época difícil que atravessamos René Sabino, venezuelano de nacionalidade, investiu num restaurante que já existia, duplicando a sua área e procedendo à sua cuidada decoração. René tem um restaurante em Caracas, o Magma, e é sócio da Terraza do Casino, em Madrid, chefiado por Paco Roncero, que também já se deslocou ao Magma.
Dada a sua localização, o Salpoente, reaberto em Fevereiro, inspira-se, e muito bem, no bacalhau, quer em termos de ementa quer de decoração.
Situado frente a um dos canais, abriga-se em dois antigos barracões salineiros, construídos em ripas de madeira, conforme o costume da região, ainda bem visível na Costa Nova, onde essas ripas começaram a ser pintadas de cores. Mesmo ao lado do Salpoente existe um desses salineiros anda em funcionamento. Ali se vende o sal das marinhas locais que, conjuntamente com a vocação marítima dos aveirenses, possibilitou o aparecimento de grandes frotas de bacalhoeiros.
















Mas voltemos ao Salpoente. O vasto espaço permite a existência de um grande bar, dotado de bancos mas também de confortáveis sofás onde se pode beber e petiscar, de uma mezzanine com uma curiosa mesa do chef e um bom espaçamento de mesas na sala de jantar. Além de exposições temporárias de arte, existe um curioso acervo próprio, do qual destaco um bacalhau feito de luvas e botas da autoria de Aureliano Aguiar e um curioso bacalhau-vestido, do artista angolano Manuel d'Olivares. A decoração tem outras referências sóbrias e de bom gosto à pesca de bacalhau, como as escadas em aço corten que foram envelhecidas em sal e água do canal para se assemelharem às dos bacalhoeiros. Se descermos agarrados ao corrimão a nossa mão fica com o característico cheiro marítimo.









Tal como no ambiente, são também alguns pormenores da carta que a tornam tão interessante. O seu autor é Duarte Eira, um dos vencedores do concurso Revolta do Bacalhau e ex sub-chefe de Vítor Matos, que, à frente da Casa da Calçada e apesar de bem jovem, já fez escola e tem discípulos muito bem encaminhados por todo o país.

Modernizar a nossa cozinha não passa por Introduzir raízes e tubérculos em pratos que nunca os levaram porque é muito nórdico, ou improváveis combinações de terra e mar com ingredientes que se antagonizam. Modernizar passa sim pela escolha dos melhores produtos, sujeitando-os em seguida às técnicas recentes que melhor reproduzem o efeito pretendido. Modernizar passa sobretudo por cozinhar de forma simples e harmoniosa, enformada pelas capacidades criativas de cada um.
É essa a maneira de cozinhar de Duarte Eira. Comecei o jantar da melhor maneira com uma salada de línguas de bacalhau, bem temperada e com bons ingredientes. Para alegrar, os pimentos surgem sob a forma de coulis e para enxugar não falta a broa. Línguas, sames e ovas constam sempre da lista, assim como um prato de bacalhau fresco. O recente comércio de bacalhau fresco tem muitos detractores e alguns defensores, sendo assim em quase todos os locais onde este peixe se consome seco, salgado ou salgado e seco. Na Terra Nova (New Foundland), terra de seca e salga de bacalhau, um dos pratos favoritos é o fresco, mas na Islândia, nunca aparece à mesa. Tradições.








Quando vi chegar a entrada seguinte, um ovo a baixa temperatura, com espargos e outros legumes ladeados pelo queijo da serra, não adivinhava como esta combinação estava bem conseguida e como vinha na altura certa. A coroar a harmonia, uns minitorresmos de crocante e sabor extremos. Grande teté.










A seguir chegou o meu preferido de toda a refeição, um creme de bacalhau com uma minúscula brunesa (corte em quadradinhos) de legumes e crocante de pão. Equilíbrio difícil de atingir o do sabor a bacalhau num creme de legumes, mas este estava no ponto. Que consoladora esta sopa, um saudável hábito bem nosso que não se devia perder. Custa-me muito ver restaurantes sem, no mínimo, uma sopa do dia, um bom exemplo de cozinha de mercado. Não podemos perder os bons hábitos alimentares que temos, nem em restaurantes de topo. Assim louvo o chef Duarte Eira pela introdução da sopa num menu de degustação, sabiamente posicionada.
Veio então o prato que eu mas esperava, o fiel amigo. De proveniência islandesa, fazia-se acompanhar por um molho de ouriço-do-mar, camarão e batata trufada. Gosto muito do bacalhau da Islândia, que compro na Manteigaria Silva, na Praça da Figueira. Contudo, confesso que já há algum tempo que não consigo ter em casa um bacalhau que não me desiluda de uma maneira ou outra. Mas no caso do Salpoente estava cheia de esperança de encontrar um Gadus mohrua perfeito. Ora o que me foi servido estava um pouco seco, apesar de cozido no vácuo, o que me desapontou. Uma situação que espero tenha sido pontual. Deliciosas, as trufas de batata.








Como prato de carne, costeletas de cordeiro com crosta de ervas e sementes, ao lado milhos de tomate. Carne saborosa e em bom ponto,
Sobremesa à base de café, caramelo e baunilha, uma das numerosas ofertas da casa, nada que tivesse ficado na minha memória.








Posso assegurar-vos que fiquei com vontade de voltar em breve a Aveiro para experimentar mais pratos do chef Duarte Eira no Salpoente e também para conferir a qualidadedo bacalhau. É bom ver que ainda se investe num restaurante com uma decoração espectacular, uma boa cozinha tradicional com uma vertente moderna e um serviço extremamente agradável. Uma combinação vencedora.









RESTAURANTE SALPOENTE
Canal de São Roque, nº 82/83, 3800-256 Aveiro, Portugal
Tlf +351 234 382 674 | Tlm +351 915 138 619
salpoente@salpoente.pt