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Conversas à Mesa

O SEGREDO

Nós portugueses adoramos tudo o que tem segredo. Não somos nada dados à teoria da conspiração, como os puritanos anglo-saxónicos. Nada disso, que na teoria da conspiração ficamos de fora, no segredo não. Damos o cavaquinho nem que seja só por uma boa cumplicidade com o detentor do segredo, e derretemo-nos todos se nele formos iniciados.

Os nossos palácios guardavam o segredo do seu interior luxuosíssimo por detrás de uma fachada simples, quase amorfa. Veja-se o caso do Palácio da Anunciada, mais tarde dos Condes da Ericeira, destruído pelo terramoto de 1755. A aparência grandiosa, mas despida, não deixava adivinhar os estupendos tesouros do seu interior, nomeadamente quadros de Rubens e Ticiano e uma estátua de Bernini.

Até a nossa Igreja tem como pedra basilar um segredo só nosso, que não é o segredo da divindade de Cristo, mas sim as confidências prenhes em importância para a política mundial, que Nossa Senhora entendeu fazer a 3 crianças que pastoreavam umas cabritas.

Nas comidas, é gritante a recorrência do segredo. Ainda me lembro de aqui há uns anos, antes deste excesso galopante de livros, de revistas e de programas de receitas, estas serem ditas "de família" e ciosamente guardadas. Era considerado rude pedir uma receita a uma dona de casa. E acontecia frequentemente as que eram dadas virem truncadas. E se, em mãos menos habilidosas, o resultado final era obra escangalhada, logo se desconfiava que "ela não me deu a receita certa, escondeu o segredo."

Agora, naqueles inumeráveis e infindáveis programas da TV (que eram da manhã e que agora são também da tarde), há sempre, na cozinha de qualquer Escondinho, um/uma jornalista que além do “Hum que delícia” só sabe perguntar “E qual é o segredo destes tímbalos de carneiro?”. E há sempre uma Dona Anunciação que, mais papista que Nossa Senhora de Fátima, nos anuncia que não pode revelar o SEGREDO, porque o segredo é a alma do negócio.

Para nós portugueses, em matéria de restaurantes o segredo é realmente a alma do negócio. O melhor sítio para se comer é sempre aquele que só nós conhecemos. A almoçar com amigos num restaurante de topo, no meio do mais precioso prato, aí vem a pergunta clássica: "Já provaste os túbaros de carneiro do Escondidinho, uma tasquinha que eu descobri lá para o meio de Carnide?”

Até a francesinha, uma espécie de sanduíche com mais camadas que os solos plistocénicos e que parece querer arrogar-se na representante lídima da riquíssima cozinha portuense, leva uma molhaca que é sempre um segredo.


Quando será que finalmente perceberemos que a nossa cozinha não tem segredos se usarmos sempre bons produtos? Ou, prontos, está bem, que o SEGREDO da nossa riquíssima tradição culinária reside inegavelmente na qualidade dos nossos produtos?