O GEADAS DE BRAGANÇA
Geadas é apelido de família. Que eu conheça, são quatro, pai, mãe e dois filhos, o Tó na sala e o Óscar na cozinha. O Geadas é um assunto de família, um assunto de família transmontana. E um assunto que não se esquece.
Bragança pode gabar-se de ter dois restaurantes de topo, cada um no seu género. Do Solar Bragançano já falei em post anterior, hoje falo-vos do Geadas, onde já fui diversas vezes. Desta feita, refiro-me a um almoço recente para o qual me convidaram.
Estudiosos da tradição e das técnicas modernas, os dois irmãos Geadas são investigadores apaixonados dos produtos transmontanos. E aqui importa salientar a parte da investigação, mas também a parte da paixão. Este conceito, que parece tão estafado (não há hoje cozinheiro que não se inspire na avó e não cozinhe por paixão), ganha aqui autenticidade.
Óscar escolhe para a sua cozinha os melhores ingredientes disponíveis, seja recuperando antigos produtos, seja aproveitando-os de forma não convencional apenas quando esta traz alguma vantagem para o prato. Embora a cozinha seja toda ela muito natural, no sentido em que os produtos surgem quase sempre sem artifícios, há por vezes um piscar de olho a técnicas modernas, como o aprisionar do fumo dentro do recipiente da bola de alheira com geleia de marmelo cujo sabor fumado é reforçado pelo fumo da alfazema. O resultado é o clássico sabor a fumo, mas refrescado pelas notas campestres da alfazema que, espevitada em madeira de carvalho, perde o aroma de gavetas com as combinações da avó. Esta entrada transmite um pouco a filosofia do Geadas: manter a tradição em tudo o que é desejável, refrescando-a sempre que a mudança traz alguma mais-valia, e usar sempre os melhores produtos da região. Um louvável exemplo a seguir que muito valorizaria a nossa restauração.
Para começar a refeição, um figo com um queijo suave, o manchego. Tão suave que não chegou a ter influência no resultado final. A terceira entrada foi para mim o melhor prato da refeição. Quase sem intervenção, os cogumelos Amannita cesarea finissimamente fatiados surgiram apenas com uma pitada dos magníficos cristais de flor-de-sal da Salmarim, de Castro Marim, quais cristais de neve, a desagregarem-se na ponta dos nossos dedos, e um pó de pimenta preta, que lhes reforça o elemento terra.
De assinalar ainda os magníficos cuscos, os melhores que já comi. Sobre os cuscos irei escrever brevemente, mas para quem não sabe são minúsculas bolinhas feitas pacientemente com farinha e gotas de água, sendo o resultado algo semelhante ao cuscuz. Como são feitos artesanalmente, essas bolinhas têm tamanhos variáveis. Fica aqui também registado que, pelo que tenho investigado, os cuscos chegaram a Trás-os-Montes por mão judia. Eram usados como principal fonte de hidratos de carbono, em épocas anteriores à batata e em que o arroz era artigo de luxo. Chegado o Setembro, cada casa fazia umas dezenas de quilos deles, enquanto ainda havia sol para secarem. Aqui, os cuscos são feitos pela mãe Geadas, sendo cozinhados na perfeição pelo Óscar, na companhia de dois tipos de cogumelos, os Boletus edulis e os Boletus aerius. Não sabem a farinhas crua nem ficam engordurados.
O resto da refeição consistiu em dois pratos de carne: um tornedó de vaca com um puré de maçã, cuja linda cor verde resultava de uma decocção de espinafres; e um prato de javali com um acompanhamento crocante de ervas do monte. Achei o javali de sabor mal aproveitado, demasiado suave, sem puxar à caça. Com estes, bebeu-se um tinto da Quinta da Vila Maior, Douro, 2004. À sobremesa, um saboroso pudim de castanha enriquecido com castanha cozida esfarelada.
Bragança tem belíssimas ofertas restaurativas, merece até uma viagem gastrónomica (a viagem faz-se bem, menos de 4horas e meia de Lisboa, com calma). O Geadas é uma dessas ofertas, a não falhar.
GEADAS
R. do Loreto s/n
Tel. 273326002
Não encerra